A NECESSIDADE DE LIBERTAR PEIXE

Gerir os stocks de peixe é cada vez mais uma responsabilidade nossa. 
Se há escassez, protegem-se. Se não há escassez, protegem-se na mesma, para que não venha a haver escassez. 
Todos concordamos que há hoje muito menos peixe que há algumas dezenas de anos atrás. E a tendência não é que o ciclo possa ser invertido se nada for feito nesse sentido. 
A natureza não consegue responder ao ritmo de extração que lhe impomos. Se têm dúvidas, passem os olhos pela linha de horizonte e procurem um sítio… sem redes. 
E essa é mais uma razão para sermos nós, pescadores desportivos, a fazer a gestão dos parcos recursos que temos na nossa costa. Enquanto ainda os temos. 
Bem sei que continua a circular a opinião “Não vale a pena, se não for eu a levá-lo para casa, vem outro e leva…”
Não me parece que esta questão possa ser encarada desta forma tão simplista, tão pouco informada e também, porque não dizê-lo, tão leviana. 

 

Os peixes estão longe de ser um simples “producto”. 
Deixamos isso para quem trata de uma forma impessoal e fria os peixes que tanto amamos. Essa forma de ver os nossos amigos de escamas, despida de sentimentos, fica para quem os pesca à tonelada, à rede, ou seja, para a pesca profissional. 
São áreas de pesca completamente distintas, com objectivos diferentes, ainda que operem no mesmo cenário, e por isso há que deixar bem vincado que para nós, pescadores lúdicos, os peixes têm personalidade, são mais que um número, um peso. 
Porque para nós eles são peixes vivos, com caprichos, com força, com manhas. São também testemunhos de histórias incríveis, de muitos dolorosos desaires, mas também de alguns sucessos. 
Os peixes são sempre acontecimentos marcantes, e muito especialmente aqueles que nos escapam! Esses, malandros, mais espertos que outros, farão parte das memórias que vamos querer partilhar com os nossos netos, quando os tivermos ao colo. 
Vamos lembrar-nos para sempre de cada um dos nossos falhanços, de cada uma das linhas que rompeu quando não devia. E se um dia os netos nos desafiarem, ainda que trôpegos, a ir lançar umas linhas, é bom que ainda exista um peixe para ser pescado. 
Para isso, vamos ter de cuidar deles. 


 
O crescimento dos pargos é lento. 
Pargos com quatro anos podem ter entre 100 e 200 mm de comprimento, dependendo da zona onde nascem e o seu potencial de fornecer alimento. 
Podemos comprovar a idade pela extração dos otólitos sagittae, ou pelos anéis das suas escamas. 
Não sei se sabem como se faz: as escamas selecionadas são escovadas numa solução de hidróxido de potássio a 5%, lavadas em água, imersas numa solução de timol a 1%, lavadas novamente em água e, por fim, mergulhadas em álcool, secas em papel de feltro e finalmente montadas entre lâminas de vidro preparado para microscópio. É um trabalho muito moroso, e algo complexo. 
Quem mergulha, mesmo que a baixas profundidades, tem por vezes a sorte de encontrar pequenos pargos juvenis, e pode deliciar-se a ver como reagem ao contacto com humanos, como são naturalmente desconfiados, e também agressivos para com as suas presas. É um peixe magnífico, decididamente a proteger. 
Vejam abaixo a libertação de um pequeno pargo que se lançou a um dos meus jigs: 


 
Este pargo vai recuperar rapidamente, e um dia poderá chegar aos 8 ou 9 kgs de peso. 


O nosso pargo foi descrito pela primeira vez em 1758 pelo naturalista sueco Carl Linnaeus. Não imaginam a quantidade de espécies que esta pessoa identificou e registou. 
O pargo-vermelho, pargo legítimo, ou se quiserem Pagrus pagrus, é um peixe cujo comprimento pode atingir um pouco acima de 75 cm, embora seja bem mais frequentemente pescado quando atinge os 30 a 35 cm. Os ditos “parguetes”, como são apelidados em Setúbal e Sesimbra.
São encontrados em águas costeiras, raramente abaixo dos 250 m. Pescamo-los mais correntemente em profundidades entre os 10 e 120 m. 
Há uma tendência para que os maiores pargos se fixem numa linha de costa abaixo dos 100 metros, mas a mergulhar já os vi bem grandes, perto dos 9 a 10 kgs, a menos de 20 metros de fundo.
É uma espécie demersal, ocorrendo tanto em áreas rochosas quanto em áreas com sedimentos moles, areia ou vasa. Os parguinhos juvenis geralmente habitam perto de algas marinhas e por vezes entram até em lagoas, onde encontram crustáceos, moluscos e peixes pequenos. Este que viram no filme lançou-se a um jig, o que indica que estaria já apto a capturar presas com alguma dimensão.
Tal como as douradas, também eles são hermafroditas protogínicos, com a maioria dos indivíduos começando a vida como fêmeas e em algum momento mudando de sexo para machos. Os pargos atingem a maturidade sexual aos dois ou três anos de idade. 
A mudança de sexo ocorre dentro de uma gama ampla de tamanhos (206 a 417 mm) e também uma ampla faixa de idades (dois a nove anos). 
Nem todos os peixes mudam de sexo: alguns peixes são machos primários cujo tecido ovariano atrofia antes de atingirem a maturidade, outros são machos secundários, comportando-se como fêmeas por alguns ciclos antes de mudar de sexo. 
E alguns permanecem ainda como fêmeas mesmo quando já grandes, adultos, mas ainda com tecido masculino primário presente. 

O pargo é uma espécie muito importante para a pesca recreativa. Devemos-lhe muitos dos nossos melhores lances, são muito abundantes, e há zonas onde sabemos que estão todo o ano.  
Conheço pedras onde posso garantir a captura de pargos, tanto quanto se pode garantir a captura de um peixe. Sei que estão sempre lá, e a sua voracidade faz o resto. 


 
As populações têm vindo a diminuir devido à sobre-exploração comercial. As redes matam muito pargo, e pior que isso, em idades em que ainda não estão a reproduzir em velocidade de cruzeiro. 
A aquacultura está já a ser considerada, o que é sinal dos tempos. Os nossos marinheiros antigos não deveriam achar necessário, certamente.  
Vamos mesmo ter de cuidar dos nossos peixes. 
Este é um trabalho para todos. 
Ninguém está excluído de ajudar a preservar os peixes que queremos grandes, fortes e de preferência, …muito desconfiados. São esses aqueles que nos dão luta, que apertam connosco, e que nos levam aos limites. 
Por isso gostamos tanto deles.


1 Comentários

  1. Por isso sim temos de libertar e de mudar mentalidades. Obrigado por este texto.

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