Podemos descrever força muscular como a capacidade de conseguir contrair um músculo vencendo a resistência de uma determinada carga.
Resulta difícil para nós, europeus, entender quais são os limites humanos de desenvolvimento desta característica física, dado que vivemos num mundo onde a força é algo que há muito passou a ser feito por máquinas. Criámos tecnologia que nos substitui quando o trabalho a desempenhar implica esforço físico.
Já estamos na fase em que carregar em teclas num teclado de computador é entendido como uma tarefa desgastante. O vulgar “hoje estou arrasado…” pode advir de alguém que passou oito horas sentado frente a um ecrã.
E chamamos a isso progresso, desenvolvimento, encarando com alguma pena (e quando não um pouco de desdém) todos aqueles que não seguem as nossas pisadas. Aqueles que ainda fazem força.
Entendemo-los como alguém que ainda não chegou ao nível de poder receber dinheiro pela sua capacidade intelectual, ou seja, trabalhar sem fazer força.
No sector das pescas, a força bruta, aquela que arranca a braços o sustento do fundo do mar, tem vindo a menos, é algo longínquo, cada vez menos presente na nossa frota.
Sendo um sector onde o esforço físico estará sempre presente, ainda assim o trabalho árduo e penoso de lançar e recolher redes, por exemplo, tornou-se facilitado pela existência de meios mecânicos. Temos guindastes, guinchos, aladores, e utilizamo-los.
Mas nem todos os países estão no mesmo nível. Povos que não têm, (ainda), a nossa capacidade tecnológica, olham-nos como se estivéssemos num patamar acima.
Tivessem em consideração a quantidade de doenças graves que se registam a partir do sedentarismo, da inactividade física do dia a dia, e porventura pensariam de outra forma.
Uma sociedade cujos membros não exercitam os seus músculos tende a ser uma população preguiçosa, obesa, e… doente.
As condições de trabalho desta gente são mesmo muito duras... |
As privações de alimentos em quantidade e qualidade, de hidratação, juntas com um esforço físico continuado dão pessoas que, ou criam resistência específica e sobrevivem, ou terminam precocemente a sua “carreira” de pescadores.
Por vezes falo com eles (consigo comunicar por períodos curtos em wolof, um dialecto africano…) e tento perceber aquilo que os aflige, as suas preocupações.
Invariavelmente surge a questão de haver cada vez menos peixe, ser necessário trabalhar mais tempo, mais longe, mais duro. A utilização de redes de emalhar em nylon, de malha fina de poucos centímetros, trouxe um novo paradigma: a pesca a peixe de pequeno tamanho.
Se até há uma dezena de anos era sobretudo feita a anzol, a grandes exemplares ( têm pargos com 80 kgs!....), tais como os peixes-vela, os marlins, os atuns, as cobias, os dourados, etc, ou com redes grossas e pesadas, de malha de 20 cm de lado, que permitiam a captura destes mesmos peixes, isso é hoje uma coisa do passado, e cada vez mais o que surge nos mercados de peixe são exemplares miúdos, peixe sem valor comercial.
Podem não se dar conta do drama, mas explico-vos que num país com um grau de humidade relativa tão alto, e com temperaturas que convidam uma ida à praia, mas não a um dia de trabalho sob sol inclemente, o problema que se levanta tem a ver com a conservação do pescado. O peixe grosso tem uma massa crítica que lhe permite, bem ou mal, aguentar a exposição solar durante mais tempo. Por contra, o peixinho miúdo, desfaz-se rapidamente sob temperaturas mais altas.
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Estes pescadores podem passar três ou quatro dias no mar, sem vir a terra. Levam gelo em caixas e preservam como podem o resultado do seu trabalho. |
Num país em que a maioria dos seus cidadãos depende, de forma directa ou indirecta do mar, a escassez de peixe é um flagelo que levará à obrigatória imigração.
E as portas da Europa nunca estarão fechadas para esta gente, porque por mais barreiras que se coloquem, eles tentarão sempre ultrapassá-las. Tudo é melhor que morrer ali, pela fome.
A introdução das redes de malha fina, em nylon, (exportadas da Europa para o Senegal e muitos outros países da região), acabará por tornar-se um boomerang, e inevitavelmente voltará ao seu ponto de partida.
Matando o último peixe pequeno …o que lhes resta? Irão olhar para aquilo que está acima no mapa e tentar chegar à sonhada e rica Europa, custe o que custar.
Nem todos conseguem trabalho. Vejam as condições de trabalho desta pessoa, que se apresta para reforçar com algumas cavilhas o casco de uma piroga da pesca da sardinha:
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Tudo é esforço físico, tudo custa, e deveria fazer pensar todos aqueles que acham que dentro do seu escritório, com ar condicionado, com uma cadeira ergométrica, têm apenas um ecrâ à sua frente.
Fiz esta imagem num momento em que a concentração deles é máxima sobre os últimos metros de rede sardinheira... |
Tudo é incómodo e esforço. Nada deste trabalho é facilitado por qualquer meio mecânico. Aqui, os braços e costas sofrem as agruras de uma actividade dura, que mata pelo esforço, e pelas exíguas condições de trabalho, alimentação e descanso. Não há aqui lugar para fracos, este é um campo de batalha em que a palavra é dada a gente …com força.
Vejam as condições em que é feita a descarga do pescado, e entenderão o quanto se tem de necessitar de algumas moedas para que alguém se sujeite a isto:
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Outrora um ancoradouro para pirogas, foi finalmente vencido pela força do mar, e a falta de manutenção dos homens. |
Curiosa imagem das pirogas em terra. São retiradas da água quando se prevê a chegada de um forte temporal. |
Os ciclos de entrada do peixe são previsíveis e quando chegam, ou seja, quando as águas quentes vindas da Guiné Bissau sobem, todos estão a postos para cobrar a sua parte, para conseguirem algum peixe para vender. Os pargos, os xaréus, as barracudas, tudo sobe ao festim das sardinhas.
O meu amigo Mohamed tem 1,90 mts de altura. Por aí podem ter uma noção do tamanho desta barracuda. As maiores dão cerca de 45 kgs... |
Acreditem, isto é mesmo outro mundo…esta gente luta por uma migalha de comida, e aqueles que encontramos no mar, a puxar redes, são os que têm a sorte de ser contratados. Os outros, ou são auxiliares em terra, ou vivem da caridade daqueles que ainda assim podem repartir algo.
É muito duro viver por aqui.
Vítor Ganchinho
Olá Vitor, o que ainda acho mais impressionante é as pirogas em si. Na Europa qualquer barquinho de pesca desportiva tem mais de 2 m de largura e um motor de 70cv para cima. As pirogas são extremamente estreitas e usam motores de talvez uns 20 ou 30cv, e serve perfeitamente para ir pescar a várias dezenas de milhas da costa. Das duas uma: ou os Senegaleses andam a morrer afogados aos milhões, ou os Europes e Norte Americanos andam demasiado obcecados com segurança e conforto. Essas pirogas são certamente muito econômicas em consumo de combustível. Com o custo do litro de gasolina que temos em Portugal, um casco mais estreito e consequentemente um motor menos potente fariam uma diferença significativa no custo de uma saída de pesca. Já agora essas pirogas andam em velocidade de deslocamento ou planam mesmo?
ResponderEliminarCumprimentos, Pedro
Boa tarde Pedro
EliminarConheço estas pirogas muito bem!
Falamos de embarcações que têm menos estabilidade lateral que os nossos barcos, mas que permitem fazer pescas incríveis. Tente imaginar ferrar um marlin, à mão, e ter de o meter na piroga. Ou um atum de 200 kgs...
Pois eles fazem-no todos os dias.
A "Almadia" é uma embarcação fusiforme, que se desloca nas ondas com muita facilidade, não necessita de muita motorização, ( se lhe colocar 50 HP já voam fora de água!), e com elas os senegaleses vão tão longe quanto isto: da costa norte do Senegal para a Guiné Bissau, a sul.
Aquilo que consomem de gasolina é ridículo. Se nós aqui gastamos 200 euros, eles gastam 30 euros, para ir ao mesmo sitio. Cheguei a ter uma lá, com os nomes das minhas filhas e a bandeira de Portugal nas amuras...recordo-me disso.
Estes barquinhos voam na água e deixe-me dizer-lhe quanto a segurança que eu, para além de caça submarina e pesca à linha, também já fiz surf nas ondas com elas.
São mesmo espectaculares!
Abraço
Vitor