AQUILO QUE ESTÁ POR BAIXO...

Muitos de nós saímos ao mar com uma ideia mais ou menos fixa de ir procurar aqui e ali. 
Os roteiros são estabelecidos em função das condições de ondulação, vento, da autonomia que o nosso barco nos permite, e muitas vezes até das preferências dos amigos, os quais sempre nos pressionam a fazer o que eles mais gostam de fazer. 
Tenho a rara sorte de pescar com pessoas que me deixam decidir, sem pressão, acreditando que as decisões que tomo poderão ser as mais indicadas para esse dia, para essas condições de mar. 
Aquilo que faço previamente é passar a mensagem sobre o número de conjuntos de canas e carretos que cada um deve trazer de casa, para que possamos estar sempre em condições de partilhar o peixe que nesse dia está por baixo do barco. Nada pior que sentirmos que os nossos colegas não estão a ser capazes de tirar partido dos stocks de peixe que encontramos, por não estarem equipados. 
No meu caso, é muito raro que a saída de pesca não inclua pelo menos três a quatro conjuntos de canas, pois o jigging, o spinning e o Light Rock Fishing são presença constante das minhas opções. 
E relativamente a locais de pesca, ter um plano base, sim, mas estar sempre pronto a alterá-lo se algo surgir que valha a pena ser investigado. 
Por isso, olhos bem abertos, e muita vontade de perceber o que se está a passar.

 

O trabalho que dá pescar um peixe grande não é muito superior a um peixe mais pequeno, as operações são basicamente as mesmas, o resto é apenas ter um pouco mais de paciência, dar um pouco mais de tempo. Podemos acreditar que existem peixes de tamanho respeitável quando as condições de mar são as melhores. Refiro-me não a mar calmo, isso é absolutamente irrelevante, o peixe não tem medo do mar revolto, mas sim à presença de comedia, de isca, algo que obrigue os peixes mais velhos, mais pesados, a estarem ali. 
Se temos uma enorme arribada de caranguejo pilado, ou cardumes compactos de sardinha, carapau miúdo, biqueirão, cavala, etc, de certeza há algo mais.
Então podemos pensar que por defeito, os peixes que se alimentam destas miudezas estarão a rondar as imediações. E como perceber isso? Como podemos ter a percepção de que existe alguma isca miúda por baixo?
Nada mais simples: a sonda dá-nos essa informação de forma muito clara. As manchas de peixe aparecem-nos bem marcadas no ecrã, e basta-nos saber decifrar aquilo que estamos a ver, para sabermos o que vai a passar lá em baixo. 
Mas se não confiamos nesse instrumento, se a máquina é fraca, então que saibamos ler o mar de acordo com os métodos ancestrais, aquilo que os nossos marinheiros faziam quando não havia sondas.
Eles, que trabalhavam sem instrumentação de apoio, tinham de tomar decisões baseados no seu instinto. Como pontos base, o necessitarem de lançar onde havia peixe, e nunca por nunca deixarem prender as redes. Eles sabiam que largar as redes directamente sobre as pedras era hipotecarem o seu meio de sustento durante dias e dias. Coser redes é trabalho árduo. 
Por isso, faziam os lances de forma a bordejar a pedra apenas, não deixando chegar a rede ao encalhe. Se querem o termo técnico que utilizavam, era este: “lançar a rede ao fiel da pedra”, ou seja, deixar o aparelho trabalhar nas laterais, no enfiamento, sem tocar na rocha. 
Eu ainda hoje sigo ensinamentos passados por gente desse tempo, e acreditem que me são particularmente úteis. Pese embora os meios sejam outros, e com nítida vantagem nossa, os princípios que eram válidos há 90 anos, são ainda bastante válidos hoje.
A maior diferença que noto é a nossa infinitamente maior capacidade de actuar sobre os locais onde está o peixe. Os GPS, as sondas, dão-nos uma tremenda vantagem sobre aquela gente toda. 
Eles tinham as suas marcas, os Segredos, a Pedra dos Três Lances, a Caracola, a Alfadiga, e tanta marca que, passadas dezenas de anos, continuam a ser pontos quentes na localização de peixe. Porque apresentam condições naturais de habitat que atraem as espécies. E que por isso nos interessam a nós, pescadores. 
Mas também sabiam adivinhar se poderia estar a acontecer algo que permitisse encher os porões antes de chegarem às suas marcas. E isso era feito observando as aves, os golfinhos, a actividade dos peixes à superfície, etc. 
Vejam aqui o aspecto de um cardume de cavala à superfície, por exemplo:  



Quando o peixe borbulha à superfície, está a dar-nos um sinal… Ou tem comida a flutuar, eventualmente desovas de outros peixes, ou… tem predadores por baixo. 

 
Vejo muitas pessoas largarem dos portos e seguirem com um ponto fixo em mente. Aconteça aquilo que acontecer, vão direitos às suas marcas habituais, e não alteram o rumo. 
Se a zona é boa, se tem peixe suficiente, não me parece mal. Mas quantas vezes se vai procurar algo a uma zona onde não está nada, por ter havido uma deslocação provocada pelo súbito aparecimento de algo que interessa a todos os peixes. E que os faz sair da sua zona habitual. Quantas vezes isso me acontece…
Na Primavera passada, tivemos na zona da baía onde pesco, Sesimbra, Sines, Setúbal, uma chegada de sardinha petinga, com os seus 6 a 7 cm de tamanho médio, e que veio baralhar tudo o que eram marcas de pesca fixas. Aquilo que aconteceu foi que o peixe seguiu essas manchas de comedia, e chegou a locais onde normalmente não chega. As anchovas, os lírios, os sargos, os robalos, os sarrajões, todos eles andavam enlouquecidos pela abundância de comedia. E obviamente saíram dos seus postos de caça habituais. Por isso, teremos de ser um pouco mais flexíveis e saber entender os sinais que o mar nos dá. 


 
Muitas vezes saio com um objectivo em mente e ao chegar ao local sou forçado a alterar os planos. Ou porque tenho muito vento, e o barco deriva demasiado, ou porque não tenho vento nenhum, e sinto as limitações de estar a lançar jigs num ponto único, sem deriva. Tenho para mim que esta segunda opção é pior, pelo que significa de inactividade dos predadores. 
O peixe precisa da corrente para comer. Se as águas estão paradas, se não correm, abranda a sua actividade e espera. Isso deixa-nos quase sem recursos técnicos para os motivarmos a morder. 
Uma solução que utilizo frequentemente nestes casos é a de baixar o tamanho e peso da amostra, ou do jig. Resulta. 
É uma forma de obviar à falta de movimentação que habitualmente existe, provocada pela movimentação das marés e pelos quase sempre presentes ventos. Se não nos movemos, dificilmente teremos peixe activo. 
Se juntarmos a isso um período de estofo da maré, então a única solução é mesmo dar ao motor, com todos os inconvenientes que isso acarreta em termos de desconfiança do peixe. O motor faz barulho. Quando fecham a boca ...não os pescamos. 
Quando desconfiam, basta-lhes não comer. Em pesqueiros baixos, o ruído do motor não ajuda mesmo nada. Eu pesco peixes com o motor ligado, mas noto que tudo melhora passados alguns minutos após  tê-lo desligado. O peixe volta ao seu ritmo natural, à sua rotina de vida, e isso favorece-nos.  
Com excepção de locais de passagem regular de embarcações, em que o peixe desvaloriza por habituação e ausência de alternativa, todas as outras situações requerem o maior sigilo possível. 
As saídas de portos, passagens em canais estreitos, entradas de barra, etc, são pontos onde o barulho dos motores é algo que faz parte do ruído ambiente regular. Mas se o pudermos evitar tanto melhor. 
Nestas alturas de mar mais calmo, em que as condições para praticar jigging são menos boas, há algo que podemos fazer: sondar novas pedras, ou encostar aos cardumes que afloram a superfície, e tentar a sorte. 
Quantas vezes já encontrei robalos, os lírios, os sarrajões, a guardar as cavalas, a alguns metros da superfície. Se as notamos nervosas, se pontualmente algumas delas saltam espavoridas, isso quase sempre quer dizer que há algo hostil por baixo. 
E não sendo “mais cavalas”, …interessa sempre.    

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