Vamos hoje continuar a trabalhar de terra, a tentar vestir a pele de quem não sai de barco, mas ainda assim quer pescar alguns robalos.
Espiolhar detalhes que podem ser importantes na compreensão do fenómeno da vida dos nossos peixes, ajuda-nos a ser mais eficazes. Conhecê-los é poder pescar mais.
Procuramos por isso mesmo dar mais conhecimento e argumentos a quem se inicia nestas lides da pesca. Se soubermos como vivem, saberemos entendê-los e estaremos mais preparados e sempre mais próximos de os conseguir pescar.
Durante e após os grandes temporais de Outono e Inverno, os nossos robalos enchem-se de brios e desatam a comer. É uma reacção instintiva que nada tem de estranho, trata-se tão só de aproveitar a oportunidade que a movimentação das águas lhes proporciona. Pequenos vermes, caranguejos, camarões, bivalves, pulgas do mar, etc, ficam desenterrados e por isso mesmo expostos a quem tem olho de lince para encontrar comida. Porque afinal é isso que fazem desde que nascem, encontrar alimento.
Vocês não imaginam a quantidade de seres vivos que uma tempestade mostra a um predador tão bem equipado quanto um robalo. Eles são “profissionais” a encontrar alimento que, por este ou aquele motivo, ficou destapada, exposta, eventualmente debilitada, ou, melhor ainda, …“morta de fresco”.
As tempestades ajudam a criar instabilidade, e isso é de toda a conveniência para quem sabe aproveitar-se delas.
Também as marés o fazem, criam dificuldades cíclicas, e sobretudo as vazantes são momentos críticos para muitos animais minúsculos que dependem da presença de água para poderem fazer a sua vida, e não me refiro propriamente ao “respirar”.
A vida entre marés é algo de incrivelmente duro para quem se encontra nessa faixa de mar. Considerem por exemplo o aumento brusco de temperatura: estar fresco dentro de água e passar a estar exposto ao calor extremo do sol de Verão…por exemplo.
Muitos seres acabam por morrer nesta transição. Pese a sua natural adaptação, há sempre alguns mais fortes que outros. Mas não só: os seres vivos deslocam-se, e o bom caminho, à escala do seu tamanho diminuto, não é algo que seja sempre evidente.
Se a sua movimentação os leva a um lugar que a seguir vai ficar em seco, é natural que possam vir a perecer nessa vazante. E adivinhem quem irá estar por aí à procura quando as águas voltarem a subir?....
Pois, os nossos peixes mais costeiros, os robalos, os sargos, etc. Esses vivem das desgraças dos outros.
Os sectores de busca para os predadores, quer durante quer depois do verdadeiro pandemónio que é a passagem de uma superfície frontal agreste, são sobretudo os limites entre a areia e a rocha.
Os grandes blocos de pedras e calhau rolado que se movem durante o período de instabilidade matam ou diminuem fisicamente os pequenos seres de que se alimenta o nosso protagonista.
É aí que os robalos irão patrulhar na expectativa de serem bem sucedidos.
Lembrem-se disto: se há uma oportunidade, por ínfima que seja, de conseguir comida fácil o nosso robalo encontra-a! Se existe, ele está lá!
Sabemos que as ondas muito fortes fazem muitos estragos. Isso, na perspectiva dos robalos são sempre boas notícias. Eles nunca têm medo do mar, estão em casa.
Quando o mar levanta, quando fica bravo, coloca em movimento uma miríade de seres que tratam de tentar escapar à sua severidade.
E tal como nos funerais, se uns choram , outros surgem de imediato para lhes vender lenços para enxugarem as lágrimas.
Por outras palavras, para tirar partido da situação. Cada momento de mar provoca sempre duas reacções distintas: a morte de alguns e a sobrevivência de outros, à custa dos primeiros.
Se as algas partem, excelente! Isso quer dizer que debaixo delas, de enormes extensões de algas partidas, irão alojar-se inúmeros bichinhos que servirão de comida a todos os predadores, nomeadamente aos nossos robalos. Grandes e pequenos, todos aproveitam estes tapetes de algas. Só têm de ser achados e para isso o robalo está super bem equipado.
Não esqueçam que eles, para além de tudo, vêm equipados de série com um detector de comida integrado: a sua linha lateral. É aquele risco que vocês podem ver da cauda até à cabeça, de ambos os lados do peixe, e que mais não é do que uma fiada de escamas perfuradas, com sensores nervosos ligados directamente ao cérebro. AQUELA LINHA PERMITE-LHES SABOREAR SEM TOCAR…..
Eles conseguem perceber se uma presa se desloca, em que direcção, qual o seu volume, etc. Nós não temos nada disso, e por esse motivo custa-nos a entender a funcionalidade desse “armamento”.
Imaginem o quanto será prático dispor desses “binóculos de infravermelhos” num mar que por vezes tem visibilidade nula. Em determinados momentos, a visão é um sentido prescindível. De nada serve. Por isso os nossos peixes têm este sentido extra, o qual lhes dá a correcta percepção daquilo que os rodeia.
Naqueles dias de mar revolto, em que a água está carregada de sedimentos, com muita areia e algas em suspensão, imaginem o quanto isso será importante!
Tendemos a subestimar um peixe por ele ser só um peixe. A questão é que, no caso em apreço, aquele ser representa um animal com milhões de anos de evolução, e por isso mesmo, consegue fazer inúmeras coisas que a nós seriam impossíveis. No seu “ramo”, os robalos são infinitamente mais dotados que nós! O ser humano, que vem de série com um dedo polegar oponível aos outros dedos, e um cérebro enorme, incrivelmente potente, não é nada quando se trata de nadar na corrente, ou perseguir uma cavala fugidia.
Desvalorizamos, mas na verdade somos uma perfeita nulidade quando comparados. Quem vos diz isto nadou muitas centenas de horas ao lado de robalos e quantas vezes teve de meter a “viola no saco” por incapacidade de os seguir. Somos lentos, desajeitados, presos de movimentos, e absolutamente incapazes de competir com eles.
Mas o nosso cérebro pode ajudar-nos a superar todas as nossas humanas limitações, e é por aí que vamos. No fundo, não fazemos mais que optimizar os nossos recursos, recorrendo ao intelecto, exactamente aquilo que fazem os nossos robalos com as suas capacidades físicas.
Tem uma incrível importância a existência deste tipo de ambiente marinho. É aqui que se cria muita da comida que os nossos robalos juvenis irão comer nos seus primeiros tempo de vida. |
Nem todos os temporais são fortes, nem todos mexem drasticamente com os fundos. Mas basta haver um pouco de instabilidade e isso já ajuda.
Durante o processo de alteração das condições de mar, por pouco que seja, e quer com mar curto de altura, ou mesmo em mar um pouco mais forte, junto à costa irá sempre acontecer algo de importante.
Mesmo para exemplares que estejam ao largo, afastados da costa, haverá sempre uma tendência para se aproximarem da costa e virem espreitar alguma eventual oportunidade.
Podemos sempre esperar que ao fim de alguns dias de tormenta, os peixes sintam a necessidade de vir tentar a sua sorte junto à costa.
Juntar vários factores positivos ajuda-nos na nossa pesca. Poderíamos enumerar diversos, por exemplo a existência de mar levantado, raiar do dia ou pôr do sol, marés grandes, com grande coeficiente de diferença entre o ponto mais alto e mais baixo, logo com maior força de corrente, etc.
Há indiscutivelmente factores que nos ajudam a pescar mais, e se os conseguirmos colocar do nosso lado, estaremos mais perto de conseguir resultados.
Continuamos no próximo artigo.
Vítor Ganchinho
Excelente descrição
ResponderEliminarObrigado
O grupo que faz a blog só tem de lhe agradecer a si por nos dar o seu incentivo.
EliminarVamos continuar a escrever.
Abraço
Vitor
O que tenho aprendido com este blog....um bem haja para si! Abraço
ResponderEliminarBom dia.
EliminarObrigado pelas suas palavras de incentivo!
Uma publicação de textos sobre pesca, numa área tão restrita e específica quanto aquela que
trabalhamos, só faz sentido se tiver conteúdo, se for para além do óbvio, se conseguir ultrapassar a natural tendência de apresentação de baldes de peixes e uma frase.
É objectivo de toda a equipa que faz o blog chegar a quem nos lê com algo de novo todos os dias. E acredite que é tudo menos uma missão fácil.
Mas compensa. Vale a pena porque de quando em quando alguém nos diz que sim, que lê e aprende algo. E isso basta-nos.
Vamos fazer agora uma viagem pelo estranho mundo da vida do robalo, com uma série de textos que retratam aspectos muito pouco conhecidos, e que podem ter interesse para quem gosta de pescar este incrível peixe.
E a seguir haverá outros projectos, porque a pesca não tem nada de estático, de fixo, antes é algo de extremamente dinâmico, que nos motiva pela quantidade de conhecimento que exige.
Para o inicio de 2023 há ideias muito interessantes.
Continue a ler e vai ver que vai ficar surpreendido com algumas delas.
Mais uma vez obrigado pela sua participação.
Abraço
Vitor