PESCA JIGGING NO SENEGAL II

A dada altura, um senegalês desconhecido abeirou-se de mim e meteu conversa.
É muito frequente que o façam, e eu não levo a mal, mesmo sabendo que no fim de tudo está a tentativa de obter qualquer vantagem.
Percebo a intenção. Antes de o fazer ele tinha zero, e no fim, argumentando e negociando bem, poderia vir a conseguir algo. Por isso eles não desistem de tentar.
E tudo começa por dois dedos de conversa, sobre qualquer tema. Porque eu estava com aspecto de pescador, foi por aí que o meu entusiástico interlocutor avançou.
Em três minutos, já parecia conhecer-me há 30 anos. Dizia ele: …“como sabes, eu não pesco, mas gosto de peixe”….e por aí fora.
Porque eu não me mostrei demasiado interessado em seguir por aquele caminho com quem nem era pescador, chamou um amigo e esse sim, pescava.
À minha frente tinha dois vigaristas que porfiavam no sentido de obter algum dinheiro, alguma comida, um peixe, qualquer coisa mais que nada.
A conversa ia de tal forma animada que a dada altura pareceu-me ouvir dizer ao colega algo que interpretei como sendo isto….”Nós conhecemos isto. Vamos contigo. E também podemos ir fazer umas orcas , ao spinning….”
Os senegaleses são um povo optimista por natureza. São forçados a isso atendendo à exiguidade de meios de sobrevivência. São naturalmente desenrascados, e é minha forte convicção de que em cada um deles há um potencial MacGyver.
São gente simples, que vive o dia e para o dia. Não lhes peçam teorias rebuscadas porque aquilo que lhes interessa é o imediato, o visível, o explicável. A sua vida é tão difícil que dispensam tudo o que a possa tornar ainda mais complicada.
O amanhã é algo que está distante, não é agora, e por isso há tempo para o pensar. Como base, aceita-se o princípio de viver cada dia como se fora o último. “Seize the day” na sua expressão mais pura. Aproveitar o dia e o que ele traz. De resto, …o mar dá de comer, dá sempre aquilo que é necessário.
Entretanto chegou o meu amigo Mohamed, e a conversa ficou por ali. Pena, porque eu estava a divertir-me imenso a ver a quantidade de contorcionismos que eles eram capazes de fazer para me sacarem uns cobres. Qualquer coisa.


Estes peixes, as albacoras, são para mim muito especiais. Acho-os lindos. São peixes do azul, do largo, e este consegui-o num DCP, uma boia colocada num ponto a 1500 metros de fundo, que concentra peixe nas suas imediações. Uma simples boia passa a ser um ponto de referência e à sua volta é criada uma cadeia alimentar que termina nos grandes atuns e marlins.


Mas era tempo de abrir as hostilidades aos peixes, e a coisa começou como eu esperava: mal.
O meu barqueiro fazia bowling com as boias dos pescadores. Acertava em todas. Verdade que os instrumentos de navegação não o ajudavam. Nem sequer o vidro da frente do barco cabinado, em plástico opaco.
A condução era feita com a cabeça de fora, a ameaçar uma escoliose na coluna de alguém que forçosamente teria de passar duas a três horas a conduzir naquela incómoda posição, para cada lado.
Pesca-se longe da costa por uma razão simples: a 60 km de distância da areia da praia, temos…. 20 metros de fundo.
Estou um forte comprador da electrónica do meu barqueiro. Pouco excede em eficácia o tradicional cuspe no dedo e um olhar à matador, presumivelmente entendido, mas pelo menos é barata. Marcar peixe não marca, e não vou acreditar que todos os destroços e pedras que visitámos estivessem vazios. As horas que passei a seu lado, sem qualquer resultado minimamente palpável deram-me a perfeita noção de que na pesca tudo é relativo. Podemos estar bem sem pescar nada. Apreciei a sua honestidade e clareza de ideias: pouco peixe e muito riso. Prefiro isso a muito peixe e má disposição. Na verdade, ele não sabe muito sobre pesca. E poderia dizer ainda mais: a simplicidade das suas ideias levam-me a crer que saberá pouco sobre a vida em geral. Mas é feliz assim, na sua pureza de intenções e inocência. Foi honesto: de pesca sabe pouco. Logo por grande azar dos Távoras , foi para isso que o contratei.
Mais peixe menos peixe, os dias cumprem-se. Já não estou numa fase da vida em que valorize demasiado os resultado das saídas pelo número de peixes capturados. Sequer pelo seu tamanho. Já pesquei de tudo e muito.
O lance é tudo para mim, e assim sendo, um lance, um único lance bom, pode valer o dia.
E tive os meus momentos de glória, não com peixes, que na verdade não foram muitos, mas com outras circunstâncias que valem bem mais que um peixe.
E é isso que vos irei contar nos próximos dias, tenho a certeza de que se vão divertir imenso a ler aquilo que eu trouxe nos olhos.


Um xaréu de 14 kgs, uma besta de força.


Pesca-se mais pesado. É frequente que se recorra a jigs de 150 gramas a …25 metros de fundo. As águas são baixas, as correntes impiedosas e normalmente muito sopradas por ventos que nesta altura do ano não dão descanso.
A ondulação nem era demasiada, não mais de 3 a 4 metros, mas o vento empurra e as vagas formam-se, altas. Cheguei a ter à minha frente vagas de 5 a 6 metros de altura, eventualmente algumas acima disso.
O barco desaparecia na cava e subia a pique, como um barquinho de papel, até iniciar a próxima descida. Não são particularmente perigosas, fazem-se, mas devemos atender a que os meios de comunicação são ineficazes, (se existem …não funcionam de certeza!), mesmo que transmitam algo seguramente ninguém estará do outro lado a ouvir, e muito menos alguém terá meios para efectuar um socorro.
As embarcações são velhas, os nossos telemóveis não têm rede, enfim, nada ajuda. Coletes de segurança não sabem o que são, água não há, comida não há, balsa salva-vidas idem, se o barco afundar sobra apenas a nossa capacidade de nadar para terra. Que não se avista de terra e está a 50/ 60 km …
Nestes dias, conseguir captar uma foto é algo de impossível, e por isso não as tenho. As mãos são necessárias, ambas, para nos agarrarmos a um varão, a um banco, qualquer coisa que nos impeça de ser lançados à água.
Bem o tentei, mas numa das vezes, estando de cócoras à ré do barco a fazer um filme das vagas que entravam de lado, fui bruscamente projectado para trás. O telemóvel saltou-me das mãos e deixei de o ver. Ficou miraculosamente dentro do barco, ainda que esfolado. Mas a funcionar.


Eu a ser apertado por um peixe a sério. Quando querem ir para o fundo, vão para o fundo. Aí, é uma questão de sorte, haver ou não no caminho deles uma pedra onde roçar a linha. Em dias em que estamos com sorte às miúdas, nem vale a pena duvidar: vão de certeza encontrar uma rocha afiada onde cortar a nossa linha...


O equipamento não poderia ser mais diferente daquele que habitualmente utilizo por cá, na nossa santa terrinha.
Se aqui a minha tendência vai toda para o Light Jigging, fui forçado a adaptar-me a uma nova realidade, carregando peso que a mim pessoalmente me sabe sempre mal, mas que perante correntes tão fortes acaba por ser necessário. Digo-vos que para mantermos o barco no sítio era necessário meter motor e navegar contra a corrente. Para ficarmos parados.
Assim, jigs a partir dos 80 gramas como mínimo, e em determinadas alturas do dia, a chegar aos 200 gr. Tudo isto a profundidades insuspeitas de 30 a 40 metros, a mais de 50 km da costa.
Para obtermos 60 metros de fundo foi necessário navegar para o largo cerca de 3 horas, em linha recta.


Equipamento por mim mais utilizado, uma cana e carreto Saltiga 2020. Topo de gama para a Daiwa, neste momento.


O peixe acaba por ser o menos importante, mas a verdade é que perante tanto esforço, gostamos sempre de pescar algo. E aparece, mesmo que não aquilo para que nos preparámos. A ideia era visitar um DCP, colocado a norte de Dakar, frente a N`Gor, uma zona muito mais funda, e medir forças com um marlin, um atum acima de 200/ 300 kgs. Que não apareceu.
No mesmo local, no dia anterior, tinham sido ferrados três atuns, com duas capturas, e um marlin de 150 kgs, capturado.
Os DCP`s são algo que pode proporcionar peixe grosso a qualquer momento. Porque criam vida à sua volta, tornam-se pontos de passagens para os cardumes de grandes atuns, e um ou outro marlin, que ali pode facilmente exceder os 500 kgs.
Eu tentei-o com um carreto Saltiga 8000, uma cana robusta e linha de 120 libras. Tenho a certeza de que seria um combate épico.
Uma das duas pirogas que trabalhava no local teve uma picada durante o período que ali estivemos, mas infelizmente o pescador deixou o peixe ir ao cabo da boia e cortou a linha.
Pescam com nylon de 2mm….
Irei mostrar-vos imagens desta piroga e do seu solitário pescador num dos próximos dias.


Uma albacora. Para mim, pessoalmente, dos peixes mais bonitos do oceano, uma mistura de verdes e azuis escuros. As cores são incríveis, sobretudo ao momento de sair da água. Fiz este tunídeo com um jig de 80 gr da Smith.


Digamos que a quantidade de peixe não terá sido “excessiva”, mas ainda assim deixou na retina alguns peixes interessantes, que não capturamos por cá.
Em termos de capturas, posso assegurar-vos que não excedi o peso máximo permitido por lei no Senegal, que não existe, não há qualquer limitação.
A ter muito, teria de chamar um “Taxi Bagage”, algo que vocês não sabem o que é, mas eu explico. É um carrinho destes que veem abaixo, e que transporta cargas de um lado para o outro, mediante um pagamento.




Amanhã continuamos a saga senegalesa….há muito para contar.



Vítor Ganchinho



4 Comentários

  1. Belos relatos Vitor!!! obrigado.
    Também sinto muito fascínio pelas terras de Africa.
    Mas com profundidades de 20 mts, de certeza que não veio à Figueira da Foz? são as profundidades que consigo no meu kayak XD.
    Ainda estou tentado a ir à Nazaré tentar encontrar aqueles robalos grandes :)

    Forte abraço e boas férias!
    Paulo

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    1. Bom dia Paulo Fernandes

      Vai ver que há, nesta sequência de textos sobre o Senegal, relatos muito interessantes.
      Acontece um pouco de tudo, na maior parte dos casos episódios mesmo inesperados, e acho que vai ser giro passar os olhos pelo blog nos próximos dias.
      Entretanto já estou a pescar por cá, a pesca de Verão, o costume.

      Vamos lá então arrancar com nova temporada!

      Vocês aí na Figueira da Foz queixam-se sem razões, têm robalos aí debaixo do queixo...

      Abraço
      Vitor

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  2. Olá Vitor.
    Há Robalos (é necessário suar bem no Cabo Mondego e desviar das inúmeras redes) e há polvos.
    Também há muitos a venderem os barcos por causa da falta (de jeito) e do preço do combustível.

    Mas eu gostava muito de fazer o light jigging e gostava de aprender com os melhores :) e de capturar outras espécies com sucesso.

    Abraço, Paulo

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    1. Boa tarde Paulo

      O Light Jigging é sobretudo indicado para zonas com profundidades até 50/ 60 metros.
      Em zonas com correntes mais fortes, ou zonas pouco abrigadas do vento, a partir daí, já é necessário aplicar jigs mais pesados, e por isso mesmo os resultados passam a ser mais vulgares. Mas se me diz que tem 20/ 25 metros, então está na Meca do jigging, é isso mesmo.

      Desde que tenha o material e saiba fazer, é ir em frente!


      Abraço
      Vitor

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