A VISÃO DO ROBALO

Vocês lembram-se do Mr Magoo?
Provavelmente não, porque já tem uns anos. Era um curioso personagem dos filmes de animação da RTP, com algumas dezenas de anos, quando eu ainda era novo.
Tratava-se de um velhote muito rico que era completamente “pitosga” e que, por isso mesmo, se metia em embrulhadas incríveis.
O facto de ele ter uma péssima visão e não usar óculos, conduzia-o a imensas confusões. Os robalos também são um pouco isto...
A ideia que nos fica é que por vezes eles entram em ressacas de mar onde nada nem ninguém, no seu perfeito juízo, ousaria entrar!
Enormes ondas empurradas a vento, a esmagarem-se contra a rocha, muita espuma branca projectada, não são sítio bom para um ser vivo estar. Mas eles sabem o que estão a fazer, e sabem muito bem o porquê.
Vamos entender isso a seguir. Convido-vos a acompanhar-me neste artigo que versa a visão do robalo, e as suas limitações.



Em pesqueiros baixos, digamos 2 a 3 metros, é muito frequente que um robalo detecte uma amostra e a persiga por uma fracção de segundo, até decidir se avança ou não.
Está a vê-la, está senti-la e finalmente decide morder. Perfeito para nós! Peixe na caixa...
Em locais baixos, a capa de água é pouco alta entre o fundo e a linha de superfície e por isso, mesmo com mar formado, não é difícil ao nosso robalo conseguir detectar a amostra. A distância a que o artificial passa do predador nunca é muita, as vibrações emitidas são facilmente detectadas.
Mas pode acontecer que um robalo levante a uma amostra, de igual forma, com agressividade, em fundos muito mais significativos. Por vezes mesmo até superiores a 10/15 metros de altura.
Todavia, quanto mais água, mais dificuldades teremos em obter os mesmos bons resultados dos baixios. À medida que adicionamos factores negativos, situações menos favoráveis, a tendência é para que aconteçam desaires. Para os dois lados. Perdem os robalos e por consequência perdemos nós.
Senão vejamos um quadro que corresponde na perfeição a um standard para cada um de vocês: decidimos ir fazer spinning ao raiar do dia. Isso é algo muito comum para quem pesca o robalo por fé na arte, por devoção, e sabe que aquela primeira hora do dia vale pelas dez horas de pesca seguintes. Cedo é sempre melhor.
Eu podia ser vosso amigo e arranjar um dia com sol, mar muito calmo, águas limpas, mas desculpem, …nem isso vocês vão ter.
Estamos, por azar dos Távoras, a pescar de manhã cedo, mas o tempo está meio encoberto, algo nebuloso, cinzento carregado. O mar está com um toque de fundo, a agitar a água, a fazer as algas levantar da pedra.
O sol, ainda pequenino, a gatinhar na linha do horizonte, esforça-se por romper as nuvens, mas estas são muito densas e a quantidade luz que passa é pouca.
É de dia, consegue ver-se, mas nem nós temos a percepção exacta de onde está a nossa amostra, nem o robalo tem a possibilidade de a ver a partir da sua posição de caça no fundo. Pode é senti-la…
E isto já é um handicap. Não para nós, que lançamos o engano à água e aquilo que temos a fazer é enrolar linha, algo que podemos fazer até de olhos fechados, como o Mr Magoo, mas para o robalo. Ele tem uma missão diferente, a de perseguir e engolir a nossa amostra.
O trabalho dele requer muito mais precisão que o nosso. Sem isso, sem ele acertar no alvo, não pescamos.
Primeiro dado a reter: o robalo tem pouca luz a chegar ao seu “local de trabalho”, que como vimos, andará na ordem dos 10 a 15 metros de fundo.
Precisamos de parar para pensar: que tipo de amostra poderá dar-me alguns toques? Uma amostra de superfície? É uma solução, mas pode acontecer que a noite tenha estado fria e por isso o robalo não estará na primeira capa de água. Está longe, e por pouca sorte o fundo é muito distante da superfície.
Porque não tentar a solução da Daiwa, a Daiwa SB-RODEM, para ir um pouco mais fundo? A zona é lisa, ou tem rochas que podem prender a nossa amostra? É necessário lançar longe, ou o peixe pode estar junto à rebentação?

A Daiwa tem duas soluções que resolvem ambos os casos:
Amostra Daiwa para pesqueiros fundos, com o cabeçote em tungsténio, e corpo em vinil macio. Duas cores e dois pesos, para diferentes profundidades: 18 gr e 30 gr.


O corpo em vinil é também vendido à parte, em saquetas de 7 peças. A razão é que, após uma dezena de ataques de robalos, o vinil começa a acusar o desgaste dos dentes dos nossos amigos. Trata-se de uma amostra que permite pesca em zonas muito massacradas por amostras grandes, com esferas e pala, onde os peixes já não reagem aos estímulos. Com recuperação mais lenta, afunda bem, mantendo a cauda vibratória a trabalhar.


A situação inicial é a de um peixe emboscado, atento ao meio ambiente que o rodeia. Nós chegámos à pouco, mas o peixe passou toda a noite por ali, e sabe detectar os ruídos que não são do mar.
Barulhos de ondas, de areia levantada, cascalho a rolar, de peixe a partir conchas, são o seu dia a dia. Mas nós caminhámos pela praia e fizemos algum ruído com os pés. Devemos estar atentos a isso.
Lançamos e a dado momento temos alguns toques estranhos. Mas foram pancadas que nos deixaram dúvidas. Que tipo de peixe seria?!
Àquela hora, mesmo os sargos grandes gostam de tentar a sua sorte. Como têm a boca mais pequena, falham muitas dentadas nos triplos de tamanho normal.
Os triplos destas amostras não são demasiado grandes e por isso prendem peixe com mais facilidade. Utilizar canas de acção média ajuda a que as ferragens sejam mais efectivas, se houver peixe de outras espécies. Também as choupas grandes arriscam por vezes atacar a amostra, e o problema é o mesmo: boca pequena.
Mas o robalo tem boca grande, boca de “manuela” e não nos podemos queixar de falta de espaço para ele engolir a nossa amostra. A questão que se coloca é outra:
No fundo, junto às pedras que lhe servem de refúgio, a quantidade de luz é ainda escassa. Os olhos do peixe estão habituados ao escuro da noite e ainda não abriram as pupilas o suficiente para poder enxergar sem ficarem encandeados com a luz que já chega da superfície.
Estamos a pescar com a nossa amostra da sorte, aquela que tem o dorso azul sardinha, e o ventre branco. Resulta sempre naquele local, àquela hora, pelo menos nos dias em que há um pouco mais de luminosidade. Um amigo disse-nos que fazia ali muitos robalos com aquela amostra, logo... não pode falhar.
O peixe sente a vibração da amostra, segue-a, fixa os seus sentidos naquela esteira de turbulência, e a dado passo consegue perceber onde está e para onde se dirige. É um cálculo que envolve muitas variáveis, velocidade, volume, direcção, correntes, ondulação, vagas, não subestimem a precisão necessária para o executar na perfeição. O robalo resolve arriscar uma tentativa!
Levanta, a cauda tensa impulsiona o poderoso corpo na direcção da amostra e lança o seu ataque. Falha!! Bate de lado na amostra, e não consegue morder.
O que se passou?! Como pode aquele robalo de 3 kgs falhar uma tentativa tão fácil de engolir a nossa amostra?!


Aqui temos uma situação de calma, de paz, de águas limpas, mas nem sempre está assim. Em fundos de cascalho grosso, a menor movimentação de águas faz rolar as pedras e isso emite ruídos que perturbam a atenção do peixe, que deixa de poder estar focada a 100% no seu objectivo.


O que se passou foi que nós exigimos demasiado ao nosso peixe...
Quando subiu, ficou subitamente exposto a um nível de luz diferente. Os olhos, porque a velocidade com que levantou à amostra foi muita, o movimento foi muito brusco, não tiveram tempo de se adaptar a um superior nível de luminosidade.
É como se de repente tivesse ficado cego, como o Mr Magoo, a orientar-se apenas pela fita de vibrações deixadas na água pela amostra. Esta esteira tem valores mais altos no preciso ponto onde se encontra a peça. Mas as vibrações propagam-se lateralmente, e também existem, embora menos fortes, alguns centímetros antes da posição actual da amostra. Imaginem a dificuldade de um peixe ser preciso na sua mordida, quando tem de encontrar uma peça de 10 cm de comprimento, numa área com sinais vibratórios superior a um metro.
Seria relativamente fácil fazê-lo em águas limpas, calmas, em que o nosso robalo possa utilizar a sua vista, que é boa. Mas apenas boa se puder actuar nas condições às quais está adaptada no momento. Não foi isso que aconteceu, e nós ainda ajudámos a piorar a situação!
Nós, excitados por termos tido anteriores picadas não bem sucedidas, e ávidos de ter finalmente um peixe na caixa, recuperámos linha demasiado depressa. Dificultámos ainda mais! Não demos tempo a que o robalo pudesse fazer aquilo que poderia ter feito caso a amostra tivesse passado muito mais abaixo, na sua zona de conforto, no fundo escuro.
Os peixes têm a possibilidade de se orientar direitos à amostra pelos seus olhos, caça à vista, ou pela sua linha lateral, caça por sentido, se quiserem. Mas nós temos de ter a noção de que, com dias de céu nublado, cinzento, com pouca luz a passar pelo filtro que é a água do mar, com alguma ondulação a chocalhar pedras, com ruído ambiente, e por consequência a perturbar a atenção do robalo, devíamos ter enrolado linha um pouco mais devagar. Em suma, faltou tempo.
Esse tempo, essas fracções de segundos tão preciosas quando as condições são dificeis, e que afinal nós não demos…provocando imprecisão.
Perdemos o peixe porque não soubemos dar-lhe tempo para ele cumprir o seu designio de predador.
Na natureza, os peixes falham muitas vezes os seus alvos. Não vem daí nenhum mal ao mundo. A questão é que quando eles falham, somos nós que perdemos... e por isso temos de saber entender quando é que devemos ser um pouco mais lentos. Por vezes faz falta.
Grosso modo, más condições de visibilidade implicam da nossa parte mais paciência, menos vigor nas maniveladas, dar mais tempo a quem tem de jogar com tantas variantes.
Digo-vos mais: pelo contrário, quando há luz e a agua está limpa, dar-lhes tempo a mais pode até prejudicar-nos. Estamos a tratar de um predador rápido, eficaz, que é mortífero na sua acção de caçar pequenos peixes.
Se lhe dermos tempo a mais quando as condições de visibilidade são muito boas, pode acontecer que ele não morda por perceber que algo ali não é peixe. Basta que entenda o brilho da linha de nylon. Por isso, a invisibilidade do fluorocarbono pode por vezes ajudar-nos.


A presença de vários alvos em movimento separados por centímetros é outro factor que pode levar a falhanços na captura das presas. Sobretudo no caso de águas tapadas, o que não é o caso.


Nesta situação descrita acima, as pupilas do robalo, normalmente muito abertas porque ele vive na permanente semi-obscuridade, (passou toda a noite a caçar, ou a tentar caçar…), e porque ainda não é dia claro, estarão muito abertas.
Por esse motivo, ao chegar repentinamente à superfície, o clarão da luz do dia deixou-o encandeado, conforme aconteceria a um de nós, caso estivéssemos a dormir e de repente surgisse uma luz forte sobre os nossos olhos.
Nada tem de estranho um peixe falhar um ataque, mas devemos pensar que na natureza tudo está equilibrado: também as presas não conseguem sempre fugir. Por vezes detectam o predador demasiado tarde, e pelos mesmos motivos. Dificuldade de acuidade visual.
Não falta qualidade de visão ao nosso robalo, faltou sim nesta circunstância um pescador capaz de entender o ritmo que deveria propor ao robalo, para o deixar morder a amostra.

Continuamos na próxima semana?



Vítor Ganchinho



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6 Comentários

  1. Excelente texto!! Pura verdade a questão da velocidade de recolha...!
    Abraço

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  2. Artigo top! Obrigado pela partilha!

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  3. Mais uma vez excelente!! Obrigado pelos agradáveis textos sobre o robalo e o spinning. Abraço

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  4. Muito obrigado por todos os seus textos.
    Gosto tanto destes e da sua maneira de escrever que já os procuro diariamente.
    Que essa vontade de escrever e partilhar conhecimento nunca se lhe acabe.
    Cumprimentos
    Américo

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  5. Muito obrigado Vitor
    Excelentes artigos. Vamos esperar ansiosos com as novidades 😁.
    Boa viagem para vós
    Abraço ao Carlos e ao Vitor

    Toze

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  6. Boa tarde Vítor

    Vou esperar ansiosamente por esses videos :)

    Abraço
    Toze

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