À PESCA DE 180.000 GAMBUZINOS...

Diria que quando está mar para o Garrett Macnamara, não estará para mim.
Quando está mar muito alto, acima dos 3 metros, há que pensar duas vezes. Quase sempre isso significa ficar em casa, mas por vezes há algumas possibilidades, olhando à direcção dos ventos, à entrada das ondas, e ao grau de protecção que a costa nos pode dar. Não é uma situação de branco e preto, os cinzentos por vezes permitem navegar. Há a considerar o tipo de embarcação, a sua estabilidade, e a perícia e habituação da pessoa a ondulação menos confortável. Porque é de conforto que se fala quando a questão da segurança está salvaguardada.
Quando sinto que está ruim, prefiro ir sozinho. Mesmo sabendo que pouco mais irei fazer que rebolar nas ondas. São sempre dias de pesca mais difíceis: metade do tempo a pescar, a outra a tentar segurar-me aos apoios do barco.
O vento “garruaço” na entrada no estuário do Sado é traiçoeiro. Mais ainda quando na vazante soma aos salseiros formados nos baixios de areia. A entrada na barra nestas condições é sempre um momento de tensão.
Mas não podemos desaproveitar os dias e a razão é simples: vivemos, enquanto pescadores, muito menos de meia vida.
Se pescamos ao fim de semana apenas, os outros cinco dias da semana são algo que temos de suportar trabalhando no escritório, na fábrica, na oficina, e não contam. Esperamos sentados e o tempo não passa.
Aproveito os dias de não pesca para escrever.
É um tempo de reflexão, de introspecção, que me dá trabalho, que me massacra as pontas dos dedos.
Por outro lado, tem as suas compensações. Ajuda-me a organizar ideias, a arrumar nos sítios certos do pensamento aquilo que fiz no mar nos dias anteriores.
Escrever para mim tem esse efeito, o da “organização de ficheiros”. Aquilo que leem não é mais que aquilo que vejo nas minhas saídas de pesca. Eu não tenho um mar diferente do vosso, não invento mar.
Chegámos às 180.000 visualizações. Não vale a pena dizer que as 200.000 não serão impossíveis, e por isso vou esperar mais uns dias até parar um pouco, atingir essa meta, organizar ideias e partir daí para a escrita de um livro. É um sonho antigo, e vou concretizá-lo.
Hoje, Dia Nacional do Mar, dia em que chegamos às 180.000 visualizações, informo-vos que vou escrever um livro.
Escrever um livro sobre pesca não é difícil, se quisermos colocar lá meia dúzia de banalidades. É um pouco menos fácil se o intuito for fazer uma obra inspiradora, que motive alguém a tentar pescar, a sair ao mar.
Tenho essa pretensão. Um dia escreverei um livro que possa ser útil a alguém.
Hoje, na celebração das nossas 180.000 visualizações, quero ter a meu lado pessoas como o Carlos Campos, o Hugo Pimenta e o António Marques.
São eles, os meus companheiros de blog, que me empurram e motivam a escrever. São também eles que me obrigam a esmagar as pontas dos dedos contra as teclas, duras como rocha, quando a vontade é parar e descansar.




Não escrevo mais que o azul da água.
Escrevo o mar que me entra pelos olhos, pois é essa a minha realidade, a minha forma de ver.
Existe por acaso uma única realidade objectiva, a ser partilhada por todos aqueles que pescam? Pode isto acontecer?
Não creio. Porventura em cada um de nós, em cada pessoa que lança uma linha e anzol ao mar, reside uma verdade única, ainda que ela seja comum a uma grande maioria de pessoas. Mas sem dúvida a unanimidade de pensamento será sempre uma utopia que nem vale a pena procurar. E ainda bem! Porque não faz falta.
A pesca deve ser um mundo de oportunidades de experiências, de aplicação desenfreada de imaginação, de criatividade. E sempre vivida numa perspectiva individual. Somos nós e o mar!
Gostaria de pensar que cada um de nós vê e pensa a pesca de uma forma diferente. A sua forma. O seu conceito de pesca.




Mas não vive sem o oposto, sem o contraste.
Einstein mostrou-nos uma forma diferente de ver. E é tão importante e decisivo ver as coisas a partir de mais que uma perspectiva.
Ele mostrou-nos que a dimensão do espaço e a duração do tempo variam consoante quem observa. A pesca não é tudo isso?!! Duas pessoas num barco podem ver o mar de forma diferente, e estão lado a lado.
A velocidade da luz será algo como 299.792 km/ segundo. Não creio que alguém consiga reagir a essa velocidade perante um dado novo, uma brisa, uma mudança de corrente, um peixe que salta.
Precisamos de tempo para ver e aprender. Desde logo perceber que a pesca é um espaço em que o tempo nos permite tudo, até algo que nos é difícil em terra: ter tempo para não fazer nada.
Olhar para o mar e tentar entendê-lo pode ser melhor que pescar um peixe. Podemos consumir tempo a olhar a água, o vento, as ondas, sem pressas. Porque no mar a pressa não existe.
Executamos à medida do nosso tempo, porque não faz falta ser mais rápido. Por vezes os peixes ganham. E ficamos felizes por isso, por saber que vão continuar por lá.
Se a velocidade da luz é de 299.792 km/ segundo, creio ser impossível ferrar um sargo, porque eles são mais rápidos a roubar-nos a isca. E por isso eles vão continuar a escapar-nos. Que bom.
Tudo é relativo. Porventura nós humanos não seremos tão bons quanto pensamos, nem tão maus quanto parecemos.
Se querem saber a minha opinião sobre aquilo que é ser “bom pescador” então digo-vos o seguinte: quando pescamos ao lado de alguém mesmo muito bom, tendemos a olvidar as nossas próprias capacidades.
Ficamos petrificados quando pescamos ombro a ombro com um campeão, por valorizarmos demasiado aquilo que ele faz.
Se começamos mal, tudo parece ruir, a nossa confiança desce a pique até às profundezas do mar. De facto ficamos extasiados a ver alguém pescar bem. Tanto que nos anulamos a nós próprios.
Explico-vos o conceito: começamos por estar bem e achar que somos razoáveis. Grosso modo é como se fôssemos sozinhos na autoestrada, a sentirmo-nos rápidos.
E de repente, aparece um outro carro mais rápido, passa por nós desabrido e deixa-nos tolhidos de movimentos, e sobretudo de confiança.
Ficamos atónitos a observar as técnicas alheias, a quantidade de peixes que essa outra pessoa pesca, a sua caixa cheia de peixes, esquecendo aquilo que de bom somos capazes de fazer.
Não tem de ser assim. É dar-lhe com alma! Os outros todos são aquilo que são. Os nossos conhecimentos, aqueles que serviam até aí, são os mesmos e a nossa capacidade técnica tem de chegar-nos.




Que é isso de definir um bom pescador?
Chegamos lá pela quantidade de peixe que se pesca? Ou pela qualidade e tamanho do peixe? Porquê? Porque não valorizamos antes aquilo que nos divertimos?!
Nesta última apreciação, cabemos todos. Porque na verdade todos podemos almejar a ser os melhores do mundo em divertimento. Porque não? Quem pode medir a felicidade que sentimos quando conseguimos enganar um peixe, por pequeno que seja?
Por isso mesmo, em frente, sem hesitações, porque todos podemos disfrutar por igual de uma actividade tão interessante, ainda que os resultados visíveis não sejam os mesmos.
Um pescador está ao lado de outro. Ambos têm o mesmo equipamento e a mesma isca. Lançam ambos ao mesmo tempo, para o mesmo local. Querem pescar o mesmo peixe.
O factor de incerteza é alheio aos dois, é algo que não pertence a esta equação. É o peixe quem decide se tem ou não vontade de morder. É o peixe, ser de vontade própria, quem decide.
A água é o meio em que tudo se desenrola, e o peixe o ser que irá introduzir o elemento de incerteza.
Meus amigos, isto é física quântica... pura.




Enquanto as pessoas estiverem de costas voltadas, o que existe são duas realidades distintas.
Quando trocam conhecimentos, e a pesca é muito isso, diria que o é acima de tudo, passam a ter uma realidade comum. Eu escrevo para partilhar conhecimento, e espero que vos seja útil.
Este blog nunca será um expositor de baldes de peixe. Aqui encontram informação que vai muito além da mediocridade do sarguinho miúdo que encontrou a morte num anzol pequeno.
Procuro estimular a troca de ideias, mesmo sabendo que a maior parte das pessoas que lê este artigo não se irá sequer manifestar, não irá colocar um like no fundo da página. Dá trabalho. É mais fácil ignorar.
É também para esses que me ignoram que escrevo. Vou continuar a tentar convencê-los a partilhar as suas experiências.
Queria chegar a este ponto: quando pescamos sistematicamente sozinhos, as nossas possibilidades de evolução são quase nulas. Não temos contraditório, não temos a noção do nível a que estamos.
Escrevo-vos isto para que entendam que só percebemos os nossos progressos, no fundo se estamos a conduzir rápidos ou não, quando temos outro carro na mesma estrada, a viajar no mesmo sentido.
Alguém que pesca a nosso lado.



Vítor Ganchinho



5 Comentários

  1. Bruno Carvalho16 novembro, 2022

    Viva Vítor, aguardarei com expectativa esse livro, espelho de uma vida ligada ao mar, escrito da forma apaixonada que o caracteriza e com o devido rigor científico. Tenho a certeza que será inspirador...
    Eu ainda guardo, e releio com emoção os livros do prof. Luís Saldanha, Hans Hass e Bernard Gorsky, que alimentaram os meus sonhos de miúdo, e me inspiraram a correr meio mundo para caçar e pescar.
    Grande abraço

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    Respostas
    1. Bom dia Bruno Carvalho

      Estou a chegar aos 60 anos, altura ideal para colocar no papel aquilo que me vai na alma.
      O facto de escrever todos os dias aqui no blog retira-me tempo que poderia aproveitar para iniciar o meu livro. Mas não vou parar até chegar às 200.000 visualizações, uma meta bonita.
      A partir daí, vou abrandar o ritmo, vou começar a estruturar as ideias para escrever algo que possa ser um bom resumo daquilo que tenho andado a fazer estes anos todos, ( são 53 anos de pescador...) e ao mesmo tempo interessante para quem lê, para as pessoas que estão a começar a pescar poderem sair ao mar com um mínimo de condições de sucesso.

      Aquilo que mata é saber que por cada 500 pessoas que leem, há uma que comenta....ou que se dá ao trabalho de colocar um "like". Mesmo isso é trabalho a mais para essas pessoas.
      Porque a ideia que dá é que não vale a pena ir ao detalhe, que independentemente daquilo que se escreva, com mais ou menos qualidade, a indiferença está sempre presente.
      Num tempo em que a cultura do "uma foto, uma frase" prevalece, quero acreditar que se pode ir mais longe. Nunca serei uma pessoa do facebook, .....está fora dos meus propósitos reconverter-me a algo parecido com isso. Nem tenho Facebook...

      Abraço
      Vitor


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    2. António Lopes19 novembro, 2022

      Vítor “(…) fazer uma obra inspiradora, que motive alguém a tentar pescar, a sair ao mar.” Essa obra quando sair será muito mais que isso, este blog com a partilha de experiências e conhecimentos já é motivador, se for um livro será uma obra inestimável para nós.

      Abraço
      António

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    3. Bom dia António Lopes

      O livro irá sair, sem dúvida. Para isso, vou ter de lhe dedicar alguma atenção, e isso significa reduzir o número de publicações semanais.
      De qualquer forma, e atendendo ao que as pessoas se manifestam, nem que seja através da colocação de um like, ...ninguém vai notar.

      Tenho como objectivo construir um livro com diversos capítulos, em que o mar é visto como um todo, condições de mar, equipamento, técnicas, biologia do peixe, preservação, etc.

      Vamos ver



      Abraço!
      Vitor


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    4. Antóni Lopes26 novembro, 2022

      Bom dia Vitor

      Acredite que as pessoas vão notar ! Podem não se manifestar, mas vão notar.
      Infelizmente vivemos num mundo de comodismo, a maioria das pessoas só olham si proprias, nem reparam que por vezes basta uma palavra para motivar alguém que partilha os seus saberes e o seu conhecimento. Conhecimento esse que levaria muitos anos a ser descoberto sem ter alguém que o indicasse.

      O livro vai ser um sucesso.
      Força!

      Abraço
      António


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