AS DOURADAS QUE TEMOS POR CÁ...

Este é um tempo para tudo.
Tempo para que os consagrados pesquem caixas e caixas de douradas.
Peixe para guardar na arca, (e que inevitavelmente ficará amarelo e queimado do gelo ao fim de 3 semanas), tempo para que alguns deles vendam peixe aos vizinhos e amortizem algum do equipamento que adquiriram para a safra, e tempo para todos os outros.
Os “outros” são aqueles que não vão pescar quase nada, e ainda assim não conseguem pregar olho na noite anterior à saída. Vão ver e rever a mochila da pesca vezes sem conta, durante as horas da noite em que não conseguem dormir. Nada pode faltar.
As linhas são passadas a pente fino, as chumbadas são contadas e arrumadas vezes sem conta, e os anzóis benzidos à porta da igreja. Vão levantar-se vezes sem conta para olhar o despertador que teima em não andar para a frente.
Os “outros todos” são aqueles que vão tentar pescar douradas de barco com o equipamento de surfcasting, com canas para achigãs, e carretos que fazem tudo menos enrolar linha. Tudo serve.
Estes são aqueles que vão fazer rir os primeiros, os consagrados.
Riem-se da ignorância, da incapacidade, do não saber fazer, esquecendo que também um dia já estiveram do outro lado, do lado daqueles que dariam tudo para saber, mas não sabem. Ainda.
A situação não tem nada de novo: os ditos bons pescadores riem de quem pesca mal. Riem muito.
Rir de uma situação destas diz muito mais sobre a personalidade de quem ri do que de quem sofre as agruras desse riso.
Na maior parte dos casos são pessoas que riem para não terem de chorar as suas desventuras. Riem para esconder a verdadeira razão pela qual são tão bons a pescar douradas.
Quantos “consagrados” gostariam de poder ter um emprego estável, uma boa posição social, para não terem de viver de expedientes, como por exemplo …pescar douradas…para venda?




Para quem está de fora, a situação é vista da seguinte forma: durante os três meses da época de reprodução, um número percentual superior a 90% não conseguirá pescar um único peixe.
Igual percentagem irá tirar férias durante este período, e não deixará de vasculhar toda a informação que exista nas redes sociais, no sentido de saber onde, quando e como foram pescadas as caixas de douradas que são publicadas e muito... publicitadas.
Os ”outros todos” são aqueles que irão adquirir equipamentos desajustados, que vão sonhar cometimentos que nunca irão acontecer, e ainda assim, serão sempre os primeiros a chegar ao local da partida.
Aqueles que não dormem são os que movimentam o negócio, os que alugam todos os lugares vagos nas embarcações MT, os que dão a vida por meia dúzia de caranguejos.
Estes, para mim, são aqueles que verdadeiramente merecem ter um bom dia de douradas. Dia esse que já não existe.
Estamos a acabar com este peixe! Estamos a matar tudo!




A cada época de douradas, os resultados são piores, mais minguados, e as pessoas não entendem porquê.
Os grandes reprodutores são cada vez mais raros. São aqueles que poderiam perpectuar a espécie, aqueles que cumprindo as leis da natureza, poderiam depositar milhões de óvulos.
Os pais destas míseras douradas de 300/ 400 gramas que se pescam hoje eram douradas de 3 a 4 kgs de peso. Que foram pescadas, porque insistiram em alimentar-se, insistiram em criar vida dentro de si.
Até onde nos leva esta cegueira de querermos pescar e “não ver” aquilo que se está a fazer? Quanto tempo mais vamos fingir que está tudo bem e que o importante é pescar o que morder nos ditosos caranguejos?
Não sei se estão conscientes de que hoje pescamos douradas ao número. Diz-se “pesquei 40 douradas”, mas não se diz que isso deu um peso de x, sendo x um número absolutamente ridiculo para aquilo que a espécie poderia proporcionar. A diferença é que 40 douradas podem ser 11 kgs de peixe, ou 160 kgs de peixe!
Tratar uma dourada como um número tem destas coisas... e não fica por aqui, porque elas vão continuar a ser chacinadas dentro dos rios. Vão durante todo o ano ser objecto de pesca dirigida, para... fritar.
Pescam-se douradas de 12 cm dentro do Sado, aos baldes, e o critério é o mesmo “hoje fiz um balde cheio”...


Os exemplares adultos são hoje uma perfeita miragem, onde antigamente eram comuns.


As douradas adultas são cada vez menos, e estão cada vez mais longe deste “mentideros” onde se diz que se pescam “douradas”.
Estamos a pescar douradas nas zonas de onde elas não eram nunca pescadas. Hoje os locais de captura transitaram para Sines, para a Zambujeira do Mar, e já não são os tradicionais, onde sempre houve douradas. A grande migração destes peixes fazia-os subir muitas dezenas de quilómetros, para chegarem aos rios, onde pressupostamente seriam capazes de fazer a sua desova.
Hoje, estamos a ir ao local de onde essas douradas iniciavam a sua migração, porque já não os temos nos locais habituais.
Deixem-me estabelecer um paralelo com a fábula da galinha dos ovos de ouro. Aquilo que estamos a fazer é a matar a galinha para tirar lá de dentro todos os ovos, num só dia, porque não temos a paciência de esperar que a ave coloque um ovo por dia. Não nos chega! Queremos todos os ovos de uma só vez, ainda que isso signifique matar a galinha e nunca mais ter ovos.


E aparecem as inenarráveis fotos de peixes dentro de lava-loiças, alguidares, e até dentro de sacos de plástico... Um peixe destes tão nobre não merece mais?


Ocorre-me um comentário que ilustra bem aquilo pode ser a iniciativa popular, quando o Estado se demite das suas funções de regulador.
Ao mantermos uma medida mínima de pesca legal de 19 cm para a dourada, aquilo que estamos a fazer é a dizer “acabamos com elas e depois logo se vê”…
Os pescadores profissionais da Ilha do Corvo decidiram, há muitos anos atrás, e por decisão própria, estabelecer como reserva voluntária, a zona do Caneiro dos Meros.
Escolheram uma faixa de mar que não está demasiado sujeita a correntes, onde o pescado pode manter-se sem problemas, e não oferece dificuldades de vigilância. Trata-se de um local que dista apenas 150 metros da costa, em frente ao porto da Vila do Corvo, à vista de todos. Seguramente teriam vantagens em pescar ali, com um irrisório custo de combustíveis, mas preferiram sacrificar o seu conforto em nome de um bem comum.
Eles têm muito mais peixe que nós, mas ainda assim tomaram a sábia decisão de guardar uma faixa de terreno marítimo como reserva integral. Com a perfeita convicção de que ao
possuírem um local não pescado, (a reserva voluntária está carregada de peixe de imensas espécies vendáveis), aí se iria juntar e reproduzir peixe que a seguir sairia da reserva para povoar todas as outras zonas de costa.
E têm peixe!



Vítor Ganchinho



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17 Comentários

  1. Excelente descrição, abraço.

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  2. Ainda hoje lembro-me (e ao ler este artigo foi tipo bofetada) das palavras de um pescador profissional (daqueles que usavam redes) e que conhecia a ria de Aveiro ( naquele tempo ainda era “ria”) como as palmas das mãos e dos pés: “a ria d’aveiro é uma maternidade, não pesquem esse peixe miúdo”, e ainda hoje lembro-me dessa bofetada, sim, é uma bofetada sem mão. Espero que pelo menos uma pessoa ao ler isto também a sinta. Um abraço

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    1. Boa tarde


      Em meu nome pessoal e de toda a equipa que faz o blog, agradecemos-lhe o seu comentário.
      Sabemos todos que a preservação dos peixes que pescamos é a única forma de continuarmos a sair ao mar para pescar. Se continuarmos a chacina que estamos a fazer, será sempre uma questão de tempo até chegarmos a esse momento.
      Muitos outros países já o fizeram, e hoje lamentam a escassez de peixe. Há zonas no globo onde se pesca à rede. Isso não teria nada de excepcional, não fora o facto de essa rede ser rede " mosquiteira", própria para conseguir reter peixes de poucos centímetros, muitas vezes inferiores a 5 cm.....!
      Os tempos estão difíceis, sabemos que as pessoas querem rentabilizar as suas saídas de pesca, que querem trazer peixe para casa. Mas a forma mais rápida de sair e não trazer nada é esta, é matar os reprodutores.

      A GO Fishing Portugal estará sempre do lado da conservação, da preservação dos poucos reprodutores que ainda temos, e que irão, com mais ou menos dificuldade, tentar manter a dourada como um peixe pescado no nosso país, e não como um peixe ocasionalmente pescado no nosso país.
      Não é igual....

      Deixe-me dizer-lhe que vai poder ler mais dois artigos nas próximas semanas, nesta linha.
      Obrigado por ler, obrigado por divulgar!

      Abraço
      Vitor Ganchinho

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    2. Eu já digo isto há muitos anos apesar de ser um jovem, todos os estuários deveriam ser reservas naturais para aí se reproduzirem crescerem os nossos peixes de forma sustentável, multas pesadas para quem infrigisse. Eu por exemplo abdiquei de pescar em estuário e muitas capturas se fazem ou melhor , se faziam.. hoje em dia apenas se apanham crias de peixe e fazem autênticas chacina o que a meu ver é crime. Mas o nosso governo assobia para o lado. E os ditos pescadores de geleira cheia que se vangloriar de apanhar muito peixe deveriam ter vergonha pois na minha modesta opinião não são mais do que uns gatunos que estão a destruir o que de melhor poderíamos ter no nosso país. Por exemplo um turismo de pesca que muito dinheiro traria para todos nós boas pescas com escamas da palma da mão.

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    3. Bom dia!

      Não poderia estar mais de acordo.
      O facto de ser um jovem não invalida que seja uma pessoa esclarecida. De resto, é minha opinião que a próxima geração será indiscutivelmente mais conhecedora, mais sábia, porque irá ter elementos de análise, conhecimento, bem superiores aos das gerações antigas. Pode é já não ter peixe para aplicar esse conhecimento.....



      Abraço
      Vitor

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  3. Concordo em tudo o que foi dito. Mas temos nós ( pescador apeado) de fazer algo e denunciar todas as capturas com medidas ilegais. Chamo sempre a atenção pescadores que guarda peixe sem medida. Na praia da vieira vi dezenas de pessoas a pescar robalotes que nem para fritar davam. Comentei e todos mandaram calar. Liguei a polícia marítima e vários foram multados. Temos pena...

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    1. Não vamos chamar de pescadores a essas pessoas que fazem isso que comenta.
      Pescar robalos juvenis é muito mais que ignorância e desconhecimento: é crime.
      Que acaba por nos prejudicar a todos nós.


      Abraço!
      Vitor

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  4. Bom texto desde já.
    Concordo em alguma parte com o escrito, de facto as medidas do pescado não estão adequadas a realidade, no entanto na minha opinião creio que o pescador ludico não acaba com o pescado mesmo a pescar dia e noite sobre as mais conhecidas pedras.
    Para quem pesca até ao por do sol, é facil identificar os verdadeiros culpados sobre esta falta de peixe grande. É neste por do sol que aparecem dezendas de barcos de artes a largar e cercar todas as pedras, não escolhendo as medidas do peixe , tudo fica e morre. É facil falar e sei que não podemos acabar com a pesca profissional de maneira nenhuma, mas aumentando a medida minima do pescado as redes não facziam tanta mossa!
    Cumprimentos

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    1. Bom dia

      Penso que o seu texto tem pano para mangas!..... Há aqui muita coisa que merece uma reflexão mais profunda que aquela que me é possível fazer em duas linhas.
      De qualquer forma, aqui fica o meu comentário:
      1- As medidas mínimas estão obviamente desadequadas. Sem dúvida nenhuma que tem razão!
      2- Os pescadores de linha fazem mal, acredite. Parece-lhe pouco, mas imagine o que podem fazer 100 barcos a pescar douradas, sobre as pedras onde elas se concentram para reprodução, ao longo de 3 meses. Falamos de muitos milhares de peixes que não irão continuar o seu ciclo de vida. E esse, quando interrompido, provoca danos graves, faz com que não nasçam muitos e muitos milhares de novas douradas. Talvez não tenha a ideia de como era a pesca da dourada há 25 anos atrás, mas digo-lhe que durante este tempo, houve milhões de douradas que não nasceram, à conta da pesca à linha. Hoje, a pesca das douradas é contabilizada ao número, não ao peso. Porque as douradas têm 300 a 400 gramas....e dentro do Sado pescam-se com 100 gramas...com minhoca.
      A pesca profissional faz o que sempre fez: arrasa! Se ouve dizer que alguém pescou à linha meia dúzia de peixes, vai lá e larga redes, cerca tudo e acaba com o assunto.
      Mas esses fazem a parte deles, não serão nunca diferentes. Como dizem os espanhóis; 1 dia de fartura, dez dias de fome.

      O seu texto fez-me pensar, é interessante!

      Abraço
      Vitor

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  5. Boa noite Vítor e restante equipa
    Mais um excelente artigo, pena não ser lido por algumas pessoas! Pelo menos pensavam na fábula da galinha dos ovos de Ouro, a minha filha já a ouviu várias vezes e é transversal a tudo na vida.
    Eu divulgo todas estas questões pelos meus amigos e eles certamente vão falando e divulgando também estas questões tão importantes de sustentabilidade.
    Nunca tinha pescado (e pesco pouco ou nada hehehe), comecei a ganhar este fantástico bicho e só o prazer de sair ao mar e contactar com a natureza vale tudo.
    Fui tudo dito pelo Vítor, não tenho nada mais a dizer.... Alias tenho! Faltam ai "uns outros", aqueles que não tem equipamento adequado para nada, que depois de bem aconselhados começam a comprar equipamento adequado e um dia ainda vão conseguir apanhar uma dourada com jigs e não é das de fritar, que essas merecem continuar no mar ;).
    Vale sempre a pena acreditar.

    Grande abraço
    Toze

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    1. Tozé, bom dia!

      Andam douradas lá fora a nadar que apenas esperam que lance o seu jig.
      É uma questão de tempo, porque quem tem uma paixão tão profunda pela pesca, mais dia menos dia, vai ter um colosso daqueles na ponta da linha.
      Neste momento temos pargos bons, temos atuns sarrajões, temos bicas, tudo com fartura. E as lulas também já entraram, até 1,5 kgs.
      Da próxima vez que sairmos, vai ver que o peixe ...está lá.


      Abraço
      Vitor

      Eliminar
  6. Boa tarde Vítor

    O problema é que não tenho tido hipótese de ir, tenho tido avaliações de unidades curriculares importantes, desde setembro que me deu para estudar novamente. Assim que terminar de estudar, vou começar a ir muitas vezes, um dia vou ter algo de bom na ponta da linha.
    Deserto para sair e experimentar as canas novas ando eu.
    Nunca vi lulas desse tamanho devem ser uns pequenos monstros.

    Abraço
    Toze

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. OI Tozé

      Cheguei agora do mar.
      Anda tudo cheio de atuns sarrajões, entraram uma data deles...
      Também o peixe de fundo está aí, pargos e bicas.
      É quando for possível. O mar espera....

      Amanhã saio outra vez.



      Abraço
      Vitor

      Eliminar
  7. Boa

    Assim que me for possível quero ver se vou. Ando deserto para exprimentar as canas e o carreto novo.

    Grande
    Abraço

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    Respostas
    1. Boa tarde

      Vou estar atento, ja li a maior parte dos artigos do blogue e todos os dias leio os que saem.
      Boa viagem e esperamos novidades do Japão

      Abraço
      Toze

      Eliminar
  8. Vitor respondendo ao seu comentário mais a cima.
    Claro que os pescadores a linha fazem mossa mas na minha opinião não é devastadora, claro que 100 barcos em cima de uma pedra a apanhar,num dia bom, 30kgs por pescador em média não se compara com um dia bom para artes de pescas que medem as toneladas.
    Há 25 anos não pescava infelizmente, mas imagino que o peixe abundava mais do que hoje em dia.
    Para finalizar, achonque a pesca se for bem feita não faz mossa nas especies, o problema é que não é bem feita, não existe cultura de soltura de pescado. Este ano existiram autenticos massacres em sines mas a pesca é assim felizmente a natureza encarrega se de impor um defeso aos pescadores! Cumprimentos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bom dia

      O problema não se coloca ao nível dos pescadores mais lúcidos, mais informados. Esses, terão a noção de que há que semear para depois colher, e isso passa por libertar peixe miúdo. Aquilo que procuram são peixes adultos, os ditos troféus.
      O que mata a sério, porque interrompe ciclos de reprodução, são os indivíduos que vão dentro do rio e enchem baldes de douradas e robalos com pouco mais de 10 a 12 cm, ...para fritar.
      E medem isso ao número, 60, 80 peixes.
      Estão ...entretidos, a matar peixe juvenil, peixe que não tem a menor possibilidade de escapar porque está ali, dentro dos estuários, a cumprir o seu estágio de crescimento, sem ter tido tempo para ganhar defesas contra este tipo de ameaças.
      Eles dizem: " gosto de peixe frito, com palitinhos pelos olhos"...
      Por mim, fico só a imaginar o nível de pobreza de espirito dessas pessoas, o baixo nível intelectual que revelam, e a tristeza por saber que ainda há gente que consegue pensar dessa forma, numa altura em que a informação existe a rodos.
      Dado que não fazemos nada para obviar a este flagelo, que seja a natureza, através dos seus fortes temporais, a valer-nos.

      Abraço
      Vitor

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