PEDIMOS DEMAIS AOS PEIXES...

Porque há gente que sai à pesca poucos dias por mês, por vezes um só dia, a ideia é sempre a mesma: assegurar que esse dia será especial, e que vai haver peixe a rodos.
Pode ser assim?
Pensem comigo: a pesca não pode ser algo garantido, nunca.
As variáveis que temos em equação são tão distintas quanto isto: um homem, uma cana e um peixe. Como pode isto ser fiável?
Como podemos garantir resultados na pesca, quando as variantes são tão aleatórias quanto estas?
Na verdade, quase tudo isto pode falhar a qualquer momento, e se algo é seguro no meio desta tríade, se algo pode funcionar sempre bem, é …a cana.
Se a escolhermos com critério, em função do tipo de pesca que pretendemos fazer, se a manusearmos correctamente, de acordo com aquilo que os fabricantes preconizam, se pescarmos com linhas adequadas, se em momento de carga a puxar peixe tivermos a capacidade de discernimento de a manter com a inclinação certa, sempre inferior a 45%, não pode correr muito mal. As canas são um dado seguro, não mudam.
Mas tudo o resto pode falhar por ser pouco estável: o homem e o peixe.
O homem tem dias….tem momentos em que as asneiras são sucessivas: tem nervos, tem descontrolo emocional, tem dores de cabeça, engana-se, faz frequentemente o que não deve.
Quanto mais interesse no peixe, maior a ansiedade que se apodera da pessoa, e maiores os disparates que acumula.
O peixe, por seu turno, debate-se com uma multitude de factores que podem influenciar negativamente a sua prestação. Luta contra tudo e contra todos, tentando preservar a sua vida. Faz aquilo que sempre fez e procura escapar de todas as armadilhas que lhe são estendidas a cada momento. E por isso, se há quem tenha alguma desculpa para não participar activamente numa pescaria, será sempre o peixe.
Queremos que eles mordam com convicção, queremo-los de boca aberta, desde que chegamos até que nos apetece ir embora.
Queremos que comam sempre, que vão ao anzol sucessivamente, até os conseguirmos ferrar. Pois sim, queremos que comam até rebentar!
É isso que esperamos deles. Mas podem os peixes corresponder aos nossos anseios? E caso sim, todos os dias, …sempre?...
Faz sentido apelarmos vezes sem conta ao bloqueio do seu instinto de sobrevivência atrevendo-se a aspirar um anzol revestido a …isca?!


Com tantas variáveis, como podemos exigir um padrão constante a estes heroicos e resistentes seres do azul? Teremos a noção das dificuldades que os peixes vencem todos os dias?...


E as pessoas?

As pessoas são todas iguais? Terão todas a mesma capacidade de execução técnica?
Se analisarem com alguma frieza o perfil dos pescadores que conhecem e saem à pesca convosco no mesmo barco, vão chegar à conclusão que algumas dessas pessoas do grupo são tão diferentes das outras que seria um absurdo pensar
que poderiam todas gostar de pescar da mesma forma, no mesmo local, no mesmo momento, ao mesmo peixe.
Podemos pensar que é possível, por mera sorte e acaso, conseguir que todos conjuguem as suas vontades no sentido de fazer a mesma pesca, ao mesmo tempo.
Na maior parte dos casos, algumas dessas pessoas apenas toleram a presença de outras, por haver um fim maior que as motiva: a pesca.
Ainda assim, não têm todos os mesmos equipamentos, e caso os tivessem, não os saberiam usar da mesma forma.
Os nossos colegas não são todos iguais, não têm as mesmas capacidades e conhecimentos de mar, e por isso não podem ter os mesmos desempenhos.
E há detalhes que podem não limitar apenas a pessoa que pesca fora do contexto de todos os outros. Querem um exemplo prático?
Nada garante que, num friso de vários pescadores que pescam vertical, na mesma linha de amura de um barco, a opção de todos seja feita pelo mesmo peso de chumbo.
Caso exista alguma corrente, e caso um desses elementos decida aplicar uma chumbada mais leve, teremos diversas linhas pendidas na vertical e uma outra que baloiça ao sabor da corrente.
Mais minuto menos minuto, essa pessoa irá inevitavelmente conseguir “enrolar” a sua linha em todas as outras que estejam a jusante da sua pesca.
Basta um elemento estar dissonante, fazer uma opção errada, e já tudo corre menos bem. Ou mesmo muito mal! Quanto maiores os grupos de pesca, maiores as possibilidades de haver problemas.
A uniformidade, quando tratamos de assuntos de pesca, não existe. Porque as pessoas são todas diferentes e têm níveis de experiência diferentes. E encaram a pesca de uma forma distinta.


Quanto mais entendemos do ciclo de vida de um peixe, mais próximos estamos de o conseguir pescar. 


E a concentração?

O chegarmos tarde à ferragem, ou reagirmos antecipadamente ao momento certo, tem muito a ver com o nível de concentração que dedicamos ao acto de pesca. Como habitualmente, há uns tecnicamente melhores que outros.
Se temos alguém que está completamente focado naquilo que está a fazer, alguém para quem o mundo se resume a si, a ponteira da sua cana e a um possível peixe no fundo do mar, alguém para quem tudo o resto não existe para além da sua linha pendida, seguramente ao lado irá aparecer alguém que está mais interessado em falar sobre futebol. E que assim procura protagonismo, perturbando a atenção dos outros. Nem sempre estas pessoas o conseguem, mas tentam, e serão sempre um foco de desestabilização.
São normalmente pessoas mais focadas na sua tarefa de enganar os peixes, colocando do seu lado todos os recursos técnicos de que dispõem.
A maior parte deles são de tal forma bons que poderão aplicar os mesmos princípios a qualquer técnica de pesca, com qualquer tipo de amostra ou isca e continuam a pescar bem.
São pessoas atentas a tudo aquilo que é o fenómeno da pesca, aos pequenos detalhes. Os colegas têm apenas o privilégio de os ver pescar. No fundo, façam o que fizerem, dificilmente serão capazes de os demover da sua concentração absoluta.
Quem está ao seu lado apenas assiste de perto a um acto de pesca, uma execução perfeita de gestos bem treinados. Chamemos-lhe algo como “uma demonstração clara de um desempenho de excepção”, que advém de conhecimento de mar e instinto nato. Conheço pessoas assim.




Pescar bem é um conceito demasiado abstrato para que possa ser resumido ao número de peixes capturados. Todavia, é um indicador de eficiência.
O grau de conhecimentos técnicos, e de mar, acumulados por alguém serve-lhe de instrumento de trabalho, de biblioteca, a que pode recorrer quando a situação assim o exige.
Quanto maior esse nível de aptidão, maior será a capacidade de resolução das inúmeras dificuldades que o mar nos apresenta todos os dias.
É importante saber entender aquilo que se passa debaixo dos nossos pés.
No fundo, saber …ver.



Vítor Ganchinho



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