A EVOLUÇÃO DOS EQUIPAMENTOS DE PESCA

Se há quem tenha inventado a roda, e ao que parece com relativo sucesso, pois aquilo que eu vou fazer hoje é algo de absolutamente novo: vou inventar o cubo em formato de roda!
Vou voltar a um tempo em que para mim era perfeitamente aceitável rolar um cubo e chamar-lhe roda. 
Por outras palavras, pegar numa horrível cana de pesca de canavial, cortada à faca, atar um linha de nylon e achar estava super bem equipado. Que uma torta, tosca e desajeitada cana verde era mesmo uma cana de pesca. 
E que assim sendo, estava verdadeiramente a pescar!
Vasculhando bem nas memórias de criança traquina que sempre fui, encontro memórias de incríveis momentos. A pesca na sua pureza máxima só pode ser algo parecido com aquilo. 
Recordo-me de estar à beira do rio, em águas quase paradas, e quase não me atrever a respirar, petrificado, imóvel. O motivo era o de sempre: aguardava numa pilha de nervos a decisão de um peixe que lentamente se aproximava da minhoca. 
Se acontecia, se finalmente ele mordia a isca, era o delírio!
Lembro-me bem dos arrepios frios que sentia na coluna quando o via já na margem, aos saltos, a poucos metros de mim. Da excitação e alvoroço de o ver pendurado do anzol. 
De casa, a pé, saía um miúdo de seis anos, de chapéu na cabeça a tapar o sol inclemente do Alentejo, com um bem precioso no bolso: uma rolha de cortiça, um rolo de fio de nylon com 3 metros enrolado, e um anzol. 
E era tudo. O equipamento era aquilo. A cana de canavial era cortada e preparada no local, as minhocas frescas cavadas com um pedaço de pau, na margem húmida do rio. 

Esta variedade de cana, extremamente vulgar hoje nos nossos ribeiros, chama-se Arundo donax, e é uma praga. Veio da Ásia na altura dos Descobrimentos século XV /XVI através das nossas rotas marítimas. Os nossos antepassados pensaram que seria um benefício para a divisão dos seus terrenos agrícolas, …
 

Quando trago o meu passado longínquo às luzes dos dias de hoje, constato que a pesca, à época, e pese ser feita com equipamentos perfeitamente rudimentares, toscos, era todavia bem mais excitante e divertida.
O que eu me divertia a pescar os pequenos peixes do rio! Se passados 53 anos ainda me lembro de alguns lances, isso só pode significar que foram mesmo marcantes para mim. 
A quantidade de peixe capturado sempre foi para mim apenas um detalhe, pouco importante dado nunca ter sentido a necessidade de apresentar peixe em casa. Já nessa altura eu libertava os exemplares mais bonitos, e oferecia os maiores aos vizinhos. 
Sempre pesquei pelo prazer de medir forças com as manhas dos peixes. 
Nos dias de hoje, a figura da pesca recreativa mudou substancialmente. Há poucos anos, eu era um dos raros pescadores do país a fazer Light Rock Fishing. Hoje há muita gente a fazê-lo.
A descoberta do prazer de pescar fino e muito ligeiro aconteceu. As pessoas já entenderam o enorme potencial que tem este estilo de pesca, e aderem de coração aberto, com vontade de aprender mais e mais. 
De alguma forma, isso está ligado a um outro tema: o da libertação de peixe após captura. Não é forçoso que assim tenha de ser, (nada de fundamentalismos, eu guardo alguns dos peixes para consumo em casa), mas verifico que acontece cada vez mais frequentemente. 
Levo muitas pessoas a pescar que libertam apenas o peixe que não lhes interessa. Outras libertam todos sem excepção, sendo esses, na sua quase esmagadora maioria, estrangeiros de visita ao nosso país. 
Que cada um encontre a figura que mais se adapta a si próprio. O resultado final da decisão não me incomoda de todo, cada um é livre de reter ou libertar, de acordo com as suas preferências. 
Está na mão de quem contrata um guia de pesca decidir o que fazer com o resultado do seu esforço. Trazer peixe para casa é uma opção tão válida quanto o oposto. 
Levo pessoas ao mar que concentram as suas atenções na captura de peixe, outras preferem ficar a saber mais sobre as técnicas de pesca, ou sobre a harmonização dos equipamentos. 
Acontece alguém querer saber das razões da permanência dos peixes numa determinada zona. Há sempre razões objectivas para isso, e podem ser explicadas. 

Os equipamentos actuais são de tal forma bons que permitem, com pesos ultra-light, capturar peixes que há uns anos seriam impossíveis. 

 
Recordo-me do ar de espanto ao mostrar o meu primeiro carreto a pessoas da aldeia de Pedrógão. Que não, que aquilo daquela “ maquineta” de enrolar linha só servia para atrapalhar. Que falta fazia um carreto, se bastava uma linha, um chumbo e um anzol, para pescar um peixe para o almoço? Na altura, lançava-se à mão, e isso bastava. 
Em locais muito remotos, ainda hoje é difícil encontrar algo diferente de uma rede de tresmalho, um sistema de pesca de espera, que é levantado ao fim de algumas horas. 
Os lagostins atacam os peixes emalhados, pelo que não vale a pena esperar demasiado tempo. 
Outra arte muito comum é a tarrafa, uma rede circular de lançamento, com a qual se pescam as correntes dos rios. 
O quanto estamos longe, com os nossos conjuntos de cana e carreto, com linhas multifilamento, e amostras ultra testadas, de tudo isto. 
De alguma forma, em zonas interiores, estes meios arcaicos são ainda hoje utilizados para garantir a captura de peixes. A obtenção de proteína é obrigatória, e nem toda a gente tem um supermercado ao virar da esquina. 


 
Quando hoje adquirimos uma cana em carbono, estamos a usufruir de um privilégio do qual não nos damos conta. Canas ligeiras mas resistentes são algo que não tem tantos anos assim, e vieram indubitavelmente dar-nos mais possibilidades de pesca. 
Por preços insuspeitos há meia dúzia de anos, qualquer pessoa pode hoje comprar uma cana construída para um fim específico. As variantes são muitas, as técnicas importadas são inúmeras, e pode parecer àqueles mais distraídos que sempre assim foi. Mas não! 
O jigging, o spinning, por exemplo, são formas de pesca que apenas aparecem, no formato que hoje conhecemos, com a massificação da venda de materiais vindos do Oriente. 
Já se fazia pesca ao bacalhau com jigs, há 100 anos, mas só o conceito de pesca era idêntico, tudo o resto mudou imenso. Dos tempos de uma linha de mão e um chumbo pendurado para os dias de hoje, 
aconteceu uma evolução tremenda. A capacidade actual de produzir tecnologia em materiais de pesca remete-nos para um tempo que nada tem a ver com aquilo que existia. 
É quase uma passagem do telefone de fios para o telemóvel portátil. As semelhanças entre uma cana da Índia e uma cana de carbono são poucas, e apenas se cruzam na possibilidade de ambas permitirem pescar. 


 
Que não se tenham dúvidas que se pescava, e bem, com uma cana de canavial! Em correntes baixas, uma cana de 3 metros munida de uma linha de nylon, uma boia de cortiça e um anzol, lastrada a chumbos perdigão, de caça, é um meio muito eficaz de pesca, e custa cêntimos. 
Não é por isso que peixes como os barbos, os bordalos, pimpões, etc, deixam de ser pescados. 

O jig na circunstância foi uma peça de 30 gr, da marca Zeake. 


Para a juventude de hoje, pode parecer estranho que alguém tenha pescado com materiais tão rudimentares, mas há que lembrar que nem todas as pescas necessitam de lançamentos, como o spinning, ou que deixemos baixar uma amostra em chumbo algumas dezenas de metros para a animar e recolher em seguida. Há pescas que são feitas a pé firme, nas correntes ou águas paradas, e que mais não necessitam de 3 a 4 metros de linha fixa. 
Da mesma forma que em tempos idos, pescar achigãs não requeria montagens Texas, vinis, anzóis especiais ou algo de muito complexo: uma cana de canavial, uma linha, uma fateixa tripla ou anzol simples, e …pasmem-se com isto, uma flor de malmequer, ou um troço de prata de maço de tabaco. E era tudo. Com peixes nunca antes pescados, os meios mais rudimentares enchiam cestos de vime até deitar por fora.  

O autor com um bonito pargo capatão de 11kgs. 

 
O futuro da pesca é aquele que quisermos. É também, em termos de diversão, aquele que a nossa imaginação conseguir alcançar.
Nunca estivemos tão bem equipados para pescar peixes, é um facto, mas não convém esquecer que o equipamento não é tudo. Fica sempre a faltar o toque humano, a capacidade de transformar o quase nada em quase tudo. 


Vitor Ganchinho

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