TIRAR CARTA DE PESCADOR - 17

Sendo o robalo um peixe tão multifacetado quanto às suas escolhas de habitat, (lagoas, rios, estuários, mar aberto, rias), e tão bem sucedido em cada um deles, dificilmente poderia não trazer de série uma data de qualidades físicas fora do normal.
Quando analisamos as suas capacidades físicas em separado, uma a uma, reparamos que estas são absolutamente assinaláveis, e de uma sensibilidade extrema.
Se as entendermos como uma força única de combate, todas elas conjugadas, facilmente verificamos estar na presença de um peixe resiliente, armado para matar e sobreviver em ambientes extremamente difíceis.
Um ser que vive num mundo agreste, cercado de dificuldades, só pode ter sucesso se souber usar todo o arsenal de armas à sua disposição. Quando tudo parece contra, quando as condições de mar apertam, o robalo mostra o seu equipamento de série, apurado ao longo de milhares e milhares de anos, até chegar ao que é hoje, e …brilha.
A sua visão apurada será uma dessas remarcáveis características, mas a meu ver nem é a mais importante.
A visão, não sendo torpe, é porém complementada com várias outras fontes de recolha de informação. De tal forma que pode até prescindir dela, e dar prioridade a essas outras formas de “ver”.

Todos sabemos que caçam de noite, porque também os pescamos durante esse período. Se acertam com a nossa isca, se a mordem, algo os leva lá. Mas é aqui que começam as nossas dúvidas, é precisamente aqui que entramos na zona cinzenta do nosso conhecimento.
Se é o olfacto, a visão ou a linha lateral, eles saberão. Onde termina a sua capacidade de ver na penumbra, e onde começa o potencial bélico da sua incrível linha lateral, que lhe dá outro tipo de “visão”, é algo que porventura nunca saberemos.
A resposta mais certa poderá estar na conjugação de todos estes elementos, utilização de diversos sentidos utilizados em simultâneo. Sendo que todos eles são tudo menos extras, são factores biológicos intrínsecos à espécie, e comuns a todos os Dicentrarchus labrax, os nossos robalos.


Os jigs de 20, 30e 40 gramas já me deram centenas de robalos. Pesco-os dos 10 aos 70 metros com estas pequenas peças metálicas e não noto falta de peixe...


A maior parte de nós terá dificuldade em entender a necessidade de dispor de diversos sistemas de “visão”, mas mais uma vez as razões que nos levam a questionar essa utilidade é a excessiva tendência para humanizarmos seres selvagens.
Mas atenção, eles não se regem pelos nossos critérios naturais. Que pode a vida de um ser humano ter em comum com a de um robalo?!
Se à noite, habitualmente, nós estamos em nossa casa a dormir, no conforto do lar, que pode isso ter a ver com um ser que a essa hora estará a nadar entre águas revoltas, na maior obscuridade?
Quando decidimos traçar-lhe paralelismos com as nossas humanas capacidades, esquecemos que estamos apenas comparar o incomparável! Não é possível comparar, e nós insistimos em os querer fazer reagir de acordo com os nossos padrões de vida.
Em determinados aspectos, eles estão a anos luz à frente daquilo que podemos humanamente fazer.
Os nossos robalos utilizam, sempre que possível, a sua visão. Têm olhos relativamente grandes, bem adaptados a ambientes escuros. Aqueles "círculos" escuros, negros, permitem que os robalos enxerguem à noite e identifiquem as cores.
Isso é vital para detectar e caçar presas, se os quisermos entender como o único meio de detecção de presas. Não são. Sendo um predador hábil, de sentidos muito apurados, não têm apenas uma forma de chegar onde querem, e isso baralha os dados da equação.
São capazes de localizar as suas presas tanto visualmente, por contacto directo através da sua visão, mas também através dos seus movimentos e vibrações, e neste caso detectados pela linha lateral.
O robalo confunde assim a nossa capacidade de entendimento. Porque tentamos sempre entendê-lo da forma errada, projectando-o com sentidos humanos, estabelecendo paralelismos com os nossos próprios sentidos.


A medida mínima na maior parte dos países europeus é de 42cm. Entre nós é de 36 cm, o que é criminoso: os robalos reproduzem aproximadamente aos 40cm de comprimento... como mínimo.


Se analisarmos a questão da visão de uma forma estritamente técnica, devemos pensar que a retina é um elemento essencial. As propriedades dessa camada de tecido sensível à luz, que reveste a superfície interna do olho, determinam quais as imagens que lhe chegam ao cérebro.
Dentre as várias camadas de neurônios que formam a retina, as células fotorreceptoras são as únicas diretamente sensíveis à luz.
Estas são principalmente de dois tipos: bastonetes e cones. Os bastonetes funcionam predominantemente com pouca luz e fornecem visão a preto e branco, enquanto os cones suportam a visão diurna e a percepção de cores.
Até aí, em nada são diferentes de nós. Mas eu quero provar aqui o contrário, que há diferenças enormes, e por isso vou ter de encontrar argumentos que me possibilitem demonstrar que tenho razão. E para isso, vamos começar mais de trás, quando tudo começa.
Vamos ver a questão da capacidade de visão dos alevins de robalo, após eclosão.
Quem sabe temos aqui dados interessantes, para que percebam a forma como evoluem ao longo da sua juventude, e de que forma isso nos pode servir para os entendermos, já em idade adulta.


A pesca do robalo é algo que me motiva bastante. Porque exige um nível de conhecimento técnico muito acima da vulgar pesca vertical, a tradicional chumbada com dois anzóis por cima e dois pedaços de isca, é natural que a maior parte das pessoas não a queira fazer. Não sabem o que perdem...


Estudos demonstraram que os primeiros fotorreceptores nos olhos das larvas de robalo se diferenciam três dias após a eclosão. A fotossensibilidade pode então aparecer, mas as larvas ainda evitam a luz forte.
A sua visão melhora a partir do quinto dia, quando começa a primeira fase de sua vida trófica como predador.
A estrutura da retina começa a parecer-se com a dos adultos, embora ainda seja algo simples. Até às três semanas de idade, as larvas de robalo possuem apenas cones individuais.
Isso limita-os estritamente à visão diurna e impossibilita-lhes a alimentação noturna. Depois de crescidos, muita coisa muda. A retina do robalo adulto tem características muito diferentes dos tempos em que eram projectos de robalos, simples alevins.
A retina passa a ter bastonetes e cones em abundância, tal e qual como um olho humano. E tem também um tapetum lucidum lipídico. Esta membrana na parte de trás do olho reflete a luz de volta para a retina, dando-lhes a capacidade de enxergar à noite.
Também faz com que a pupila brilhe no escuro, assim como os olhos dos cães e gatos. Já repararam nisso? Já viram como os olhos dos gatos brilham à noite quando iluminados pelos faróis dos nossos carros? O que brilha é essa membrana. Nós não temos.
Além disso, os ritmos da melatonina no plasma e no olho (com a melatonina plasmática aumentando à noite e a melatonina ocular aumentando durante o dia) garantem a adaptação às variações de brilho. E aqui já temos diferenças substanciais para o olho humano.
Juntas, essas qualidades melhoram a visão em condições de pouca iluminação, como em águas barrentas ou à noite. Que é aquilo que os nossos robalos fazem, quando caçam em condições difíceis! E isso nós não somos capazes de fazer, de todo.
Um ser humano não tem qualquer possibilidade de ver, seja o que for, se imergir à noite, na água do mar. Precisa de acessórios, de uma máscara e de uma lanterna. E aqui já temos uma diferença abismal para os nossos robalos.
Embora a estrutura da retina do robalo tenha sido bem estudada, a sensibilidade dos fotorreceptores a diferentes comprimentos de onda, leia-se cores, é ainda desconhecida. Procurei informação técnica em todo o lado e pura e simplesmente não fui capaz de a encontrar!
No entanto, confirmei que os cientistas acreditam que o robalo tem maior probabilidade de ter visão de cores.
A anatomia do olho e as respostas comportamentais (preferências por determinadas cores) apontam para sua capacidade de discriminar diferenças de cores. Por isso os pescamos mais facilmente com uma cor de amostras que outra.
O facto de termos os nossos “jigs da sorte”, aqueles que nos dão peixe quando todos os outros falham, não é mais que a constatação de que algumas cores são mais do agrado dos peixes que outras.
Para mim, não há dúvidas de que o robalo vê a cores. Isso é-lhe essencial para detectar presas. A maioria dos peixes predadores faz isso vendo o contraste dos peixes miúdos, ou outra comedia, contra vários fundos coloridos.
O layout de mosaico quadrado de cones simples e gêmeos na retina do robalo também melhora a avaliação do movimento de presas rápidas. Porque as coisas não são tão simples ao ponto de apenas terem de ver o que está á sua frente!
Eles têm de ver, e têm de calcular distâncias, velocidade de deslocação, tamanho, peso, e só isso lhes irá dar a noção se vale, ou não, a pena lançar o ataque. Não é só uma questão de conseguir ver, é também de calcular dados físicos a uma velocidade própria de um potente computador.
Um exemplo: não tentem apanhar com a vossa mão, a mergulhar, uma lula. Elas são infinitamente mais rápidas que nós!
E mudam de cor, disfarçam a silhueta, confundem os nossos sentidos porque parece que desaparecem e afinal estão ali à nossa frente. Só que mudaram de cor num instante. E todavia, para os robalos, elas são uma presa fácil. O que é que eles veem que nós não conseguimos ver?!...
Percebem que tem de haver diferenças enormes entre a nossa forma de “ver” e a deles?


Devemos dar-lhe tempo. Ter uma picada de robalo é uma dádiva da natureza, e devemos disfrutar de todo o tempo que ele aceita dar luta. Aqui, decididamente, eu não tinha pressa nenhuma…estava a pescar robalos com jigs a 65 metros de fundo, a fazê-los subir com …paciência.


Quando adquirimos amostras numa loja de artigos de pesca, aquilo que estamos a fazer é comprar algo para os nossos olhos, algo que achamos que sim, que nos convence.
Mas não somos nós que temos de morder essas amostras. Os critérios de escolha não são os nossos. Quanto mais mergulhamos e assistimos ao que um peixe chama de “comida”, mais percebemos o quanto estamos longe de saber tudo. Custa-nos a entender aquilo que motiva o nosso peixe: tanto pode ser capturado com iscos vivos como mortos.
Pedaços de sardinha morta, caranguejos, lulas vivas, tiras de lula, pequenos chocos, ou tiras de choco, camarão ou camarinha, e toda a sorte de artificiais, amostras de superfície, jigs, raglous, estrelas do mar, pequenos peixes, tudo lhes serve. São indiscutivelmente de boa boca, e não é por aí que nos levantam problemas.
O difícil é entender onde estão e o que fazem, a cada minuto.
Estou convicto de que, no fim desta série de artigos, muitos de vós terão uma ideia diferente sobre o robalo enquanto peixe predador.
Estou certo de que poderão entendê-lo melhor, ter mais facilidade em compreender alguns dos detalhes mais misteriosos da sua vida.

Continuamos amanhã, se tiverem a paciência de voltar aqui ao blog.



Vítor Ganchinho



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