DOURADAS: O QUE NOS RESERVA O FUTURO?

O potencial de reprodução de um peixe está directamente conectado com o seu tamanho.
Os maiores produzem uma maior quantidade de óvulos. Isto é um facto intestável, basta abrir uma dourada grande e uma pequena e pesar. Ninguém consegue contestar isto.
Quando pescamos esses peixes, os verdadeiramente grandes, estamos a retirar à espécie grande parte da sua capacidade reprodutiva.
Estamos a fazer isso às nossas douradas!
As pessoas têm a memória curta. Na década de 80 do século passado, a pressão de pesca por parte das grandes frotas pesqueiras levou a uma redução do número de efectivos alarmante.
Os barcos ficavam em terra, a receber subsídios do governo para poderem pagar os salários.
O que temos andado a fazer é descobrir novas zonas de pesca, novos métodos de pesca, mas não paramos um minuto para pensar no objecto de tudo isto, o peixe.
Voltando à questão do tamanho dos efectivos reprodutores, ao capturarmos os maiores, aqueles que toda a gente quer pescar à linha ou comprar no mercado, estamos a cortar um nível muito importante da cadeia alimentar. Senão vejamos:
A escada alimentar começa no fitoplâncton, e no zooplâncton que o come. A seguir vem o peixinho miúdo que come esse zooplâncton. E a seguir aqueles que comem esses peixinhos, terminando nos grandes viajantes do azul, os atuns, os marlins, as baleias, os golfinhos.
Se quiserem, digamos que o tamanho da boca dos que estão acima na cadeia alimentar é cada vez maior.
Quando pescamos até à exaustão um desses grupos de peixes, aquilo que acontece é que todos os que estão abaixo aumentam o seu número exponencialmente.
Reproduzem muito porque não há quem os coma. Mas os que estão acima morrem todos, extinguem-se. E porquê? Porque os peixes grandes não conseguem comer o zooplâncton, têm dentes feitos para presas muito maiores!
Estamos a caminhar alegremente para a extinção do os nossos peixes!




A solução que continuamos a perseguir é a que nos permite pescar mais, não a que preserva mais os peixes.
A sobrepesca surge da tremenda qualidade dos meios que somos capazes de inventar: GPS, sondas, redes de todos os tipos e feitios, barcos com maior autonomia, maior tamanho e capacidade de carga, enfim, chamamos-lhe …“rentabilidade“.
Qual o barco que hoje em dia não está equipado de sonda e GPS?
Para uma menor capacidade reprodutiva dos peixes, respondemos com maior pressão de pesca, e melhores equipamentos.
Estamos a fazer isto às nossas douradas, e alegremente preparamo-nos para ficar sem elas. Aquilo que estamos a fazer é um crime, e estamos a chamar-lhe …pesca desportiva.
O absurdo é tão grande quanto darmos a um dos nossos filhos um pontapé em cheio nos dentes da frente e …rirmo-nos!




A geração de pescadores que virá a seguir vai achar que conseguir duas douradas de 300 gramas é uma loucura de pescaria. São 600 gramas de douradas.
Hoje achamos que bom mesmo é uma geleira cheia com 30 douradas de 300 gr. São 9 kgs de douradas.
A geração anterior, a minha, acha que bom mesmo eram 10 douradas de 6 kgs. São 60 kgs de douradas.
Chama-se a isto “síndrome da referência em mudança“. Se as pessoas soubessem como era, não achavam que aquilo que fazem hoje é bom. Não é! Não é mesmo nada bom!
Quando comecei a pescar em Setúbal, há muitas dezenas de anos atrás, as canas eram ruins (canas de uma braça, em fibra de vidro) mas lançavam-se três anzóis e vinham três safias de... 1kg.
Hoje temos material de pesca que é uma verdadeira loucura de qualidade, carbonos de alto módulo, e pescamos safias de 150 gramas...
O momento é de grande responsabilidade: aquilo que vai seguir-se é algo de muito pior que aquilo que ainda temos hoje, por sua vez muito pior que aquilo que existiu há algum tempo atrás.
Vamos ter para oferecer às gerações vindouras, aos nossos filhos e netos, material de pesca infinitamente melhor, mas eles vão receber de nós uma lástima de mar, peixes insignificantes….e vão achar bom, e fazer cara alegre.
E sentir que a pesca é muito divertida, sobretudo quando se consegue um peixe de 300 gramas….de mês a mês.
Tenho amigos alemães que me ligam, eufóricos, às quatro da manhã, quando conseguem uma carpa de meio quilo. Para eles, ficarem dias sucessivos sem pescar nada num lago, é normal.




Desculpem o meu pessimismo, mas os nossos filhos irão pescar num mar que, grosso modo, me faz lembrar uma pessoa que pretende dançar vigorosamente com um doente em estado terminal, ligado a uma máquina de suporte de vida, a soro, com respiração assistida, e já com raros batimentos cardíacos.
O declínio auto alimenta-se: quanto piores estão as coisas hoje pior irão estar no futuro. É uma espiral negativa, sempre em crescendo. Degradação puxa mais degradação.
O fim disso nunca pode ser positivo, mas mais uma vez teremos de saber adaptar-nos.
E estamos a recuar nas expectativas a cada ano que passa, mais e mais.
Isso é de tal forma progressivo que quase não se dá por ela. Como se tivéssemos a mão numa chapa fria e aos poucos ela fosse aquecendo, de forma muito gradual.
De tal forma gradual que às tantas já estamos a queimar-nos e parece que ainda está bem. Estamos a pescar nestas condições.

Respeitemos os peixes. Cada um daqueles que pescamos é um caso bem sucedido de um lutador que conseguiu vencer todas as adversidades até chegar à nossa mão.
Aquele peixe foi posto à prova pelo meio ambiente em que nasceu e conseguiu vingar até aquele momento, em que a sua vida depende da nossa decisão.
Se é demasiado pequeno, pois que seja libertado.
Respeito!



Vítor Ganchinho



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1 Comentários

  1. Concordo em absoluto. Mas isso era num país a sério. Por cá...

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