Este é um tema delicado, porque desce aos subterrâneos da pesca, ao “bas-fond” daquilo que gostamos de ler. Mas existe.
Em biologia chamam-se detritívoros, saprófagos ou necrófagos aos animais que se alimentam de restos orgânicos, reciclando-os e/ ou retornando-os à cadeia alimentar para serem reaproveitados pelos demais organismos vivos.
Os exemplos mais conhecidos e comuns em terra firme incluem os abutres, as hienas e várias espécies de escaravelhos e moscas. Sabemos que estes animais se alimentam de restos de cadáveres, e porque estão adaptados a isso, parecem não sofrer de doenças ou quaisquer tipos de enfermidades.
Os seres detritívoros são de fundamental importância pois promovem a degradação da matéria orgânica, digerindo-a e facilitando posteriormente o trabalho de fungos e bactérias.
Por definição necrofagia é o ato de comer a carne de um animal morto. A palavra deriva do grego, onde "nekros" significa corpo ou morto, e "phagos", para comer.
Pois no mar também temos disso. E diria felizmente, porque a propagação de bactérias originaria surtos de doenças potencialmente fatais para muitos peixes. Ou eventualmente poderia deixá-los com necroses ou debilitados de forma a que fossem presas fáceis para outros predadores.
E a propagação da doença iria multiplicar-se, por interações patogénicas.
Quem as vê não as leva presas... as gaivotas são potenciais transmissoras de doenças. Aprenderam a alimentar-se nas lixeiras e isso tem consequências sanitárias. |
A origem do desenvolvimento destas bactérias pode estar onde menos se espera, desde logo na própria água do mar, nos sedimentos marinhos, nas algas, ou numa variedade de organismos marinhos com os quais as bactérias estabelecem relações diferentes, desde simbiose às interações patogênicas.
Os transmissores podem ser diversos, os portadores incluem uma variedade de animais marinhos, incluindo peixes, crustáceos, moluscos e cetáceos.
Sabemos que alguns tipos de peixes predadores são portadores de doenças como a ciguatera, e isso não é mais que a consequência de uma subida vertical, em cadeia, de efeitos provocados pelo consumo de um determinado tipo de alga tóxica.
Estas começam por ser consumidas por minúsculos peixes, que a seguir a propagam ao longo da cadeia alimentar. Pode ser bastante prejudicial para a saúde humana, no caso de consumo desses tipos de peixes. Em Portugal, tanto quanto se sabe, não temos ciguatera.
Podemos registar as consequências alucinogénias da ingestão da carne de salema, e pouco mais.
Mas há muitos mais casos de doenças/ patologias que nos chegam através da ingestão de peixe. A Photobacterium damselae por exemplo, é responsável por doenças em peixes de mar nossos conhecidos, a dourada, o robalo.
A lista seria longa. Algumas das bactérias poderão ser consideradas patógenos primários, de transmissão horizontal (entre peixes), capazes de sobreviverem na água do mar e manter sua capacidade infecciosa, especialmente frente a peixes suscetíveis e imunodeprimidos.
Além disso, algumas bactérias são frequentemente encontradas nas vísceras de peixes marinhos, sendo provável que os intestinos sejam uma importante porta de entrada do patógeno.
Os peixes afetados de forma crônica apresentam coloração baça, ficam presos de movimentos e deixam de se alimentar. Os animais afetados de forma aguda apresentam úlceras e erosões na superfície epidérmica da cabeça e barbatanas.
Internamente, os animais apresentam o fígado descorado, com aumento do volume, e desenvolvem granulomas em órgãos como os rins, baço e fígado, progredindo para um quadro de septicemia hemorrágica generalizada. E morrem.
Deste caldo de nutrientes podemos esperar coisas boas, e porventura outras …menos boas... |
Quase seríamos capazes de adivinhar quais são os peixes que se alimentam de carcaças e cadáveres pousados sobre o leito marinho. Afinal de contas, nós pescamos com iscas…
Aqueles que conseguimos ferrar a partir de um troço de sardinha velha, quase podre, são potenciais candidatos a “limpa fundos”.
A existência de peixes necrófagos é algo que nos favorece. Eles ocupam uma parte importante na estrutura da cadeia alimentar, pois livram-nos de problemas que só teriam propensão a agravar-se. Sabemos quais são e a lista felizmente é longa. Peixes como o safio, a abrótea, a faneca, por exemplo, são peixes que se alimentam de peixes mortos. Mas também as tintureiras e muitos outros fazem esse trabalho na perfeição.
Nunca lhes iremos agradecer o suficiente por isso.
Os químicos lançados à terra, acabam inevitavelmente no mar. |
Sabemos que em alguns lugares, a quantidade de pesticidas, adubos, etc, lançados à terra para desenvolver uma agricultura mais rápida e produtiva, acabam no mar.
O que não se consegue imaginar são as consequências que isso irá acarretar para o meio ambiente, e nomeadamente para a saúde dos peixes que ficam expostos a esses químicos.
E por consequência, todos nós, que os ingerimos.
Há cada vez mais casos de cancros, certo? Será que isso é por acaso, ou tem a ver precisamente com a alimentação que temos …ou somos forçados a ter…?
Tudo vai parar ao mar... |
Poluímos muito e cuidamos pouco. São os custos de um excesso populacional que é preciso gerir e alimentar.
A utilização de fertilizantes promove culturas mais rápidas, mas tem inconvenientes, porque no fim tudo vai parar ao mar, através das águas das chuvas, ou directamente lançado por nós próprios. Emissários, esgotos a céu aberto, e tudo aquilo que leva fosfatos, adubos à água, promovem o crescimento de algas. E algumas delas têm características que não favorecem propriamente a nossa saúde. Também para os peixes estes químicos não serão benéficos, e isso vai matar alguns. É bom saber que alguém irá estar no mar, a cuidar do seu desaparecimento.
Vítor Ganchinho
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Nas ilhas selvagens, que sao territorio português, temos ciguatera, talvez queira corrigir o artigo para 'portugal continental'
ResponderEliminarBoa tarde!
EliminarNão tenho o seu nome, aparece aqui como anónimo.
Fico muito agradecido pelo favor do seu contacto.
Este é um tema que será exponencialmente mais e mais controverso, à medida que o aquecimento global for avançando. A informação que existe não é muita, mas ainda assim a suficiente para nos deixar a pensar que pode de facto chegar a ser uma doença prevalente no nosso país. De momento ainda não o é, tanto quanto nos é dado saber. Acredito que muitas das doenças que surgem nos hospitais, a denunciar gastroenterites, alergias e outros sintomas, por ingestão de ameijoas contaminadas, possam ser indícios de alguma variante dessa doença. Porque não fazemos testes específicos não o chegaremos a saber.
Mas acredito que possa andar por aí algo que tenha a ver com a ciguatera.
Eu tenho conhecimento dos casos que refere, nas Selvagens. E não queria de forma alguma ferir as suas suscetibilidades, as Selvagens são Portugal, claro que sim.
Ao não referir esse caso dos "charuteiros", os lírios, nesse estranho episódio passado em 2008, não o estou a desvalorizar. Como sabe, foram capturados peixes contaminados nas Canárias, e logo a seguir, em meados de 2008, nas Selvagens. E de novo, em finais de 2008, nas Canárias. Mas o assunto ficou por aí, e não teve desenvolvimento.
Por isso mesmo não o quis referir neste texto.
Não me espanta que um peixe que é um superpredador como o lírio, um pelágico que viaja em águas abertas, que corre mundo, possa trazer para cá maleitas do tipo.
Mas até ver, a ciguatera é algo que podemos localizar como preocupante no Índico, nas Caraíbas, e no Pacífico. Em termos formais, ainda está longe, embora na prática possa até já estar por cá...as famosas "viroses" que nunca ninguém sabe o que são, de certeza que podem estar relacionadas.
Quando falamos de Europa, a palavra não existe. Nem sequer no léxico dos computadores, que a dão como erro.
Deu-me uma ideia para um artigo! Agradeço-lhe isso, e vou trabalhar no assunto. Tenho amigos que já tiveram problemas desses pela ingestão de peixe contaminado. Vou contactá-los e recolher mais alguns dados.
Obrigado pela sua participação, as páginas do blog estarão sempre disponíveis e abertas para que possa comentar.
Obrigado!
Vitor Ganchinho