TIRAR CARTA DE PESCADOR - 16

Procuro abordar temas que nunca tenham sido tratados, pelo menos tanto quanto sei, por outros autores.
De nada serve repisar caminho que já foi percorrido, e certamente haverá por aí muita gente bem documentada sobre amostras, pesqueiros, etc.
Eu prefiro ir por outros detalhes que possam ser úteis a quem quer conhecer melhor alguns dados sobre o peixe que pesca.
Hoje abordaremos alguma informação sobre o nosso peixe de eleição, o robalo.
Vamos andar às voltas com alguns dados relativos a isto: a distância a que os robalos colocam as suas posturas relativamente à costa. Onde é que eles desovam?!


A fé é aquilo que leva estas pessoas à rebentação, à procura de um robalo. Mas eles podem não estar lá...


O nosso robalo está agora a preparar-se para uma fase crítica da sua vida: a reprodução.
O Inverno e o início da Primavera são as estações reprodutivas por excelência. Não quer dizer que não possamos encontrar um peixe ovado fora deste período, mas são casos excepcionais, fora do padrão standard.
A desova ocorre quando a temperatura da água está fria, entre os 10 e os 14ºc entre nós, e entre os 8,5 e 11 °C em zonas do Atlântico mais a norte. Não é por acaso! Isso acontece porque nesta fase do ano, os eventuais predadores dos seus desprotegidos ovos estarão longe, ou pelo menos com uma capacidade de acção reduzida. A água fria deixa peixes filtradores, como as tainhas, as cavalas, as próprias sardinhas, mais tolhidos de movimentos, e por isso, neste período, há mais possibilidades de uma desova ser bem sucedida.

Os locais de desova localizam-se tanto em mar aberto, preferencialmente em pedras com buracos, com salões amplos, largos, com mais de uma saída, (a questão segurança está sempre presente para estes peixes), como também em zonas mais próximas da costa, e aí, preferencialmente em zonas abrigadas entre rochas, com depressões cobertas de areão, cascalho grosso. Idealmente pedras com rasgos, com acesso ao fundo normalmente coberto por calhau rolado, areia, com algum grau de segurança, longe da acção de redes, e se possível, dos caçadores submarinos.
É aí que as fêmeas, sempre maiores que os machos, depositam os seus óvulos, os quais serão cobertos de imediato pelo sémen pelos machos.
A relação de forças é desigual: para uma só fêmea podemos ter quinze ou vinte machos. Seguem-na até que esta resolve que está no momento de “dar à luz”.
Vi este fenómeno algumas vezes, em zonas descansadas, onde mergulhei durante anos. As majoas de robalos são impressionantes, os cardumes podem ter mais de uma centena de indivíduos, e os pesos médios podem atentar contra corações mais fracos.
Sei que o continuam a fazer por ali, nos meus recantos secretos, e por saber onde é, aquilo que faço é o que qualquer pescador responsável faria: não vou lá durante esse período.
Alguns desses locais estão a menos de 20 metros de profundidade, e ano após ano são visitados por hordas de robalos que, nesse período, não atacam amostras, não pensam em nada mais que não seja reproduzir. Não comem.
Precisamente por isso, e porque as águas frias exigem desgaste de energia sistemático, os robalos perdem parte significativa do seu peso.
Iremos encontrá-los a seguir, já em pesqueiros mais fundos, refugiando-se das águas mais geladas da superfície, durante os meses de Fevereiro e Março, a tentarem recuperar, ingerindo peixes gordos, cavalas, carapau miúdo e sardinha, sobretudo.
Nestas alturas, os seus ciclos de actividade são muito curtos, resumem-se a poucos minutos dia, os indispensáveis para conseguir uma refeição rápida, e voltam à sua letargia de pré-hibernação.
Estes períodos, tanto quanto sei, são determinados pelas marés, e têm especial incidência no período da manhã.


Vocês podem pensar que isto é muita aguagem, muita confusão, mas tudo faz o seu sentido. Os robalos sabem o que fazer nestas condições.


E quem vai participar nessas sessões de desova?
Desde logo as fêmeas velhas, pesadas, algumas com perto de 1 kg de ovas dentro, e todos os machos maduros, mesmo que jovens, (a desproporção de tamanhos chega a ser chocante!), que se deslocaram das suas zonas de alimentação de Outono para os locais conhecidos por poderem proporcionar “encontros amorosos”. Essas áreas tendem a ser offshore, longe da costa. É um período muito sensível, e os peixes querem e precisam de estar descansados.
Consegui alguns dados ao longo dos anos que mergulhei, e aquilo que me parece é que temos diversos períodos a considerar: um de pré-desova, em que os peixes apenas se agrupam em extensos cardumes.
Lembro-me de encontrar um que tinha centenas de peixes juntos, (1500 exemplares?!?), embora de tamanhos modestos, até 2 kgs).
Estava a mergulhar numa zona baixa, não mais de 14 metros, e os meus colegas de pesca, Gustavo Garcia e Carlos Campos, davam furiosamente num cardume de carapau branco, o dito manteiga, que mordia os jigs quase à superfície.
Eu, a fazer uma ronda pelas minhas pedras de sargos e polvos, dei com um cardume de sardinha petinga. Peixinhos dos seus 7 a 8 cm de comprimento. E de repente, eles estavam à minha frente! Era uma nuvem de robalos que me impedia de ver para além do cardume.
Desarmei os elásticos da arma de caça submarina, e fiquei durante minutos a assistir a um espectáculo raro. Os robalos rodavam à minha volta, em círculos concêntricos, cercando as sardinhas.
Estas, sentindo-se desgraçadas, recorriam ao único meio de conservarem a vida: aproximarem-se a centímetros de um predador que sabiam não as querer, para fugirem a outro que as queria desesperadamente. Tinha uma massa de sardinhas de centenas de quilos colada a mim.
Retornei lentamente ao barco, sabendo que isso seria o detonador para o início de um massacre tremendo naquele cardume de peixinhos juvenis, as petingas. Os lobos quando têm fome, têm de comer...





Que dados existem a nível europeu sobre este tema?
Não são muitos, mas posso adiantar-vos alguns. De notar que os períodos de desova não coincidem com os nossos, em Portugal estão muito marcados, muito vincados entre os meses de Dezembro e Fevereiro.
Mas, mais acima, em França, no Reino Unido, acontece um pouco mais tarde, entre Março e Abril numa primeira fase, e entre Maio e Junho (!) uma segunda fase.
Durante as pesquisas de ovos planctónicos no Canal da Mancha – local de desova do robalo do Mar do Norte – em março e abril, os óvulos de robalo só foram encontrados a flutuar à superfície fora da zona exclusiva das 12 milhas.
Isso sugere que o robalo desova longe da costa no início da estação de reprodução, ou teria de haver um deslocamento considerável das ovas, pelágicas.
No entanto, em maio e junho, os biólogos encontraram óvulos de robalo mais perto da costa. Isso pode significar que a reprodução nessa fase ocorre mais perto da costa.
Coincidindo isso com o deslocamento progressivo do centro da área de desova para leste através do Canal durante a primavera (com a temperatura da água da superfície superior a 9 °C).
Os cientistas, no entanto, assumem que a maioria dos robalos ainda desovam a pelo menos três milhas da costa neste período, o que naquela zona pode fazer sentido, hoje.
Com o aquecimento global, podemos esperar que estes dados venham a ser completamente alterados. Razões climáticas podem desempenhar um papel decisivo, e definir onde e quando o robalo se irá reproduzir.

Bem sei que acham que um ou dois graus não devem fazer muita diferença. A verdade é que fazem, e muita. Pode acontecer por exemplo que os robalos possam ficar mais tempo nas áreas de alimentação de verão.
E isso irá alterar o tempo de desova, o peso e tamanho do peixe que se encontra maduro para reproduzir, etc.
Durante os invernos mais quentes, a migração para áreas de pré-desova e desova ocorre mais tarde e provavelmente ocorre em distâncias mais curtas, com menor amplitude em milhas de deslocamento. E mais próximas da costa.
Além disso, as grandes migrações sazonais também ocorrerão com menos frequência. Dois graus de temperatura, para cima ou para baixo, podem fazer uma diferença tremenda!
Se a água arrefece demasiado, sendo apenas por alguns dias, os peixes irão deslocar-se-ão menos ao longo da costa, e mais na perpendicular, baixando a pesqueiros mais fundos.
Por outro lado, se ocorresse o contrário, águas mais frias, zonas como os fundões de Sines passariam a ter robalos mais meses durante o ano, e isso iria mudar a forma de pescarmos este enigmático peixe.
Neste momento, é possível ferrar robalos longe da costa, a 120 metros de profundidade, com jigs, em zonas de …areia. Se as águas virem a aquecer muito, iremos tê-los, mesmo no Inverno rigoroso, mais acima, e muito mais próximos da praia.
Tudo muda, em função das condições ambientais. E o equilíbrio é muito mais ténue do aquilo que se pensa.



Vítor Ganchinho



😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo.
Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال