O OUTONO APROXIMA-SE A PASSOS LARGOS...

O Outono aproxima-se.
Sentimos isso no ar, há algo de diferente, a brisa marítima chega-nos mais fresca, um casaco começa a fazer falta por cima da camisola fina.
Saímos ao mar com a mesma vontade de sempre: pescar muitos peixes, e preferencialmente grandes e gordos.
O momento é muito bom para isso, sem dúvida. O Setembro e Outubro são meses de referência para quem quer fazer peixes grandes. Não é por acaso.
À medida que as águas arrefecem o peixe sente que o tempo de começar a armazenar gorduras chegou, e para isso, há que caçar, redobrar a actividade, ingerir uma quantidade acrescida de presas.
A temperatura média de 20ºC das águas ainda ajuda, o metabolismo dos peixes está naturalmente elevado, têm mobilidade, estão no máximo das suas capacidades físicas. É aí que entram as nossas amostras, os nossos vinis e jigs.
Vamos lançá-las em pesqueiros mais baixos, costeiros, onde a concentração de vida é bastante superior à dos pesqueiros fundos de Inverno. Este não é o momento para visitar os fundões, é sim para espreitar cada recanto de águas mais superficiais, cada pedra ilhada no meio da areia, por pequena que seja. As surpresas acontecem a cada instante, nos sítios mais inesperados.
Recordo-me de ter saído com pessoas de França há algumas semanas. A dada altura, quis proporcionar-lhes a possibilidade de tentarem uma técnica completamente nova para eles.
Depois de uma correria a bordo com canas de jigging, e muito peixe aos saltos no barco, chegou o momento de eu lhes mostrar o LRF, Light Rock Fishing, na sua plenitude.
O desafio que lhes lancei era serem capazes de conseguir alguns peixes utilizando os camarões de vinil da Savage.
A montagem é simples, já aqui vos foi explicada, mas posso repetir: consiste numa cana muito ligeira, na ordem dos 70 a 80 gramas de peso, rígida no blanck mas ponteira bem flexível, macia, (a dar-nos a informação de toque, mas sem fazer o peixe perceber que há uma resistência anormal naquela presa), um carreto tamanho 1500 a 2000, linha PE 0.4 ou 0.6, e uma baixada em 0.20 a 0.25mm.
Neste baixo de linha, monta-se um tungsténio de 10/ 12 gramas, (um pouco mais se o pesqueiro tiver mais de 20 metros de fundo), auxiliado por um stopper, para evitar que corra demasiado na linha, e um anzol leve, mas extremamente afiado, revestido de um camarão de vinil de 5mm. E estamos equipados.


Algo parecido com isto… O tungsténio terá mais ou menos peso em função da profundidade a que estamos a trabalhar. Mais leve significa mais vantagens, mas temos de considerar se temos demasiado vento ou correntes fortes, o que nos pode obrigar a colocar mais peso.


A minha evolução neste sistema tem-me levado a utilizar anzóis mais curtos em comprimento, (o camarão passa a dobrar sobre si, e fica mais real) e a fazer um stopper com linha multifilamento bem apertada, acima do camarão.
O meu objectivo é evitar que o peso bata no camarão a cada ferragem. Porque o fazemos com a violência que implica uma ferragem à distância, acabamos por rasgar a cauda do camarão. Com este stopper isso não acontece porque há um bloqueio intermédio, o nosso nó em multifilamento.
Este bloqueio vai funcionar como uma rolha, um travão. Quando substituo uma linha num carreto, ou mesmo quando corto alguns metros finais do trançado por este acusar já alguma fadiga, tenho sempre o cuidado de não a deitar fora. Irá servir-me para este propósito, mais tarde.
Por vezes coloco mesmo uma missanga macia entre o stopper e o peso. Amortece a pancada do tungsténio e absorve ruído.
Damos uma dúzia de voltas, e apertamos bem, com vários nós. Ao cortar, deixo 4 a 5 cm de linha pendida, duas pontas soltas, porque tal como para os talhantes o bife do lombo vai desde o corno ao casco da vaca, também aqui mais antena menos antena vai dar ao mesmo.
Os camarões têm antenas longas e ajuda a dar veracidade à peça quando, ao fim de algumas capturas de maior peso, as antenas do vinil desaparecerem.
Digo-vos que um camarão chega ao fim da pescaria em mísero estado, porque as dentadas dos peixes são fortes, decididas, e os dentes acerados fazem estragos. Mas tudo pesca, mesmo meio camarão, o importante é que saibamos utilizar a técnica.
Podemos obter resultados interessantes, pois há uma miríade de peixes que atacam este vinil. Falo de robalos, de douradas, de garoupas da pedra, de sargos, e de pargos, de saimas, pois então.
Trata-se de um tipo de equipamento que costumo levar sobretudo quando saio com pouca gente, ou até sozinho, aquilo que adoro mas raramente consigo fazer. É uma técnica que necessita de muita discrição, ausência de ruídos, pouco “escarcéu”…e os nossos amigos são pouco meigos quando se trata de arrastar geleiras no fundo do barco, bater com as canas, etc. Os peixes grandes não precisam de nada mais para fecharem a boca. Se vamos em silêncio, estão calmos, activos, e o comportamento é diferente.
Isso permite-nos efectuar capturas que outras pessoas habitualmente menos discretas julgam sempre impossíveis.


O camarão a fazer das suas com um sargo. Neste caso utilizei um cabeçote de chumbo com anzol consolidado. Não é o melhor sistema...


E se costumo fazer alguns peixes bonitos com o camarão, desta vez penso que me excedi, porque logo no primeiro lance, numa zona a 12 metros de fundo, a explicar qual a técnica, acabou por bater um pargo de 1 kg.
Dizia eu algo como ”...vocês fazem o camarão saltar, duas ou três vezes, a poucos centímetros da pedra, e a seguir deixam pousar suavemente no fundo. Ao fim de 2 ou 3 segundos, voltam a fazê-lo saltar”….
E foi neste momento que o pargo mordeu, tendo vindo parar à caixa.
Feitas as primeiras tentativas por parte dos meus convidados, percebi que havia algo a melhorar. Sou perfecionista por natureza, não me basta estar “quase bem” e eles estavam a produzir movimentos perfeitamente absurdos para um camarão.
Resolvi intervir junto dos meus amigos franceses: “ vocês estão a dar um movimento ao camarão que nunca poderá ser entendido pelos peixes como sendo um comportamento natural! Coloquem-se sempre do outro lado, do lado do peixe que estão a querer enganar”...
Para vocês estes “pulos” de 2 metros podem fazer sentido, mas nenhum camarão tem esta “vitalidade”. Está rápido demais, violento demais. Ponham-se do lado do predador, do lado de quem está a observar o camarão. E quem tem de julgar se está bem são eles, os peixes.
Pensem que quem vai morder o camarão já viu outros na sua vida e sabe como eles se movimentam pelo fundo, sorrateiros, um pulinho aqui outro ali, mas com base na discrição. Ou é muito parecido, ou igual, ou …não serve.
E um deles pediu-me para exemplificar de novo. Peguei na minha cana e voltei a lançar. Ao fim de poucos segundos, tinha uma bica de 1.5 kgs na ponta do anzol. O camarão, esse estava todo lá dentro, aspirado até à goela.
Os franceses olhavam para o peixe na minha mão com olhos de espanto, pensando o quanto estavam longe de conseguir fazer aquilo.
Na verdade, não é normal obter aquele sucesso em dois lançamentos apenas. Duas tentativas, dois lançamentos, pargo de 1 kg e bica de 1,5 kgs. Para a ligeireza dos equipamentos usados, tratam-se de peixes aceitáveis.
Continuaram a lançar, mas os exemplares que saíram já eram um pouco mais minguados. Tudo depende da riqueza dos fundos em que pescamos, como sempre o difícil é retirar leite das pedras. Se há peixe no fundo para pescarmos, melhor ou pior, pescamos.
É a competição entre os peixes de maior tamanho que os leva a atacar o camarão, quanto mais houver mais rápidos e melhores são os resultados.
Em último caso, as garoupinhas estão sempre lá e colaboram activamente.




A técnica em si é algo de verdadeiramente excitante. Daquelas coisas que queremos fazer quando estamos sozinhos, em paz connosco próprios, sem nada que possa perturbar o silêncio que esta forma de pescar impõe.
A maior dificuldade consiste em definir com exactidão o momento de ferrar. A rapidez de reflexos tem de ser sempre elevada, e iremos falhar alguns ataques. Porventura algumas vezes chegaremos tarde demais. A corrida é entre nós e o peixe, e consiste no seguinte:
O peixe irá morder a borracha e entender que é um engano. Levará mais ou menos tempo, mas entende sempre. Consoante a qualidade da nossa montagem, a discrição do diâmetro da linha, do tamanho do peso tungsténio, do tamanho do anzol, irá levar mais ou menos tempo.
Cuspir o vinil irá sempre fazê-lo, a questão é mesmo saber quando, e em que fracção de segundo. Se formos lestos, rápidos de reflexos, conseguimos ferrar. Por isso entendo que esta é uma das pescas mais difíceis, mais técnicas, mas também a que me proporciona a mim mais prazer.
Pela parte que nos toca, o que temos de atender é ao tempo que iremos levar a perceber que está um peixe na ponta da linha, (e aí a sensibilidade da cana com acção de ponta dita as suas leis), e o tempo que iremos necessitar para fazer a ferragem.
Quanto mais ligeiro for o material mais sensível, e mais rápido teremos a informação de que há “ mouros na costa”. A cana boa dá-nos o toque, mas não dá ao peixe a informação de que há algo estranho na isca. Para isso, uma acção muito baixa, uma cana 1-5, 2-8, já permite fazer algo.
Eu tenho uma cana japonesa Sram Tict que pesa 55 gramas, tem 1,95 mts, e é sensível até onde se pode ser sensível. Com ela, eu sei que há algo a acontecer, mas o peixe atribui às turbulências naturais do meio aquela suave e quase imperceptível resistência. E na maior parte dos casos só percebe que há uma linha…tarde demais.
Mas perderemos sempre peixes que mordem e são rápidos a reagir, indiscutivelmente. Por isso vos digo que não convém abusar da sorte e acreditar que a cada lançamento iremos ferrar um pargo ou um robalo.


Aqui eu ainda deixava o tungsténio junto ao camarão. Vim a optar por deixar em sistema corrediço, com o stopper a uns 40 cm acima.


Pescar com o camarão de vinil, a exemplo de muitas outras técnicas que ninguém pratica por cá, dá-nos verdadeiros momentos de êxtase.
É de tal forma motivador que, sempre que tenho oportunidade para isso, e não são muitas, não deixo de levar uma cana montada com o sistema.
Uma dourada boa, um robalo bonito, são peixes bem recebidos pela esposa, e preenchem bem o conjunto de factores que nos leva ao mar: excitação, desafio, dificuldade, e recompensa.
Em Portugal pesca-se sobretudo para trazer muito peixe para casa. Nada contra, desde que se assuma isso como uma finalidade em si, exercendo um direito que assiste, desde que alguém tenha adquirido a licença legal para o efeito.
No nosso país ainda há espaço e peixe para todos. Que cada um procure fazer aquilo que mais lhe agrada. Não me incomoda que se pesque só com esse objectivo, mas eu, que sem qualquer tipo de fundamentalismo seleciono alguns dos peixes capturados para trazer para casa, acho isso algo curto, algo redutor. Pescar só para comer é algo que pertence a pessoas que nos antecederam algumas dezenas ou centenas de anos.
Sei que muito pouca gente vai ao mar sem outra preocupação que não a de disfrutar estar ali, de sentir uma brisa na cara, ver um cardume que sobe à superfície, um peixe que salta.
Ou criar uma técnica de pesca pessoal, inovadora, inventada por nós. Conheço algumas pessoas que fazem isso, e sei o quanto desfrutam de ir ao mar e estar lá, só por estar. É gente que solta todos os peixes capturados.


Um robalinho que se deixou tentar pelo dito camarão...


No meu caso pessoal, para além de ser um visitante assíduo de espaços marítimos porquanto sou guia de pesca, aquilo que me motiva e gosto mesmo é de ver quem sai comigo a conseguir ultrapassar dificuldades.
E para algumas pessoas, quanto maiores e mais difíceis os desafios…melhor. Eu lanço os desafios e ajudo a vencê-los.
São bem vindos todos os problemas e complicações que um determinado tipo de peixe nos consegue levantar, porque são eles que nos obrigam a evoluir. E temos na nossa costa alguns que são mesmo difíceis, quando pescados com artificiais!
Quanto mais rara a captura mais satisfação obtemos ao conseguir concretizá-la.
Preparar equipamentos em casa, testá-los na água, voltar à bancada de trabalho e melhorar um pouco mais, tudo isso é muito motivador para mim. São milhares de horas dedicadas à causa!
Em termos de resultados de pesca, o que aqui vos foi apresentado pouco tem a ver com a oferta de uma isca orgânica, natural, que faz parte da dieta habitual do peixe pretendido. Essa é a forma fácil, a de sempre e a que irá resultar sempre.
Se o objectivo é encher a caixa de peixe, então que se vá por aí. Mas há outras formas de olhar o mar.
Podemos tentar entendê-lo, por exemplo. E ao avançarmos nesse entendimento, ao conhecermos melhor os peixes ficamos mais próximos de poder pescá-los com técnicas alternativas.
Bem sei que isso não interessa a todos, mas acreditem que pode ser apaixonante perceber a interacção dos diversos elementos que coabitam num mesmo espaço. Um peixe nunca faz sentido de forma isolada, mas sim quando em estreita ligação com todas as outras espécies, e por sua vez enquadrados num meio ambiente que forçosamente tem de preencher as necessidades de todos.
Exige muito de nós tentar perceber a razão de um peixe estar onde está. Porquê ali?! Que condições têm de existir naquele espaço para isso? Se a permanência é de apenas algumas semanas, para onde vão a seguir? Porquê?
Leva anos a estudar, é um trabalho meticuloso, de filigrana, exige muita paciência, porque nunca é fácil e raramente é evidente.
Mosaico a mosaico, peça a peça, conseguimos ao fim de muito tempo e persistência construir um painel de detalhes que é tão grande quanto todo o mar que conseguimos ver com os nossos olhos.
Há quem prefira fazer “Legos”. Talvez porque trazem sempre uma foto final, e instruções de montagem...



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. escusado será dizer que estes textos são sempre uma lufada de ar fresco, também fiquei com uma dezena dessas carteirinhas de shrimps e é pena terem deixado de haver, são mortíferas tanto em mar como em rio, já fiz pescas com elas interessantes no Inverno onde tudo o resto falhou

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    1. Bom dia João Pinto


      Obrigado pelo seu contacto.

      Nós ainda temos em stock algumas cores. Trata-se de um producto incrível, que dá resultados em todo o lado, mas que infelizmente deixou de ser fabricado porque segundo a Savage, as pessoas não os sabem utilizar.
      Tudo o que não seja uma amostra com pala, que se lança longe e recolhe linha, é demasiado complicado. Não vale a pena tentar que as pessoas deem um salto qualitativo, porque no fim de tudo está o estigma de não querer arriscar, tentar algo de diferente. E por isso, fazem pescas iguais a todos, ou seja, comuns.
      Eu também tenho uma quantidade razoável de carteiras de vinis destes, mas ficam para mim, não os vendo por nada. Com um tungsténio para levar para o fundo, ...são dinamite!

      Abraço!
      Vitor

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