Tenho para mim que 99 em 100 dos nossos melhores pescadores desportivos, os mais consagrados, serão incapazes de nos explicar em termos técnicos o que é uma onda.
Se virarmos agulha para a gente do mar, para os profissionais que trabalham todos os dias em cima das ondas, idem idem aspas aspas…..não serão capazes de fazer mais que sorrir, e dizer que sabem o que é, mas não sabem explicar como se forma, nem como rebenta na praia.
O blog peixepelobeicinho é, sempre o disse, mais que um simples expositor de peixes mortos dentro de um balde. Sentimos a responsabilidade da formação, do passar conhecimento, e isso abarca temas tão variados quanto a biologia marinha, os nossos peixes, o seu alimento, as amostras, as canas e carretos, as linhas, as luas, a pressão atmosférica, e tudo aquilo que envolve a pesca e o mar.
Hoje, e porque me parece suficientemente mal que as pessoas não sejam capazes de explicar porque rebentam na praia as ondas onde fazem o seu surfcasting, vamos abordar o tema.
Venham daí por algo que pode ser mais complexo do que julgam numa primeira abordagem…
Todos sabemos que ao passarmos manteiga no pão, a pressão que exercemos sobre esta torna-a mais macia, mais fácil de barrar. O processo é de tal forma simples que nem nos ocorre questionar a razão pela qual isso de facto acontece. Simplesmente é assim. Desde miúdos nos habituámos a retirar um pouco de manteiga da embalagem, a passar sobre o pão e a exercer força, aplicar peso, com a faca num determinado ângulo, de forma a ficar mais fácil cobrir a fatia de pão de forma uniforme.
Se isso acontece com algo que nos é tão próximo, tão quotidiano, e nem reparamos, porque razão haveríamos nós de saber algo mais sobre as ondas?! Afinal de contas, não as vemos e sentimos todos os dias?
Pois, ….
Posso garantir-vos que a razão pela qual a manteiga fica menos espessa, mais macia, é algo que na prática uma criança leva poucos segundos a aprender a fazer, mas em termos científicos, pode levar dias a explicar. As razões são bem mais complexas do que aquilo que vos parece. É mesmo trabalho para muitas dezenas de horas, milhares de cálculos matemáticos, e é conhecimento restrito a meia dúzia de pessoas no nosso planeta.
Hoje, no blog, …as ondas.
As ondas que vale a pena entender são aquelas que rebentam à nossa frente. Quando ainda estão longe da praia, pouco mais fazem que elevar o nosso barco, e passar.
Sentimo-las porque nos movem as linhas, empurram-nas se entram lateralmente, fazem-nos baixar e subir as canas, caso estejamos a pescar vertical. Incomodam, mas não são questionadas.
É assim, sempre foi assim, e habituámo-nos a isso.
As ondas que chegam à praia, as que fazem espuma em frente aos nossos olhos, para além de oxigenarem as águas também proporcionam aos nossos caçadores de águas turbulentas, a possibilidade de se esconderem, de chegarem mais facilmente às suas presas sem ser vistos. Interessam aos nossos queridos robalos, e por consequência, interessam-nos a nós. Na foto acima, um mar parado, sem ondas, terá seguramente menos robalos activos no bordo que na primeira foto, onde o mar bate forte.
É aí, onde os peixes têm de lutar contra as correntes e vagas, que os robalos caçam.
Temos a considerar dois aspectos diferentes: a camuflagem acrescida que a turbulência das águas lhe dá, e também o facto de existir nessa zona de mar uma quantidade de oxigénio acrescida, a permitir esforços físicos de nível superior.
O robalo sente-se como peixe na água em condições duras, difíceis.
As ondas que não rebentam são, por este motivo, muito pouco interessantes. As outras não pelo contrário, fazem acontecer coisas.
Tudo começa por uma onda que rebenta. Aquilo que chamamos de swell.
O pessoal do surf vive destas ondas, e aqueles que pescam na modalidade de surfcasting também. Temo-las com meia dúzia de centímetros, mas também as podemos ter, por exemplo no caso da Nazaré, com cerca de 30 metros.
As ondas são algo que os nossos marinheiros conhecem bem, cavalgam nelas toda a sua vida, sofrem com elas, e morrem por causa delas. Para essa gente, as ondas não fazem falta nenhuma, são tão desnecessárias quanto termos inundações no nosso escritório.
Se temos vento offshore, há boas possibilidades de acontecerem ondas bem formadas, os famosos tubos que tão bem servem os surfistas. Começam a enrolar bem longe, e são muito regulares, pois a sua direcção é paralela à linha de costa. Estas ondas passam acima de uma coluna de água bastante alta, e resultam de algo que foi iniciado muito longe. No caso da costa portuguesa, pois digo-vos que quase sempre do outro lado do oceano Atlântico, na zona do famoso Triângulo das Bermudas. Zona de grandes diferenças de pressão atmosférica, produzem ventos e estes, ao soprarem forte, deformam a superfície da água, alterando o seu equilíbrio, o seu nível de ponto zero.
A persistência destes ventos leva a que se formem vagas, e ondas que caminham numa determinada direcção. As nossas ondas entram sobretudo de noroeste, e estamos bem habituados a isso, os nossos portos e marinas são construídos em baías naturais abrigadas destes ventos dominantes.
Voltando à questão das ondas que chegam à praia, digo-vos que o peso da onda que nos chega é suportado pela água que está por baixo. E até aí, tudo bem, a onda não rebenta.
Ao aproximar-se da costa, o fundo fica cada vez mais próximo dessa onda, e a dada altura, a distância já é muito curta. A baixa profundidade começa a colocar um problema à água que se desloca segundo um padrão vertical, e já não tem altura suficiente.
O processo começa a tornar-se cada vez mais instável, à media que a profundidade tende para zero. Aquilo que nós observamos ao longe, quando a onda começa a rebentar e a fazer espuma, não é mais do que o momento em que a onda já não tem sustentação suficiente para se manter à mesma velocidade, a seguir o seu caminho.
E o que acontece então?!
Acontece que a altura da onda já é superior à altura do fundo.
E isso não permite a manutenção desse movimento, desse caminho. Desde logo porque o peso da massa de água é demasiado para ser suportado por uma pequena quantidade de líquido que permanece no fundo. E começa aí a rebentação, ou seja, a onda começa a ser atrasada no fundo, por atrito, enquanto que a sua parte superior avança, como se nada fosse. E se há duas velocidades aplicadas sobre um mesmo plano de água, a mais lenta fica para trás, e a mais rápida avança mais depressa. Certo?!
Isso quer dizer o quê? Que temos rebentação, que temos água que se deslocava numa direcção, mas que fica “partida” a meio, Parte fica para trás, a outra parte avança e cai com toda a energia que trazia anteriormente.
Ou seja, rebenta, faz espuma, e levanta areia do fundo, arrasta-a.
A espuma não é mais que a quantidade máxima de oxigénio que essa porção de água consegue suportar, a mistura de ar e água atinge aí valores máximos, e aparece-nos a branco. Conhecemos isso bem, estamos tão habituados a ver a espuma das ondas quanto a barrar manteiga no pão.
A velocidade a que a água se desloca depende dos ventos e da sua força. Em dias de mar forte, pode ser mesmo muto alta. E isso quer dizer que esta parede de água irá continuar o seu caminho até que algo a detenha. Pode ser a areia da praia, um travão altamente eficaz porquanto cada um dos grãos de areia amortece um pouco a deslocação da massa de água, ou pode ser uma “parede fixa”, aquilo que estamos
habituados a ver fazer às rochas da nossa costa.
Toda a energia que a onda traz consigo, é dissipada nesse momento, quando a onda rebenta.
Pode acontecer mais próximo da costa ou mais longe, dependendo da altura da onda, da sua velocidade, e da altura do fundo.
A seguir, cada um irá dar-lhe, a este movimento de águas, a utilidade que mais lhe convém.
Os surfistas da Ericeira irão cavalgar nas ondas e divertir-se muito a acompanhá-las no seu movimento de aproximação à costa. Fazem-no por puro prazer, sem mais interesse que não o movimento das águas à superfície.
Mas há quem leve as ondas mais a sério, porque precisa delas para poder sobreviver: os nossos robalos…
Quanto mais fortes estão as ondas, mais interesse despertam. O impacto das ondas sobre as rochas liberta alimento, todos aqueles animais que vivem acoplados às rochas, nomeadamente as cracas, as lapas, os mexilhões, os perceves, os burriés, as minhocas, etc, etc. Para todos esses, cuja vida pacata depende da estabilidade do mar, cada dia de mar agitado é mais um dia de enorme sacrifício.
Porque significa que vão ter de lutar pela vida, de novo.
Os robalos, esses irão estar à espera que o temporal acalme, e vão aparecer no momento certo, quando os pequenos animais de que se alimentam ainda não tiveram tempo para se recomporem, ainda não conseguiram voltar a esconder-se.
As ondas fazem falta, há quem se alimente a partir do seu movimento.
O assunto não se esgota aqui, digo-vos que haveria muito mais a dizer, mas o compromisso são 5 minutos de leitura. Bem recebo críticas de que os textos são muitos extensos, que levam muito tempo a ler.
Os tempos de redes sociais que vivemos são para uma foto e uma frase. Não creio que tenha capacidade intelectual suficiente para resumir o que aqui foi dito numa simples frase.
Desculpem….
Espero que tenham gostado deste trabalho.