A LUZ VISÍVEL, NAS NOSSAS LINHAS - CAP I

Todos procuramos algo que não existe: uma linha multifilamento que seja superforte à rotura, super resistente à abrasão, super durável para a podermos ter no carreto durante anos, superfina, com o mais ínfimo diâmetro possível, suficientemente dura para ser muito fácil de desembaraçar nós, quando a isso somos obrigados, mas supremacia, com saída suave da bobine do carreto para permitir lançar o mais longe possível, e já agora que nunca perca as cores originais, em contacto com a água salgada.
E porque não, super barata. Em suma, algo que obviamente ninguém consegue fabricar.
Aquilo que temos, mesmo nos melhores dilemas, é sempre um compromisso entre algumas destas características. Percentualmente mais deste ou daquele factor, mas nunca tudo. A linha ideal não existe.
Nunca teremos tudo, mas podemos sim ter algo que nos satisfaça, no seu conjunto.
Pescar com trançados é comum, algo que hoje em dia quase todas as pessoas fazem. Longe vão os tempos de encher os carretos com nylons, linhas em espiral, com memória, que nos infernizavam a pesca. Por melhores que fossem, a sua elasticidade fazia-nos sistematicamente perder peixes.
Logo, os multifilamentos, sem dúvida, pois dão-nos um contacto muito mais directo com o peixe, sentimos melhor os seus movimentos, somos mais eficazes.
Deixamos para os últimos dois a três metros a questão da baixada de nylon ou, melhor ainda, em fluorocarbono, e será isso a conferir a invisibilidade ao sistema.




Vejamos alguns dados que me parecem pertinentes, relativamente a linhas trançadas coloridas:

1- Os multifilamentos são normalmente feitos em cores visíveis, que nos permitam segui-los durante o seu percurso. Se fazemos spinning, nada mais devastador que passar uma manhã a tentar seguir com os olhos o trajecto de uma linha multicolor. É desgastante! Quando estamos a conseguir ver a linha, a ter um contraste com a cor da água, e por isso mesmo conseguimos entender que àquela inclinação de linha corresponde uma determinada distância, eis que a cor muda e nos obriga a refazer os cálculos de novo. Com luz mais dura, por exemplo em dias de sol alto e limpo, sem nuvens, e estando a água encrespada a vento, logo emitindo brilhos na direcção dos nossos olhos, isso é um exercício que não se deseja ao pior inimigo.
Por esta razão, em definitivo, linhas de uma só cor, para trabalhos de spinning.
Tudo muda quando fazemos jigging, em que a marcação de cores é um aliado extremamente útil.
Aí, o efeito é exactamente o oposto. Queremos e precisamos saber sempre a que altura/ profundidade está o nosso jig e por isso, sem dúvidas a escolha é a linha marcada a cores, a cada 10 metros. Ajuda imenso, dá-nos mais peixe ao fim do dia.
Sabemos quando estamos a chegar ao fundo, e por isso preparamo-nos para um momento crítico. Tudo fica mais fácil dessa forma.

2- Normalmente os multifilamentos monocromáticos vêm de fábrica em cores muito padronizadas, É o amarelo chartreuse, o verde escuro, o laranja, ou o vermelho. Mas será o amarelo esverdeado demasiado visível para os peixes? Pode isso prejudicar os resultados da nossa pesca?
Estaremos melhor com um verde escuro, ou o vermelho é mais discreto?
Podemos analisar isto aqui no blog, mas necessitamos de dar um passo atrás e rever conceitos técnicos, sem os quais não entenderemos o processo.
Provavelmente chegaremos a uma conclusão inesperada para a maior parte de vós. Vamos a isso!


A natureza surpreende-nos com cores que são menos expectáveis. Aqui nestas pedras a descoberto depois de uma baixa mar, o vermelho.


Como somos?

Os olhos humanos têm sensores que reagem a cores primárias, tais como o vermelho, o verde, o azul. Detectamos a luz emitida pelos objectos baseados numa percentagem de cada uma destas três cores base.
Aquilo que nos é visível é um espectro de cores compostas, em que existe parte disto, parte daquilo, e que nos habituámos a conseguir identificar como sendo as cores x e y.
A retina é o revestimento mais interno do olho, composta por milhares de células sensíveis à luz, possui uma parte interna de tecido nervoso e uma externa pigmentada.
Desempenha um papel fundamental na formação de imagens, que serão projetas e depois enviadas para o cérebro, através de impulsos elétricos.




Se olharem para um catálogo de cores, por exemplo de tintas para pintar paredes, entendem a dificuldade de podermos definir cores quando elas são muito próximas. Pode até acontecer que cada um de nós tenha uma percepção de cor diferente, nunca o saberemos. Falamos de misturas de tonalidades e isso é um mundo imenso. Talvez vos seja mais fácil entender se eu vos passar estes diagramas:





Chamo a atenção para o facto de sermos capazes de ver o preto, (para muitos uma ausência absoluta de cor, mas que é uma cor), uma mistura composta pelas cores que veem à esquerda. Também somos capazes de ver o branco, no bloco de cores à direita.
Entre essas duas cores temos milhares de outras cores e nuances de cores, dependendo da percentagem de cada uma das constituintes. É a mistura entre elas que nos dá aquilo que estamos a ver a cada momento.
Estas cores são recepcionadas pelos nossos cones e bastonetes, células sensíveis à luz, existentes na nossa retina, e que passam a informação a quem a pode analisar: o processamento da cor é feito no cérebro.
Pode então dizer-se que a visão a cores não se baseia apenas no acto de recepção de luz, ao nível dos olhos, mas sim na percepção que o nosso cérebro faz dessas misturas de cores.
Temos sempre um banco de dados que nos serve de ponto de partida, e essa base são as cores primárias, aquelas que não podem ser obtidas mediante mistura de nenhuma outra cor.
É por meio da mistura dessas três cores base que nós obtemos todas as outras. Por exemplo, a mistura de tinta amarela com tinta vermelha gera a cor laranja. Já todos misturámos cores e sabemos que é assim.
Quando essas cores são misturadas em quantidades e intensidades diferentes, conseguimos alcançar uma enorme paleta de tonalidades, milhares e milhares delas. Mas como já vimos, tudo parte de uma base.
Em fotografia, esse sistema é conhecido como CMYK, que corresponde às cores cian (ciano), magenta (rosa), yellow (amarelo) e black (preto).
A união das cores base que conhecemos resulta numa luz de cor branca. Parece estranho mas é assim.


A visibilidade das águas influencia bastante a percepção das nossas linhas por parte dos peixes. Em águas muito azuis, limpas de sedimentos, os resultados podem ser surpreendentes.


Passemos então para a interessantíssima questão da visão dos peixes, os quais utilizam processamentos um pouco diferentes.
Com base nas evidências atuais, daquilo que até hoje nos é dado saber, o peixe não parece ter visão a cores tal como nós temos. O que deita por terra todas as nossas possibilidades de os induzirmos a seguir os nossos conceitos.
Eles têm os deles, mas felizmente não de todo incompatíveis, será apenas uma questão de gradientes de cor, de escalas de “mais claro, mais escuro, etc”. Acredita-se que eles veem por uma escala de cores, em que as mais próximas do branco são todas claras, e as mais próximas do preto, todas escuras. A partir daqui, existem escalas de tonalidades que se aproximam das suas presas habituais, e quando “encaixam”, isso irá despoletar o ataque.
Estamos ainda a evoluir neste tipo de conhecimento.
Há pigmentos de cor que funcionam bem para determinados tipos de peixes, porque fazem parte da sua genética e aprendizagem, mas outros nem tanto.
Os pigmentos vermelho e verde por si só são muito bem detectados pelos os olhos de um peixe de água doce, mas este é insensível a cores próximas do azul. Porque não tem essa cor base, ou sequer uma nuance próxima, no seu dia a dia.
Fixem isto: se em rio, o peixe vê razoavelmente bem na faixa dos vermelhos e verdes, e ainda melhor na faixa do laranja amarelado a verde amarelado, já na faixa verde-azul, a visão a cores cai repentinamente. Talvez o roxo lhes pareça preto ou um tipo de cinza escuro.
No rio, nada é azul. Por oposição, quando mudamos de local e chegamos ao mar, o azul é uma das cores mais comuns e por isso faz sempre parte do “léxico” de possibilidades. E os peixes de mar conhecem muito bem essa cor base, e reagem a ela.
Então já temos aqui uma diferença: pescamos peixe de rio ou de mar?
Se a resposta é mar, os princípios não são os mesmos, porque a adaptação da visão dos peixes é necessariamente diferente. O meio é diferente, a cor base da água outra, a densidade da água é outra, a luz reflectida nos olhos do peixe é outra.
Isso lança-nos desafios na escolha das nossas linhas. Sem querer complicar, por exemplo quando estamos em locais híbridos, com mistura de águas, rias, lagoas com contacto com mar, estuários, aí forçosamente teremos sempre de fazer uma escolha.
Sai fora do âmbito deste trabalho analisar tais situações limite, mas acreditem que há mesmo muitos detalhes a observar nesta questão das cores...
Fiquemo-nos pela capacidade de sabermos escolher as cores das nossas linhas, e não é pouco. Amanhã vamos então avançar um pouco mais...


A profundidade a que consideramos a visibilidade das nossas linhas pode ser de menos de um metro a muitas centenas de metros. Não é igual….a côr não é percepcionada da mesma forma estando à superfície ou a dezenas de metros abaixo da linha de superfície. 



Vítor Ganchinho



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