TIRAR CARTA DE PESCADOR - 10

Quando procuramos robalos, há algo que salta à vista: para que um local seja eleito como posto de caça fixo, deve obedecer a um mínimo de critérios.
Se a questão da segurança está salvaguardada, o predador passa a um outro patamar: o de encontrar comida em quantidade suficiente e as respectivas condições de caça para a conseguir obter.
Mas a segurança é algo de inegociável, pois disso depende a própria existência do peixe.
Não são particularmente exigentes do ponto de vista de altura de água. Podemos encontrá-los em águas rasas, bem menos de um metro de fundo, desde que cumpram com a premissa de existirem obstáculos que lhe permitam sentir-se seguro.
Os bons locais têm sempre uma ou outra forma de lhe poderem proporcionar uma saída rápida, nomeadamente rocha firme com buracos, frestas estreitas e escuras, pedra lisa mas com caneiros de saída para o exterior, amontoados de blocos de calhau rolado grosso, etc.
No fundo, tudo aquilo que, com boas escapatórias, possa ajudar a uma fuga rápida e segura. No momento de aflição, eles devem sentir que há sempre uma forma de poder escapar.
Quando consegue isto, já tem um local de permanência, aquilo a que chamamos de “posto de caça” e que mais não é que um ponto em que estarão reunidas muitas das condições que levam um robalo a eleger esse local como sendo bom.
E por aí fora, sucessivamente, para outros futuros robalos, depois de pescarmos o precedente. Aquilo a que poderíamos chamar de um local de “querença”, que é válido para a espécie, e não apenas para um indivíduo.
Em boa verdade, nem todos os bons locais de pesca são detentores da totalidade de factores que podem ajudar o peixe a sentir-se confortável, mas forçosamente terão de ter uma grande quantidade deles agregados.
Também pescamos robalos na praia, em areais que nenhuma protecção oferecem, mas aí não estamos a tratar de um posto de caça regular, um daqueles locais que, como vimos acima, permitem a permanência segura do peixe.
Uma praia não é nada disso, é um local de passagem, de procura de alimento, mas não é em si um posto de caça fixo.
Por isso, pode ter ou não robalos, dependendo de inúmeros outros factores, a saber: a temperatura da água, o momento da maré, o declive da praia e a consequente altura ao solo, a existência de comedia na zona, e a inevitável segurança, leia-se a presença de outros predadores ou até a pressão de pesca dos seres humanos, de forma regular. Quando nos encontramos em plena época balnear, piora um pouco, porque o stress a que o peixe está sujeito eleva-se a níveis incomportáveis.
Não estarão longe, até porque esses espaços podem ser visitados à noite, mas não é crível que possam andar robalos no meio das pernas das pessoas…
Por defeito, a praia não é em si um local de permanência, fixa, de robalos.




Em contrapartida, uma marina quase sempre consegue agregar em si diversas destas premissas que são fundamentais para a fixação do peixe.
É verdade que as marinas são locais de permanência de pessoas, há muita gente que inclusive faz a sua vida nelas, dormindo, permanecendo nos barcos, etc, mas essas pessoas não apoquentam os peixes.
Não tanto pelo facto de ser proibido pescar nelas, mas porque a maior parte das pessoas tem do mar uma visão mais ecológica, mais virada para a partilha de espaço, a coexistência pacífica com os peixes que inevitavelmente pululam nas marinas. E há muita gente que pensa desta forma, pelo que seria contraproducente pescar um tal lugar. Daria nas vistas, e seria criticável.
É a elevada concentração de pessoas em si mesma que impede a pesca desenfreada nestes espaços, e legitima assim a permanência dos predadores.
Mais que isso, as próprias condições técnicas também não ajudam: a existência de pontões, de cabos, hélices, dos próprios barcos, joga a favor de uns e prejudica a acção dos outros, na circunstância os pescadores.
Nós pescadores, pescamos sim, mas …longe das marinas.


Quanto maior a presença humana menos possibilidades haverá de um local servir de posto de caça a um predador.


Quando procuramos definir os locais de caça dos nossos robalos devemos ter em consideração uma multitude de factores, e isso dificulta-nos a vida. São muitos dados a considerar.
Por vezes são detalhes tão ínfimos e invisíveis aos nossos olhos como a estrutura do fundo e a possibilidade que oferece de esconderijos, ou a força da corrente no local em dias de marés grandes/ luas grandes.
Mais uma vez me parece importante definir um critério que me parece sempre válido: com correntes fortes, o peixe, para estar parado, tem de …nadar muito.
E isso significa bastante dispêndio de energia. Devemos procurar lançar em pontos onde a corrente sofre uma qualquer deflexão, onde é barrada por qualquer objecto. Aí sim, o robalo estará à “ravessa” da corrente, aguardando a passagem da comedia.
Quanto mais a corrente se acentua, quanto mais forte a deslocação da massa de água, mais o nosso robalo sente necessidade de encontrar um ponto de abrigo. O facto de terem vantagens físicas sobre as suas presas, não os convida a desgastar energia inutilmente para as capturar.
Do ponto de vista fisiológico não seria rentável. O princípio a aplicar é este: a energia captada pela ingestão da presa tem sempre de ser superior à energia consumida na sua captura. Ou o robalo recua e desiste. Aborta o lance e espera outra oportunidade.
O que acontece frequentemente, e que nós dá a nós pescadores motivos de grande satisfação, é a entrada súbita de um robalo na corrente forte, para morder, (eventualmente a nossa amostra), capturar a sua presa e sair para um recanto, uma falha na pedra, um buraco, algo que o abrigue da passagem rápida de água. Ele não está lá, em permanência, ele entra na corrente e ataca.


Locais com pedras, mesmo que baixos, podem esconder alguns robalos.


Por vezes isto acontece em zonas que nos parecem menos boas. Mas apenas o são para nós, não para eles. Não devemos subestimar um local pela sua aparência vista do barco, ou de um ponto de terra.
Por vezes ficamos com essa ideia, por exemplo por o pesqueiro ser pouco profundo.
É verdade que eles gostam de ter alguma água por baixo, mas muitos dos locais que frequentam apenas têm peixe miúdo porque são rasos, teoricamente pouco apetecíveis a predadores. E aí, o risco para o robalo é acrescido, existe, mas ainda assim pode compensar.
Devemos entender o posicionamento dos robalos enquanto um peixe que procura caçar com garantias de sucesso, e por isso mesmo, pontualmente, pode ser induzido a visitar um local que não oferece os 100% de garantias que ele gostaria de ter.
Mas a passagem por esses pontos não é eterna, e a comida chama por ele. E por isso, entra, faz o que tem a fazer e recolhe ao seu abrigo.


Num local como este, pese embora estejamos num ponto com 2 a 3 metros de água, o robalo entra, alimenta-se, e sai.


Amanhã continuamos esta série com outro detalhe que me parece importante que conheçam.



Vítor Ganchinho



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