PESCAR BEM, SEM ANZOL...

É de tal forma enorme, diverso e abrangente o mundo da pesca que a única garantia que temos é de que sobre ele …nunca saberemos tudo. Ninguém sabe tudo sobre pesca. Dificilmente qualquer um de nós não ficará um dia surpreendido por algo estranho, uma técnica de que nunca ouviu falar. Acontecem práticas de pesca por esse mundo fora de tal forma bizarras e inesperadas que colocam à prova tudo aquilo que é senso comum. 

Hoje, aqui no blog, vamos ler sobre algo feito em diversos países asiáticos, e que não encontra paralelo na nossa velha Europa: a pesca com pássaros. O objectivo será o mesmo de sempre: colocar comida na mesa das pessoas. A forma como o fazem não deixa de ser engenhosa, pois o “Ukai”, a técnica de pesca com corvos cormoran, está bem longe de ser apenas uma mera curiosidade e atracção turística, pese a sua exploração como factor de obtenção de receitas.

É uma forma de pesca efectiva, confirmada, com resultados garantidos, e que atrai muita gente ao local onde é praticada. A orografia japonesa presta-se a isso, com imensos lagos e rios cheios de vida, com muito peixe. Não será alheio a isso o facto de sazonalmente o Japão ter abundância de neve derretida, facto que dá origem a águas límpidas e frescas. 

Também o facto de se tratar de um país completamente cercado de água salgada criou uma cultura de pesca de mar ímpar, a nível mundial. O desenvolvimento da industria da pesca, dos equipamentos, das técnicas, só é possível porque a cultura nacional aponta no sentido de aproveitar os recursos naturais existentes. Potencialmente, existem 130 milhões de pescadores no Japão. Vejam a que ponto aquela gente desenvolveu a indústria da pesca, a ponto de serem líderes incontestados em inovação e qualidade. Os avós têm gosto em ensinar os netos a pescar, deixam-lhes isso como um legado de conhecimento. Ensinar a pescar reveste-se de um significado muito profundo: “ensinei o meu filho e netos a conseguir alimento, e eles irão fazer isso pela sua vida fora, e ensinar aos filhos deles”. Mas também as raízes culturais daquela gente não são esquecidas, preservando métodos ancestrais de captura de peixe para alimentação. Concretamente esta arte de pesca com corvos, pássaros aquáticos, é praticada há cerca de 1300 anos. Ainda hoje é feita, sobretudo em águas interiores, (no rio Nagaragawa, em Gifu, os mestres pescadores têm ainda hoje o alto patrocínio do imperador…). 

A arte do Ukai é praticada em doze rios do Japão, sobretudo nos meses de Verão. Faz sentido, já que estes cursos de água estão gelados durante o Inverno. Em longos barcos de madeira, cada pescador leva consigo uma dúzia de corvos atados com coleiras, que irão mergulhar nas águas frescas do rio, capturando um tipo de peixe particularmente apreciado na região. Os corvos marinhos capturam e engolem os peixes inteiros, armazenando-os numa bolsa, acima da coleira aplicada pelo dono dos pássaros. Ao serem içados a bordo, estes são despojados das suas capturas, a favor do dono. Por estranho que vos pareça, é feito um lume a bordo. Podem vê-lo na imagem abaixo. A intenção é a de fornecer aos pássaros um ponto de referência, para que possam nadar de volta ao barco, para além do facto de a luz atrair os peixes à superfície. Certamente terão o cuidado de não pegar fogo à embarcação, cujas tábuas estarão húmidas o suficiente para aguentarem semelhante trato.



   
Actualmente, a arte é praticada principalmente como atração turística. São oferecidos cruzeiros turísticos especiais que acompanham os barcos ukai e permitem que os turistas vejam de perto a ação. Os detalhes dependem de cada local, mas os barcos normalmente operam diariamente durante a temporada, exceto quando os rios têm níveis de água altos.  Os cruzeiros geralmente duram cerca de uma hora e custam em torno de 2.000 a 3.500 ienes por pessoa, ou seja cerca de 18 a 25 euros. Cruzeiros com jantar também estão disponíveis em alguns dos locais e fornecem uma maneira única e popular de experimentar o ukai.  Os cruzeiros com jantar podem ser oferecidos pelas próprias empresas de cruzeiros ou por hotéis locais, ryokan e restaurantes.  Geralmente são necessárias reservas antecipadas. Alternativamente, em muitos locais também é possível assistir gratuitamente à ação da pesca ao longo da margem do rio.
 


Momento em que o corvo é despojado da sua carga.  Estes peixes irão ser cozinhados e comidos de forma tradicional. A famosa “tempura” foi introduzida pelos portugueses naquelas terras, e não passa de algo a que nós estamos habituados desde miúdos.

O normal é que por cá se faça sob a forma de “peixinhos da horta”, com feijão verde. Mas no Japão é feita com peixe e não é por acaso.  A tempura japonesa que hoje conhecemos como parte da gastronomia mais popular do Japão teve efectivamente origem num prato português, os peixinhos da horta. 

Recuando a 1543, António da Mota, Francisco Zeimoto e António Peixoto, eram três navegadores portugueses que viajavam a bordo de um navio chinês, em direção a Macau. Antes de chegar ao seu destino, acabaram por atracar em Tanegashima, uma ilha localizada no sul do Japão. Encontrando-se este país em guerra civil, deu-se início a negociações com portugueses, sobretudo sobre armas, originando uma presença portuguesa mais firme no território. Apesar do interesse inicial, pela negociação de armas de fogo, passar, rapidamente, também incluiu negociações sobre o sabão, o tabaco, a lã, até chegar à comida. E é aqui que começa a história de um prato português que passou a integrar a gastronomia do Japão.


Espero que esta curiosidade japonesa tenha valido o vosso tempo de leitura. Nada de desatarem a apanhar corvos marinhos para pescarem por vós. Pescador que é sério pesca de cana e carreto. 

 

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