TIRAR CARTA DE PESCADOR - 1

Grande parte das pessoas foca a sua atenção em conseguir receber/ copiar de alguém uma posição de GPS, (ou mesmo roubada à socapa), também a informação da melhor hora de pesca e já agora, e porque não, qual a amostra que garante pesca infalível.
No fundo, quer o trabalho feito por outros, porque apenas lhe interessa olhar o peixe dentro da geleira.
Isso faz-me recordar um sheik àrabe que mergulhava em Abu Dahbi e dizia que era caçador submarino.
Seria, não fora o facto de caçar com garrafas de oxigénio às costas, e levar consigo dois outros mergulhadores, um para lhe carregar a arma de elásticos, outro para lhe carregar os peixes.
Ele apenas disparava, passando de seguida a arma a um dos ajudantes, o qual, diligentemente, retirava o peixe do arpão.
Quem presenciou isto foi o meu amigo André Comte, de Bordéus, que me contava o episódio com o desalento de ter visto alguém que efectivamente tinha muito dinheiro, podia fazer-se transportar numa embarcação ultra-rápida, 3x 600 HP, e no fim tirava fotos com os pobres peixes flechados.
Presumo que incensado pelos ajudantes, que receberiam uma gorjeta maior ou menor consoante vénia mais ou menos pronunciada às suas “incríveis” capacidades.
Isto é uma lástima! Isto é tão penoso que me deixa revoltado. Quem me conhece sabe que durante algumas dezenas de anos andei debaixo de água a ver peixe, mas em apneia, com o fôlego que Deus me deu, e a sentir as limitações de não poder ser melhor.
Porque quando se trata de mergulhar em apneia, os limites surgem sempre, mais segundo menos segundo, e há que retornar à superfície e respirar de novo. Mas é a forma justa de fazer as coisas.
O sheik àrabe pode achar-se um herói mas na minha modesta visão será apenas um parvo, um “artolas”. Imagino que também pesque à linha dentro de um tanque de aquacultura ou de um aquário.
Pescar não pode ser apenas isto. Fica a faltar tudo o resto, todo o trabalho de procura de locais, de horas mais favoráveis, de experimentação, quantas vezes infrutífera, de ensaio de materiais, iscos, em suma, de conhecimento do meio.
Pescar é tudo aquilo que não pode ser dado por um amigo. Se não pedimos a ninguém que vá tirar carta de automóvel por nós... como podemos aceitar que alguém faça por nós o trabalho de descobrir... peixe?




Há princípios básicos e podemos elencar aqui apenas alguns. Vamos fazê-lo nos próximos dias, sendo que em cada dia falaremos sobre uma técnica em particular.
No fim desta lista, irá sempre continuar a faltar algo mais, mas isso decorre da imensidão de aspectos que devem ser considerados quando queremos autoproclamarmo-nos pescadores de pleno direito. Vejamos como podemos começar, para tirarmos a nossa “carta de pescador”.
Saímos de casa, apontamos em direcção ao mar mas não temos ideia para onde ir. O mar parece todo igual, a costa é pedra e água, sentimo-nos perdidos, desorientados. Vamos descobrir pesqueiros, …mas até onde?
Pergunta prévia: que tipo de equipamento de pesca temos? Que estilo de pesca podemos fazer? Se estamos apeados, é esquecer o jigging, as nossas zonas para fazer jig casting a partir de terra existem, mas para um iniciado é mais difícil entender o sistema. Já de barco, o jigging é algo de muito intuitivo, ao fim de 30 minutos eu consigo pôr pessoas a fazer peixes de bom tamanho. Mas hoje não vamos contar com facilidades, vamos dificultar tudo um pouco mais.
Estamos a pescar apeados! Não é o mais fácil, já estamos a dizer que a chegada aos bons pesqueiros é mais difícil, os recantos não pescados não abundam, e sobretudo, o peixe encostado está muito mais massacrado pelos pescadores.
É duro pescar assim, mas não é impossível. Os resultados serão mais modestos, sim, sem dúvida. Em qualquer caso, há sempre uma solução.
Se aquilo que existe é material de spinning, o mais acessível e comum, vale a pena visitar pesqueiros junto à costa onde possam passar alguns robalos. É isso que vamos fazer, na esperança de conseguir convencer uns quantos.
Vamos pois explorar recantos onde possa andar um robalo. Não necessitam de muita água, apenas da indispensável para poder nadar estabilizados. Um robalo pode morder em 30 ou 40 cm de água.
Assim sendo, vamos tentar encontrar peixes a caçar, em canais de pedra junto à costa, se possível em zonas a três a cinco metros de fundo. Não precisamos de mais, e até pode ser menos. Haver pedra ajuda, pois normalmente aí concentra-se mais vida que em zonas abertas de areia.
Melhor se houver peões onde bata alguma água, com a respectiva ressaca de espuma. Aí, onde o mar provoca alguma turbulência, poderá estar um robalo bonito para levar para casa.





Não temos de ir muito longe. Dentro dos portos há robalos, perto da cidades há robalos, e não necessariamente em sítios “paradisíacos”.
A qualidade da água nem é um tópico a que liguem muito, podemos pefeitamente pescar robalos em zonas portuárias, de cargas e descargas de mercadorias, saídas de fábricas, estaleiros navais, etc.
Mas se quisermos ser o mais assertivos possível, então vamos escolher os melhores sítios possíveis: as saídas de água doce.
Não são sensíveis a factores de baixa salinidade, de todo, são peixes eurialinos, e ao estarem presentes nas desembucaduras de rios ou afluentes, conseguem ter o seu “dois em um”: caçam peixes atraídos pelas descargas que chegam desses curos de água doce, e ao mesmo tempo libertam-se de parasitas, pulgas, etc, que os incomodam. Estes parasitas sim, são sensíveis a águas com menor salinidade, e largam o seu hospedeiro quando sentem dificuldades. Encontrarão outro…
Assim, pescar as saídas de água doce é comprar um bilhete de lotaria que se sabe de antemão estar premiado.


Aqui é conveniente lançar longe. O peixe estará entre ondas, não muito fundo, mas a amostra deverá cair por detrás da rebentação e vir passando por cima da espuma.


Porque pescamos em fundos de areia ou pedra baixa, e isso acontece muito a quem pesca de terra, apeado, preferencialmente devemos utilizar amostras pequenas, diria até aos 10 cm, com pesos na ordem dos 8 a 15 gramas, e linhas PE 1,5, como máximo. Isso já nos permite lançar bastante longe, uma das maiores limitações de quem se inicia. No caso de termos vento frontal, aí sim, a opção deverá recair em amostras mais pesadas, até aos 35 gr, ou até mesmo em jigs de 15 a 20 gramas, caso os saibamos utilizar. Estes jigs ligeiros voam muito melhor, são mais aerodinâmicos, mais compactos, e por isso conseguimos colocá-los bem mais longe.
Mas o seu manuseamento implica um nível de conhecimento técnico que não estará disponível a um iniciado, pelo que de momento vamos esquecê-los.
Fiquemo-nos pelas amostras, os stickbaits, com ou sem pala frontal. Podem ver em store.gofishing.pt uma enorme variedade de amostras para robalos.
E como vamos lançá-las?




É importante lançar a grandes distâncias, mas não em termos de afastamento da costa, na sua perpendicular.
Podemos fazê-lo em situações limite, por exemplo no fim da maré vazante, quando o peixe se afasta do recorte da costa, mas se estamos com uma enchente já de algumas horas, não precisamos, nem podemos, ir demasiado longe. O peixe estará a comer aos nossos pés, seguindo o avanço das águas, procurando encontrar aqueles pequenos seres que morreram ou ficaram fragilizados, ou descobertos, durante o período de vazante, todas aquelas horas em que estiveram sem água em cima.
A questão não se coloca pois em relação à distância máxima para o largo, porque maioritariamente os peixes estarão na linha de costa, mas sim em termos de distância paralela à costa.
E porque carga de água teremos vantagens em lançar longe, se os peixes estão perto?! Porque este artigo é escrito para iniciados, e por isso mesmo há que contar com a quantidade de asneiras que irão fazer.
A maior delas é a deslocação descuidada, ruidosa, que vai fechar a boca aos peixes que estão emboscados, e atentos ao que os rodeia. Eles estarão mesmo encostados a terra, e suficientemente concentrados em cada detalhe.
Se sentem a presença humana, qualquer ruído não natural... ficam quietos, ou afastam-se. Comer é a sua última opção.
E vai daí, porque não terá um único toque, o pescador novato, que estará a pisar pedras soltas, a dar pontapés no cascalho e a fazer barulho, a espezinhar pedra e areia, dirá: “…um deserto! Aqui não há peixes!”...
Há, mas não para ele. Há mas apenas para quem sabe o que está a fazer.


Foto enviada pelo nosso colega Pedro Evangelista, pescador consagrado, do Algarve. Peixe restituído à água em boas condições de sobrevivência. 


Como sabem , é pressuposto que cada artigo possa ser lido em cinco minutos, vocês são gente séria que também tem de trabalhar.
Por isso ficamos hoje por aqui.

Amanhã continuamos a pescar de terra.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Continue ,gostei de ler

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    Respostas
    1. Bom dia

      Vai haver pelo menos 10 episódios do "tirar carta de pescador", ....vai poder ler mais.


      Vitor

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