OS TUBARÕES, ESSES INCOMPREENDIDOS

Sem eles estaríamos muito pior.
Portugal ainda tem muitos tubarões. Quem pesca em alto mar sabe que são comuns, é muito fácil encontrar alguns no mesmo dia, nos sítios certos, mas poderia e deveria haver muitos mais.
Existem cerca de 40 espécies de tubarões na costa portuguesa. São sempre um bom barómetro da saúde dos oceanos, e em Portugal, dos nossos pesqueiros. Onde eles estão, há peixe.
É incrível a falta que temos de certos bichinhos, e o desprezo olímpico com que os tratamos.
Se todos concordamos que a polinização dos insectos é importante para as árvores, para que possamos comer frutas, (e isso é opinião geral e assunto relativamente pacífico), se podemos admitir que as “miseráveis” bogas nos fazem falta porque desbastam as populações de alforrecas e águas vivas, por exemplo, já quando chegamos aos tubarões a opinião geral sobre eles é profundamente negativa.
Creio mesmo que haverá muito mais facilidade em encontrar dez mil pessoas que advoguem a exterminação total dos tubarões do que encontrar uma única pessoa a concordar que sem eles, os tubarões, não teríamos o mar que temos.
E na verdade dependemos tanto destes predadores de topo da cadeia alimentar que assusta pensar na sua ausência.
Ajudam a manter o ecossistema marinho equilibrado, são responsáveis pela estabilidade populacional de diversas espécies, não as deixam proliferar em demasia. Outro factor importante é que ajudam a “limpar” os oceanos, porque se alimentam de carcaças de peixes mortos e de elementos debilitados, que poderiam, inclusive, passar as suas doenças para outros da mesma espécie, e assim fazer alastrar graves problemas sanitários. E todavia, …matamo-los.
O caso é de tal forma grave que, até ver, não há qualquer restrição de capturas para a frota pesqueira nacional. Sim, estamos sem limites máximos de capturas!




Das cerca de 400 a 600 espécies de tubarões que os nossos oceanos albergam, muitas delas, por força da mortandade que atinge cerca de 100 milhões de tubarões / ano, já foram reduzidas a menos de 10% dos seus efectivos. Poderemos pensar: …e daí?!

Vejamos o que poderia acontecer, num hipotético cenário de desaparecimento total destes limpadores de mares:

- Sem eles, as espécies de peixes de médio porte viriam a tornar-se dominantes, gerando-se um desequilíbrio acentuado, e o consequente crescimento populacional descontrolado. No fundo, as presas habituais dos tubarões, sem predadores, teriam condições para reproduzir sem restrições.
- Sem predadores naturais, esses peixes médios, novos reis do espaço marítimo costeiro, iriam atacar as populações de pequenos peixes, juvenis de todas as espécies nativas, inclusive a sua própria espécie. E o ecossistema ficaria, a médio/ longo prazo, mais pobre, com menos vida, mais exaurido de recursos.
- Por outro lado, e sem a presença de peixes juvenis em quantidade, o consumo de micro-organismos marinhos iria diminuir acentuadamente. Aconteceria uma reprodução exagerada de zooplâncton. E podem perguntar: “então e qual é o problema?”…

Por proliferação deste, e falamos concretamente do zooplâncton, pequenos animais marinhos que existem no mar aos milhões, passaríamos a ter excesso desta massa orgânica. E, porque se alimentam diariamente de milhares de toneladas de microalgas, os efeitos seriam desastrosos. A tendência seria para termos menos algas. E aí sim, isso poderia ser de facto um problema para a nossa espécie humana. Porquê? Aí vai: vindo estas a diminuir drasticamente, pois seriam desbastadas pelo zooplâncton, e sendo elas as grandes responsáveis pela transformação de dióxido de carbono em oxigénio, toda a vida marinha iria sofrer uma diminuição drástica. No fim deste processo, não teríamos nem peixes para comer, nem microalgas para produzir o oxigénio que nos serve de suporte à nossa vida. Esse seria o efeito final de não termos tubarões.
Parece-me importante referir que de nada adianta estudar os tubarões em si, sem os enquadrar na generalidade dos ecossistemas marinhos. As espécies vivem entrelaçadas, e sem uma todas as outras poderão ter problemas graves. Todos estão dependentes de todos, e até ver, conseguem viver em equilíbrio.
Somos nós que estragamos tudo, ao interferir drasticamente com o equilíbrio que sempre existiu. Se retiramos uma espécie, isso não fica só por aí, infelizmente. Logo de imediato há outra, ou outras espécies que irão aproveitar o vazio de uma para ocupar o seu lugar na cadeia alimentar. E nestas coisas de natureza, o melhor é sempre não tocar…
O cenário que tracei acima não tem nada de novo, é algo assumido e suficientemente testado por biólogos de todo o mundo. A velocidade a que estamos a destruir habitats e espécies dá-nos, infelizmente, muita matéria de estudo. Em Portugal isso acontece também, não é algo que esteja longe. É aqui.
Por acabarmos com um superpredador que tem milhões de anos de evolução, e que merece cuidados de gestão da nossa parte, podemos ter problemas insolúveis pela frente. Se não fizermos nada eles tratam de si próprios, mas a questão é que lançamos à água milhares de anzóis iscados que dizimam tubarões a rodos, fazendo de Portugal um dos maiores exportadores de carne e barbatanas de tubarão do mundo. Soube que na zona de Setúbal foram capturados no espaço de uma semana acima de 2000 tubarões de espécies comercializáveis, sobretudo de tintureira. Outras espécies menores não entram nestas contas, mas existem e se não são alvo de pesca dirigida, não deixam de aparecer nos anzóis dos aparelhos profissionais. A algumas milhas da foz do Sado, temos espécies como o tubarão azul, a tintureira, o anequim, ou mako, a pata-roxa, o cão-do-monte, e o incrível tubarão preto de olhos esmeralda, o carecho e ainda o barroso. Estes serão os mais comuns. Tubarão frade aparece regularmente no lado protegido do Espichel, na costa de Sesimbra.
Quando são capturados, (e quem pesca a sério sabe que isso é bastante fácil de conseguir), a seguir não os temos. Devemos encarar cada uma das espécies de peixes como um pilar de uma ponte. Quando perdemos um, ficamos com menos um pilar. A ponte não cai. Mas quando retiramos vários, …cai mesmo.
Não ajuda a imagem que deles temos, de predadores ferozes, traiçoeiros, sempre prontos a morder tudo e todos. Esquecemos facilmente a sua enorme vulnerabilidade, não cuidamos de quem tanto cuida de nós. Por estranho que pareça, aquilo que fazemos é pescá-los à exaustão e a seguir cruzamos os braços e esperamos que corra tudo bem.


Mafalda Ganchinho com uma mandibula de tubarão tigre. Pelos meus cálculos, um animal com cerca de 4 metros.


A dentição dos tubarões diz-nos muito sobre eles, e sobre aquilo que comem. Porque estão constantemente a produzir dentes novos, podem substituir com facilidade algumas peças perdidas, aquando de um ataque mais violento. As presas deles são encorpadas, têm força e defendem-se. Por isso mesmo, nada como ter à mão uma nova fileira de dentes para substituição. Eu estive num armazém que as guarda, e vende ao desbarato. Há muitas! A forma como as vendem já diz muito daquilo que é a facilidade com que as conseguem.
Nesta situação, a pessoa que é depositária destes maxilares apenas diz: “ pode levar os que quiser e dar aquilo que quiser”….
Pela perspectiva dos tubarões, isto é um facto que não deixa de ser…assustador.


Depósito de milhares de maxilas de tubarão. São vendidas ao desbarato, porque é necessário vagar espaço para as outras, …do dia seguinte. Na foto, se tiverem atenção podem ver em primeiro plano o característico dente de um tigre. São afiados e serrilhados. Próprios para esmagar e cortar carapaças de tartarugas.



Vítor Ganchinho



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