A BASCULAÇÃO DA CANA NA PESCA VERTICAL

Nem todas as pessoas chamam mar calmo ao que nós chamamos de …mar calmo.
Nesse aspecto, penso que há que saber ler as previsões, saber entender o que são ondas, vagas, vento, e sobretudo PERÍODO DA ONDA.
Ondas de 3 metros podem ser boas e confortáveis para pescar, e ondas de 1,5 metros podem ser muito incómodas, dependendo do período da onda.
E porquê?




A períodos longos corresponde um mar suave, normalmente sem vento, que sobe formando aquilo a que estamos habituados a chamar de “ vaga morta”, ou “mar de enjoo”.
Quando temos tempestades no mar com vagas muito altas, acima dos 6 metros, pode acontecer que o período desta seja muito largo, mas aquilo que é corrente é que a um período longo corresponda uma onda alta, mas macia, sem demasiada turbulência.
É diferente daquilo que se designa na gíria por “mar de senhoras”, porque este é um mar plano, a dar ideia de ter óleo por cima. Acontece sobretudo no Inverno, em períodos de calmaria, sem vento nenhum, os quais se sucedem a alguns dias de vento leste forte.
É raro termos dias destes no Verão, curiosamente.
Se estivermos a pescar vertical, (aquilo que faz a maior parte das pessoas), ou seja ao fundo, com chumbada em baixo e dois anzóis em cima, isca orgânica, este tipo de agitação não é de todo impeditiva de conseguir bons resultados.
Pesca-se perfeitamente assim, porque este mar é muito progressivo, sobe e baixa muito lentamente.
A grande questão que se coloca prende-se normalmente com o posicionamento da cana. Para algumas pessoas isto é um pesadelo, não conseguem adaptar-se. Explico-vos o que acontece:
A dado momento, os iniciados neste tipo de pesca sentem que apenas têm duas possibilidades:

1- Deixam a cana muito alta, de forma a nunca ficar com a ponteira submersa, e aí estão demasiado longe da superfície para terem espaço vertical para ferrar. É um pesadelo. Ao sentirem o peixe não o conseguem ferrar porque já não há forma de elevar mais a cana.
Entretanto o barco baixa e ficam com a linha laça, solta. Esperam desesperadamente que o peixe ainda lá esteja no momento seguinte, quando a onda volta a subir o barco e voltam novamente a ter sensibilidade na linha.

2- Deixam a cana demasiado colada à água, com pouca linha visível, porque tomam como ponto de referência o mar no seu ponto mais baixo. Aplicam tensão à linha de acordo com esse valor de referência mais baixo.
Quando a onda alta chega, ficam com metade da cana dentro de água e não conseguem ver nada. Não sentem toques porque a ponteira está escondida.

Nenhum dos dois sistemas funciona bem!
Aquilo que temos a fazer para notar os toques do peixe é apenas bascular verticalmente a cana na mão, e no apoio do braço, para cima e para baixo, de forma a mantermos a mesma tensão na linha.
Dito assim parece mais difícil do que na realidade é. Faz-se instintivamente, após algum tempo de prática.
Vamos ver o que acontece, em detalhe: o barco recebe a onda, levanta em relação ao fundo, e isso altera-nos o equilíbrio inicial de tensão que tínhamos na linha. A linha “estica”.
Se mantivermos o braço rígido, aquilo que acontece, e dependendo da altura da onda, é que a nossa chumbada levanta do fundo.
Sabem o que isso quer dizer: estamos a avisar o peixe de que algo não está bem. Peixe miúdo não se importa, é juvenil, concentra as suas atenções na comida. Mas o peixe grande chegou a esse tamanho por ter passado com distinção a prova da desconfiança.
E por isso remete-se a cuidados acrescidos, e fecha a boca. Não come. Deixarmos a chumbada a bater insistentemente no fundo, ao ritmo das ondas, não nos traz nada de bom.
Assim sendo, vamos zelar para que a chumbada fique sempre assente no fundo, estável. Esse é o nosso objectivo, o ponto de partida.
Vamos ver o que se passa a seguir: quando a onda passa, o barco volta a baixar.
Necessitamos de compensar isso, e fazemo-lo levantando a ponteira. No fundo, tornando o sistema flexível. Não nos convém que a ponteira da cana esteja demasiado elevada, a posição de ferragem mais eficaz corresponde a uma cana baixa, a pouco mais de 30 cm relativamente à água, pois isso dá-nos espaço para ver a picada, e ao mesmo tempo para reagirmos bruscamente, levantando subitamente a cana, de esticão. Uma ferragem eficaz não é um levantamento lento de cana. Não esquecer que a nossa intenção é pescar o peixe, não apenas retirar-lhe a comida da boca.
Para isso, temos de ser capazes de lhe espetar o anzol profundamente na carne ou no osso. Não há forma de ser complacente quando o objectivo é ter o peixe na nossa mão!
Aquilo que vejo frequentemente fazer é que as pessoas esquecem que para além da dureza da boca dos peixes, (e as douradas e pargos são o expoente máximo disso…), estamos a lutar contra algo que se passa em diferido, a uma distância significativa, são muitos metros de profundidade, de resistência de linha, de resistência vertical de uma outra eventual isca, quendo pescamos com dois anzóis, e não só: ainda temos a acrescentar o peso da chumbada. É muita coisa contra nós!




Este parece-me ser um ponto muito importante: a questão da escolha da chumbada.
Devemos pois pescar o mais ligeiro possível, dentro do limite mínimo que nos garanta eficácia. Devemos também ter em consideração se estamos a montante ou a jusante da corrente, relativamente ao eixo do barco.
Explico porquê: considerando uma embarcação que recebe a corrente por estibordo, lado direito do barco, todos os pescadores que estão a pescar nesse bordo, terão as suas linhas a correr para bombordo, ou seja, lado esquerdo do barco.
Assim sendo, é importante que todos estejam devidamente cientes das suas responsabilidades relativamente à utilização de chumbadas. Quem pesca a estibordo aplica chumbadas mais pesadas, mais rápidas a descer, mais precisas na sua queda vertical, mas que inevitavelmente o irão limitar em termos de capacidade de ferragem. Quanto mais peso na chumbada maior o tempo necessário para reagir, maior o esforço para a levantar. São leis da física! Mesmo para alguém com suficiente força de braços, levantar um peso de 180 gramas é mais difícil que levantar um outro de 90 gramas.
Todos os pescadores de bombordo podem e devem utilizar chumbadas mais ligeiras. Isso irá fazer com que as suas pescas se afastem alguns metros a bombordo da embarcação, safando-as de enleios com as linhas dos elementos que pescam a estibordo.
Se isto não for feito, vamos ver gente a reclamar, a gritar com os outros, a praguejar alto e a bom som, quando na realidade esses enleios são apenas resultado de mau planeamento de todos eles.




Quando a maré muda, e as premissas se invertem, devem os pescadores mudar as suas chumbadas também. Isso garante que não haverá perdas de tempo inúteis, nem discussões estéreis.
Cabe ao organizador da saída de pesca ser capaz de entender qual o momento certo para dar voz de mudança.
Normalmente aquilo que acontece é que as pessoas descuidam este factor, e tentam compensar a corrente lateral, lançando para longe, mas isso, quando a pesca é feita a profundidades próximas dos 100 metros, resulta em nada.
Inevitavelmente, teremos as linhas na vertical, separadas por um ou dois metros, e essa distância, quando se trata de um peixe que corre, não necessariamente grande, por exemplo uma sarda de 1 kg, é o suficiente para enrolar duas ou mais pescas, e fazer com que uma manhã que podia ser agradável passe a ser um suplício. É tudo uma questão de método, de organização e …saber fazer.




Resolver enleios pode ser um pesadelo, sobretudo se o mar estiver alterado. Tudo leva mais tempo, tudo é mais difícil. E todavia esses costumam ser os melhores dias de pesca!
Se perdemos algo em termos de sensibilidade e momento de ferragem, ganhamos em movimentação do peixe.
Quando o mar mexe, desenterra comida e isso é um sinal para todos de que devem aproveitar o momento para comer.
Por outro lado, se o período da onda for curto podemos esperar ser chocalhados em todas as direcções, sendo particularmente incómodo se a vaga estiver desencontrada da onda.
Nestes dias, com vento, com vagas a correr em direcção contrária às ondas, pensamos muitas vezes que era preferível termos ficado em casa. Uma mão na cana, outra num qualquer apoio do barco.
Evitar enrolamentos de linhas é dever de cada um dos participantes, a bem do grupo. Num barco, o colectivo prevalece sempre sobre o interesse individual.

Espero que estas considerações possam ser úteis para chamar a atenção de que há coisas que estão na nossa mão, porque têm muito pouco a ver com o destino, a má sorte, etc...



Vítor Ganchinho



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