Ocorre-me este tema porque o tratei com o meu amigo Carlos Campos há dias. Numa das minhas saídas de jigging, um peixe bateu bem forte, a cana dobrou bem, e cerca de 6 metros de linha saíram do carreto. E a seguir, … nada.
Fiquei a pensar que poderia ser mais uma das douradas XXL que estavam entretidas a dar pancada nos meus jigs.
Na altura desvalorizei o assunto, afinal de contas não foi nem será o último peixe que morde e acaba por escapar, por esta ou aquela razão.
Nem sempre estamos concentrados a 100%, nem sempre teremos a mão suficientemente firme, em tensão, para fazer com que a picada seja efectiva, que o peixe se espete nos anzóis.
Recordo-me que na altura tentei ferrar, mas que o tempo que tive foi apenas para constatar que teria saído alguma linha, sempre bom sinal, mas logo a seguir, a tensão desapareceu, a cana voltou ao seu ponto zero, e eu continuei a pescar.
Nestes casos, deve sempre tentar-se uma vez mais, dando ao peixe a possibilidade de voltar a atacar a peça metálica de novo. Por diversas razões:
- O peixe falhou o ataque e pode querer rectificar, mordendo desta vez mais forte.
- O peixe falhou mas não se picou nos anzóis e está ainda convicto de que aquilo que tem à sua frente a brilhar é mesmo uma presa moribunda.
- O peixe está de tal forma excitado que tem ainda enervamento suficiente para perseguir a presa.
- O peixe não vai voltar a tentar, percebeu que aquilo em que mordeu é um logro, a consistência é completamente anormal relativamente ao seu padrão de presas habituais, mas não está sozinho, e outro peixe, também ele debaixo de uma enorme excitação, quer tentar a presa para ele.
Em suma, há sempre razões para carregar no botão que liberta linha, deixar cair, e voltar a passar no mesmo nível de água. Em termos técnicos, um peixe que vê afundar aquela coisa brilhante e volta a vê-la subir em poucos segundos, e passar à sua mercê, pode perfeitamente querer repetir a tentativa de a engolir, de voltar a ferrar o dente.
Neste caso isso não aconteceu.
Os dentes deste pargo capatão são bem visíveis. Mas o seu afastamento não excede 15 mm, nada tem a ver com o pargo que tive na linha… |
Não considerei demasiado importante olhar para o jig, convicto estava de que poderia ter sido uma dourada, e elas têm dentes rombos que as defendem da penetração dos nossos anzóis.
Ficam, mas não ficam todas, apenas aquelas que têm o azar de as pontas metálicas penetrarem na carne, ao lado dos dentes. Sem dúvida o melhor lugar são mesmo as comissuras dos maxilares, onde a pele grossa e o músculo resistente garantem uma fixação definitiva.
Não foi o caso, continuei a pescar e ao fim da tarde, conforme faço sempre, fui tratar de lavar todos os equipamentos. Nunca deixo, em circunstancia alguma, ficar carretos, linhas, canas, e também os jigs, por lavar.
Devo isso a mim próprio, o cuidar de material que no dia seguinte quero que me sirva bem, de novo. Os peixes grandes que faço, são o resultado de muito investimento, não só na compra, mas também de tempo e carinho pelos meus materiais.
Para além disso, retiro os 2 metros de fluorocarbono, substituo por outra linha nova, no sentido de garantir que o próximo peixe grande não terá a vida facilitada, não vai partir a linha porque esta teria um corte que eu não vi, ou um desgaste acumulado na zona dos nós, etc. O dia de pesca começa cedo, e só acaba quando o material está pronto a sair. Ainda que seja isso aconteça no dia seguinte, o que faço com muita regularidade.
Nada como uma cana macia, para nos garantir que o peixe não vai embora… |
Ao passar por água doce o jig que levou a pancada forte, constatei que tinha dois furos, separados por cerca de 4 cm de distância. Virei a peça, e reparei que no outro lado, a pressão exercida teria sido igual. E isso não é feito por muitos peixes da nossa “praça”….
As marcas indicavam um peixe com caninos bem afastados, a distância de 35mm já não é acessível a qualquer peixe, e tenho muito poucas dúvidas de que se tratou de um pargo capatão de boas dimensões.
Sou levado a supor que a dentada terá ocorrido a meio da peça de chumbo, precisamente a meio, sem chegar a tocar quer no assiste de cabeça, quer no triplo de cauda.
O peixe mordeu forte, levou a peça na boca durante dois a três segundos, e largou.
As possibilidades que temos nestes casos não são muitas, apenas de pode esperar que estes pargos se cravem nas afiadas pontas metálicas, pelo menos até à barbela de uma delas, e então sim, passa a depender de nós.
Convém fazer aqui um parêntesis: a boca de um pargo de 10kg, nada tem a ver com a boca de um pargo de 1 kg, em termos de dureza. Os ossos são muito mais consistentes, os dentes bem maiores, e a força da dentada exponencialmente superior. Os pargos miúdos têm menos poder, mas mordem com o mesmo entusiasmo, ou até mais, e definitivamente têm a boca muito mais frágil, mais macia, e por isso, espetam melhor.
Os jigs são feitos em chumbo macio, e neste caso, a aplicação do triplo funcionou contra mim. Mas poderia até nem sequer fazer muita diferença a aplicação de assistes duplos, a dentada foi efectuada mesmo a meio. Poderia perfeitamente acontecer que nem com assistes de anzóis simples tivesse tido mais sorte.
O que me parece de registar é o afastamento das marcas, e isso indica que vou ter lá voltar, porque este peixe pode voltar a querer medir forças….
Neste caso, os dois assistes de cabeça fizeram bem o seu trabalho, estavam ambos muito bem cravados, bem fundo, no maxilar superior. Mas este era um parguinho pequenino, o outro não, era…grande! |
Sabemos que a maioria dos pargos que nos aparecem nos jigs terão menos de 5 kgs de peso. Quem nos dera que assim não fosse, que tudo aquilo que ferramos fosse de pesos superiores a 15 kgs, mas essa não é a realidade nacional, e por isso temos de nos contentar com o que há.
Ainda assim, devemos estar preparados com peças que suportem elevadas tensões de carga, e, no meu caso, pelo menos um dos anzóis terá sempre de prever o aparecimento de um peixe de tamanho extra. Posso condescender, em algumas alturas do ano, com a utilização de triplos na cauda. Sei que não são o melhor para pargos muito grandes, mas o assiste de cabeça, esse garantidamente será capaz de suportar uma luta rija, com qualquer um dos bons pargos das nossas águas.
Porque pesco com canas com ponteiras parabólicas, estou muito mais à vontade para trabalhar o peixe sem correr riscos de desferragem, para além de que posso utilizar tamanhos de anzóis um pouco mais pequenos.
A utilizar canas muto duras, teria forçosamente de subir o número do anzol, para um ou dois tamanhos acima.
Nada pior que trabalhar um peixe até perto do barco, e acabar por o perder porque a prisão não foi a suficiente. Já nos bastam os peixes que vão embora porque cravaram numa fina pele apenas.
A esses, nunca poderemos fazer nada, é a mãe natureza que os protege, mas os outros sim, aqueles que ferram bem, que saiam da água e que nos deem alguma alegria.
O tempo é para bicas e pargos das Canárias. Vamos ter muitos nos próximos meses. Também os sarrajões andam por aí, desvairados a comer peixinhos pequenos. |
Não precisamos de fazer muitos peixes por dia para nos divertirmos. As nossas pedras são umas mãos largas a darem-nos possibilidades de pesca e satisfação.
Há peixe, as possibilidades não são infinitas, mas são as suficientes para que ao fim da manhã tenhamos o suficiente para a família.
Um parguinho no forno, e mais alguns para oferecermos aos amigos e temos o dia feito.
Boas pescas para todos vós.
Vitor Ganchinho