ELES GOSTAM DO QUÊ?

Os peixes predadores da nossa costa são essencialmente carnívoros, logo capturam e alimentam-se de outros animais. Vivos ou mortos.
Não está em causa se esses outros seres são peixes, caranguejos, lulas, bivalves, o que seja. São proteína, aminoácidos, gorduras, aportam energia para quem os consome, e mantêm vivo aquele que os ingeriu.
São seres vivos capturados por uma qualquer espécie com condições para atacar e neutralizar as defesas dessas vitimas.
Por definição, o predador, de alguma forma, terá sempre um detalhe de superação, alguma vantagem, e por isso a capacidade de se superiorizar à sua presa.
Será sempre assim? Bom, talvez não….há um momento da sua vida em que o seu verde “estatuto” de predador não lhe confere capacidades por aí além.
Estarão muito mais próximos de serem comidos do que representarem uma ameaça real para a maior parte dos seres vivos que os rodeiam, e é pois natural que passem mais tempo a esconder-se que a procurar atacar algo.
A taxa de sobrevivência juvenil é bastante reduzida, algumas espécies não terão mais de 1% dos óvulos a chegar à fase adulta. Matar ou morrer, eis a questão.
É uma lástima que tantos peixes se percam nesta fase, mas na natureza a clemência pela fragilidade dos mais novos é um termo abstrato, não existe. Morrem a tentar crescer.
Haverá um necessário período de aprendizagem de vida, quantas vezes fatal para milhões de potenciais nobres predadores.
Quando muito jovens, inspiram em nós muito mais cuidados de carinho e protecção à sua sobrevivência que propriamente quaisquer instintos de pesca.
Nesta fase, queremos apenas ajudá-los a crescer, a tornarem-se fortes e agressivos. Um dia virá em que os vamos desafiar com as nossas linhas e amostras, e vamos procurar ganhar a luta.


O autor a dar luta a um peixe que arriscou morder um jig.


Por vezes esquecemo-nos que os nossos grandes predadores não nascem grandes, pelo contrário, no início são apenas um insignificante ponto transparente perdido na imensidão do mar.
Muitos meses depois ainda são apenas alevins minúsculos, peixes pequeninos, juvenis, que se alimentam apenas de algumas microalgas e sobretudo de zooplâncton, uma massa animal microscópica que engloba uma grande biodiversidade de espécies de seres vivos.
Nesta fase, é muito importante para o crescimento do peixe que os óvulos dos seus progenitores tenham ido parar a uma zona rica em nutrientes.
O local de postura e as correntes influenciam decisivamente o futuro de cada uma das “promessas” de peixe adulto.
Tentem visualizar um robalo com….2 cm de comprimento. Que longe está de ser o predador eficaz que um dia chegará a ser!
Os estuários, pela sua riqueza de oportunidades alimentares e protecção, são um terreno fértil para estas pequenas “sementes de peixes”, desempenhando um papel muito importante nesta fase de crescimento.
À medida que crescem, a sua dieta sofre cambiantes muito significativos. Maior tamanho e peso permitem outros cometimentos, e paulatinamente vão aumentando a sua agressividade. E também sobe o tamanho e resistência física das suas presas.
Comem peixes, crustáceos, cefalópodes, anelídeos, etc, e os estuários dos rios têm tudo isto.
No caso dos robalos, o crescimento gradual irá permitir-lhes uma especialização no tipo de presas procuradas, e passam a ter uma especial predileção por cavala, carapau, sardinha, biqueirão. Estão particularmente bem dotados para caçarem peixes.
Mas todavia sem deixarem de se interessar por chocos, lulas, polvos, caranguejos, etc . Ocasionalmente encontrarão estas outras espécies, que lhes servem como fontes secundárias de alimento.
Com efeito, um pequeno polvo, um minúsculo choco, um caranguejo, são algumas das inúmeras espécies que lhes encontramos no estômago.


Caranguejo retirado do estômago de um robalo.


A dado momento, o seu grau de crescimento já lhes permite outros voos, e avançam para um tipo de dieta bem mais consistente.
Quando adultos, conseguem surpreender-nos com capturas muito acima daquilo que seria expectável: um robalo de 8 kgs engole uma tainha de 1 kg com muita facilidade.
Isso não nos autoriza a pescar com uma isca viva de 1 kg, ou uma amostra de 40 cm de comprimento, por uma razão simples: estaríamos a afunilar as nossas possibilidades de sucesso a um ocasional peixe.
Quando pescamos queremos ter acção, queremos ser protagonistas de algo, e estar dias e dias a aguardar uma picada não é particularmente motivador. Por isso mesmo, e não propriamente por acaso, optamos por um artificial com um tamanho mais universal, mais pequeno, e por isso mesmo mais propenso a dar-nos acção de pesca regular.


A atender ao parque de canas que vejo passear por aí, tenho a certeza de que nunca pensaram nisto. Uma cana mais leve e elástica permite-nos uma rapidez de reflexos bem maior que outra dura e pesada.


Os nossos predadores são sempre, durante toda a sua vida, predadores oportunistas. Isso significa que mesmo quando já adultos e poderosos, não rejeitam a possibilidade de atacar outras possibilidades de alimento.
Por isso mesmo, nós podemos ter sucesso a pescar à linha um robalo, utilizando os mais diversos tipos de amostras. Já vi pescar robalos com “bugigangas” das cores mais diversas, formatos curtos e grossos, ou longos e estreitos.
Não importa com que tipo de amostra pescamos, as possibilidades de conseguirmos um ataque de robalo existe sempre. Se cabe na boca, pode ser mordido. Será isso sinónimo de que afinal não vale a pena preocuparmo-nos com aquilo que lhes lançamos? É indiferente?
Nem tanto. Na verdade, há mesmo modelos, tamanhos, silhuetas, cores, que funcionam bem melhor que outras. As excepções mais não são que tudo aquilo que faz parte dos tais poucos pontos percentuais de alimento que são a variação a uma base de alimentação fixa.
Ou seja, os ataques a “coisas estranhas” não passam de uma pequena porção da sua dieta total. E as amostras mais “bizarras” entram por aí, por essa estreita faixa de possíveis alimentos alternativos.
Mas há um padrão, há uma base de alimentação, e essa está bem documentada nas amostras de maior sucesso: os stickbaits/ jerkbaits/shadows de tamanho médio, digamos 12 cm, em cores a misturar azuis, verdes e prateados.
Exemplificando, digamos que, pese embora saibamos que os robalos comem caranguejo pilado, não nos sentimos tão confortáveis a pescar com uma amostra de borracha em forma de caranguejo, do que a utilizarmos uma imitação de peixinho pequeno. Essa tendência é algo que temos entranhada no nosso subconsciente, e tem razões de ser. O que fazemos é seguir um padrão, seguimos aquilo que sabemos poder resultar com algumas certezas. E fazemos bem em adoptar esse critério, pois ele corresponde a uma fatia importante no todo dos alimentos possíveis da espécie procurada.


Um vinil é uma arma mortífera em muitas situações. Um pouco de cola para unir o vinil ao cabeçote e está pronto para ferrar robalos de bom tamanho. Trabalha-se a dar toques de ponteira, alternando com movimentos mais rápidos e algumas paragens. Ficam loucos...


Aquilo que formata os nossos gostos pessoais por determinados modelos de amostras é a experiência, a sucessiva obtenção de êxitos. Sabemos onde costumam estar, sabemos quais os horários e marés em que os peixes forçosamente comem.
Não comer não é sequer uma opção, a rotina de alimentação é algo que acontece diariamente, e isso são boas noticias para nós, pescadores. Dá-nos mais possibilidades de sermos bem sucedidos, multiplica as nossas hipóteses por muitas oportunidades/dia.
Necessariamente, enquanto unidades autónomas, com vontade própria, terão os seus gostos pessoais, as suas preferências, e que até admito poderem variar ligeiramente de indivíduo para indivíduo.
O padrão é seguido pelo grosso da coluna de cada uma das espécies de predadores. Digamos que a maior parte deles gosta daquilo que a maior parte gosta. O que nos dá alguma vantagem na hora de escolhermos as amostras a utilizar, desde que saibamos qual é esse padrão. No meio de tanta possibilidade de escolha, haverá algo que lhes faz soar as campainhas, haverá algo que será a mais forte tendência.
Não gostaria que considerassem o assunto como algo garantido e definitivo, porque ao longo do ano as preferências mudam. Mais que isso, o comportamento de algumas espécies muda de um local para outro.
Poderia dar-vos alguns exemplos. Dizer-vos por exemplo que no Delta do Ebro, em Espanha, as douradas atacam amostras de superfície. É o único local onde o fazem, tanto quanto sei.
Pescam-se ali regularmente com passeantes, amostras que sulcam a linha de superfície e são atacadas a partir do fundo. E isso é tão estranho porquanto nós continuamos a olhar para as douradas como plácidos bichinhos mariscadores.
Eu pesco-as com jigs de baixo peso. Deixei há muito de o considerar estranho.
Os exemplos de hábitos alimentares “bizarros” são inúmeros, e estão aí à vista de todos. basta-nos abrir o estômago dos peixes para encontrarmos exemplos de verdadeiras impossibilidades.
Recordo-me “en passant” de um sargo que pesquei que tinha dentro de si um enorme tentáculo de estrela do mar. A consistência rugosa e extremamente dura deste tentáculo faria dele algo absolutamente improvável de encontrar dentro de um mariscador. E todavia...
Por isso vos digo que não devemos excluir qualquer tipo de amostra, por estranha que seja, ainda que sejam evidentes as vantagens de pescar com productos standard, com provas dadas, e que construíram um “curriculum” sustentado em factos, em capturas.
Convém reter que se pesca com tudo, porque há uma pequena percentagem de presas que saem fora do “corrente”, mas o grosso da coluna são presas muito bem definidas. Aquilo que existe disponível na zona onde pescamos será sempre a base de alimentação dos nossos peixes.
O resto são arribadas de algo que ocasionalmente surge e que nunca é desaproveitado. Mas que não constitui a regra.

Por isso, escolher amostras com provas dadas é sempre uma opção segura.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Como sempre muito bem explicado. Um abraço
    Luís Nascimento

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    Respostas
    1. Bom dia Luis

      Vão sair agora uma série de artigos dedicados à pesca que estamos a fazer, sobretudo o robalo, o safio, a abrótea.

      Abraço!
      Vitor

      Eliminar
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