ROBALOS - AS MARÉS ENQUANTO FACTOR DE DESEQUILÍBRIO

No mar, o cair da noite não é necessariamente um sinal para cada um ir para sua casa, deitar e dormir até ao dia seguinte. Não há casa, não há deitar nem há dormir.
Tendemos a querer impor a todos os seres que nos rodeiam os nossos ritmos circadianos, e que nos resultam tão assumidos, tão naturais. Só o são para nós. Os peixes têm outras formas de descansar, que em nada se assemelham às nossas.
Aquilo que é natural na vida dos nossos peixes é que a cada ciclo de dia e noite, corresponda apenas uma mudança de paradigma, em que as armas a utilizar são outras. Os sensores laterais dos peixes passam a ser os olhos, que na escuridão de nada servem.
Num mundo em que a expectativa de vida é curta, e ao menor descuido pode acontecer uma desgraça, a segurança do ser depende muito da sua capacidade de adaptação a um meio que é agreste, primário, e muito perigoso. A vigilância é permanente, porque a cada momento pode acontecer algo. E isso é válido para todos, porque a cadeia trófica só acaba em bichos…grandes.
Quando pescamos um peixe de grande tamanho, não devemos esquecer que ele foi, em tempos idos, um pequeno peixe. E que conseguiu ultrapassar todos os obstáculos que a vida lhe colocou, até chegar a velho. Todos os peixes adultos são heroicos resistentes a toda a sorte de provações, e isso significa terem sido capazes de escapar a outros que os quiseram comer. Esse peixe que pescámos, terá sido perseguido por predadores inúmeras vezes, saído ileso de uma infinidade de cercos de redes, e um dia teve uma má decisão e mordeu na nossa amostra, ou jig.
Isso quer dizer que um de nós, um pescador de linha, foi capaz de encontrar a fórmula certa para o fazer atacar um artificial.
Se quisermos acreditar que há uma continuidade entre o dia e a noite, e que o robalo está igualmente dotado de recursos técnicos para caçar na escuridão mais absoluta ou em plena luz do dia, poderemos entender o quanto é difícil adivinhar qual o momento exacto para lançarmos uma amostra num determinado local. O que é seguro é não devermos esperar que o peixe esteja predisposto a comer 24 sobre 24 horas, de forma contínua. Isso não existe.
Também a pesca ao longo do ano não pode ser feita utilizando os mesmo processos, os mesmos locais, os mesmos equipamentos.
Há grandes diferenças entre ser Verão ou Inverno. Não é de todo igual, e temos de ser capazes de nos adaptarmos, até em termos de horários de pesca.


As marés movimentam grandes massas de água e obrigam todos os seres a movimentarem-se. Isso cria oportunidades.


Quando a água superficial está quente, durante os meses de Maio a Outubro, ensina-nos a experiência que nos primeiros e últimos momentos do dia, há grandes probabilidades de acontecer algo de transcendente.
Esses momentos mais altos estão balizados numa faixa que podemos ajustar entre o clarear do dia e o momento em que o sol começa a deixar-se ver já acima da linha do horizonte, algo como uma hora, por aí, e ao final do dia, ao pôr do sol, mais meia hora, até este desaparecer por completo.
Estes são períodos críticos em que as probalbilidades de pesca são máximas. Podemos chamar-lhes momentos “quentes” porque grande parte da actividade do peixe está concentrada nessa altura do dia.
De inverno, por termos no nossos país uma situação oposta, águas muito frias à noite, (quantas vezes com geadas persistentes e temperaturas próximo do negativo), e um pouco de calor a meio do dia, os peixes não podem reagir da mesma forma. E aí, esperam os momentos em que o sol está a pino para se alimentarem, aproveitando a ligeira subida de temperatura das águas superficiais, e com isso a activação do seu metabolismo.
Nesta época, os momentos de caça e alimentação são curtos, por vezes restritos a poucos minutos, os suficientes para encontrar uma presa. E a seguir o peixe desce a cotas onde possa encontrar o conforto de águas mais quentes, as termoclinas.
Sendo isto verdade, e sabendo nós que este é o padrão, não devemos no entanto olvidar que isto não é, nem poderia ser, SEMPRE ASSIM. Nada é absoluto quando falamos de peixes, porque há sempre excepções. Até porque nem todos os dias de Verão são quentes em excesso, ou sequer de Inverno tem forçosamente de haver um frio gélido. E a seguir, as “meias-estações” da Primavera e Outono chegam para baralhar estes dados. Mas esta é a base, com calor os peixes comem cedo ou tarde, com frio comem a meio do dia.
Outros elementos deveras importantes entram em linha de conta neste processo e entre eles atrevo-me a destacar um, por me parecer ser o mais importante: o momento da maré.
De facto, as marés mudam sempre o comportamento do peixe. Ou porque promovem o aparecimento de correntes, que são aproveitadas pelos predadores para receber comida no seu posto de caça, ou porque, e esta é uma verdade digna do sr Jacques de La Palice, põem e tiram água do pesqueiro, tornando-o, ou não praticável.
Sobretudo em pesqueiros muito baixos, diria que as marés separam o peixe da possibilidade de chegar ou não ao alimento, por haver ou não água suficiente.
O factor de desequilíbrio, de estabelecimento de ciclos de alimentação, é regulado pelas marés, que cobrem ou deixam a seco o local de alimentação, a que nós humanos chamamos de …pesqueiro.


Vazante muito baixa. O peixe está afastado e espera o momento certo para vir para estas pedras encontrar camarões, caranguejos, anelídeos, etc. A maré cheia vai trazer peixe a esta zona.


É o fluxo e refluxo da água das marés que determina a corrida aos postos de caça. Chamamos a isso a “conta de água”, e é porventura um dos factores mais decisivos no comportamento dos nossos peixes.
Porventura seria interessante sabermos um pouco mais sobre os mecanismos que regem estas enormes movimentações de água.
Só forças muito poderosas seriam capazes de fazer mover massas de água desta importância. Falamos de oceanos inteiros! Quase poderíamos chamar a uma maré uma gigantesca “onda lenta”, que se desloca para um e outro lado, arrastando tudo à sua passagem.
Os nossos barcos são irremediavelmente empurrados pela água se não tivermos os motores a trabalhar. As forças de atração de sol e lua são tão poderosas que movem quantidades de água incríveis. Há locais com marés acima de 15 metros!
O sol, mesmo muito distante, tem uma massa tal que ainda assim exerce um poder de atração significativo sobre as águas dos nossos oceanos. Para que tenham uma ordem de grandeza, o sol tem uma força geradora de marés igual a 46% da força da lua. Pese embora a relativa proximidade desta à Terra.
Sabemos que mensalmente temos marés vivas e marés mortas, e isso advém da interação entre o sol e a lua, relativamente ao nosso planeta. Quando a gravidade do sol anula a gravidade da lua, temos marés mortas, baixas, e o oposto, quando temos o sol e a lua a puxar no mesmo sentido.
Aí, as correntes são muito mais fortes, e nós sentimos isso quando pescamos, a linha corre mais e necessitamos de mais peso.
Resumindo, as marés vivas acontecem a cada lua nova e a cada lua cheia e as marés mortas acontecem nos quartos crescente e minguante. As marés na costa portuguesa são do tipo mesomareal, com amplitudes máximas próximas dos 4 m.
Se tiverem o cuidado de fazer um registo minucioso das vossas pescarias, irão verificar que os melhores resultados correspondem ao dias em que a força das correntes é máxima, e os resultados mais medíocres são quase sempre obtidos em dias de baixo coeficiente de marés.
Por uma razão simples: o peixe precisa das correntes para se alimentar. Se não há correntes, a sua actividade decresce, e nós temos menos sinais da sua movimentação, sob a forma de …”menos picadas”.
Está tudo ligado. Por azar dos Távoras, aquilo que nos daria jeito era precisamente o oposto, era que a actividade do peixe fosse maior quando o mar estivesse mais calmo, mais parado.
Não é assim, pelo que temos de ser capazes de nos adaptar a pescar com correntes. Primeira medida: não utilizar linhas demasiado grossas, para que estas não façam um seio, para que a corrente não as leve.
Porque a seguir, essa força de arraste reflecte-se na deslocação do chumbo, se estivermos a pescar vertical, ou a utilizar um jig. Todos os detalhes são importantes, para que possamos obter resultados máximos.
Também convém saber que não basta chegar cedo ao pesqueiro, porque só isso não garante peixe. Nunca esqueçam que as marés avançam, grosso modo, uma hora. Isso quer dizer que hoje teremos água suficiente no pesqueiro a uma hora e amanhã esse facto só irá ocorrer uma hora mais tarde.


Aqui falta água, há que esperar pela hora certa para que se dê a entrada do peixe.


Se observarem bem, um pesqueiro está em permanente mudança ao longo do ciclo de maré. Podemos começar por ter condições para lançar as nossas amostras, e conseguimos uns robalos, mas a dada altura já não acontece nada.
E passadas duas ou três horas, até podemos andar a pé onde antes tínhamos cravado esses robalos. Tudo mudou!
Não devemos ser imediatistas ao ponto de pensar que então assim sendo nunca mais vamos ter peixes nesse local.
Se por acaso estivermos pela zona, podemos verificar que na inversão da maré, quando volta a encher, voltaremos a ter água suficiente, e os peixes irão voltar a ocupar os seus postos. E voltamos a ter peixe a morder nas amostras.
Durante esse ciclo de maré, que de facto separa, que corta esse acto de pesca, que o torna possível e a seguir impossível, os peixes não deixam de estar interessados em conseguir comida. Até porque alguns deles não tiveram a sorte de encontrar o alimento que procuravam na maré anterior. Quantas vezes ao chegar a casa já deram com robalos com o estômago vazio?!
Por outro lado, um pesqueiro não deve ser resumido a um simples tanque onde nadam inocentes peixinhos pequeninos, até porque por vezes nem há lá peixinhos nenhuns. Entendam os espaços de mar como um sítio onde tudo aquilo de que se alimentam os nossos robalos entra e sai.
Há momentos em que há sardinha miúda e podem passar meses até voltar a haver de novo. Por isso, a capacidade de adaptação dos predadores leva-os a saber encontrar outras formas de obter alimento. Aqui um camarão, ali um caranguejo, uma lula, a seguir algo de diferente, porque os momentos de maré assim o determinam. Quando não acontece nada, esse peixe estará ansioso pela chegada da nova maré, para retornar e tentar de novo.
Muitas vezes encontram a nossa... amostra.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. He leído los artículos publicados estos últimos días y he disfrutado mucho como pescador. Gracias por compartirlos, Vítor.

    Conozco muy pocos rincones de internet como este, en donde se abordan cuestiones de fondo que ayudan a interpretar la naturaleza para pescar con sentido. Tus publicaciones tambien me ayudan a abrir la mente y a dejar a un lado el ego que pretende imponerse en las jornadas de pesca, y que nos aleja del aprendizaje y del disfrute.

    Un saludo

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    1. Gracias por sus amables palabras!
      Son un fuerte aliciente para seguir compartiendo algo de lo que veo en mis salidas al mar. Me alegra especialmente que este comentario tuyo nos llegue desde España, un país amigo, con gente que pesca muy bien, con muchos campeones del mundo en varias especialidades.
      ¡Gracias amigo!

      Saludos

      Vitor

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