ALGUMAS CURIOSIDADES SOBRE A VIDA DOS ROBALOS

Quando as pessoas falam sobre robalos, estão a definir um peixe muito preciso, e a ideia que fica é que há sargos, há pargos e há um robalo.
Não há um só robalo.
Nós sabemos que na nossa costa é fácil encontrar duas espécies diferentes, o robalo Dicentrarchus labrax, o mais comum, e a baila, ou varia, o nosso robalinho de pintas pretas, de seu nome Dicentrarchus punctatus.
Mas serão só essas as que existem? Não, de facto existem muitas outras variedades. Parece-me interessante dar uma volta por este tema, para que tenhamos uma ideia mais abrangente daquilo que estamos a tratar, quando falamos desta espécie.
O nosso maior robalo, o Dicentrarchus labrax, faz parte de uma família muito maior de espécies de peixes do tipo robalo: os Perciformes ou Perch-likes. Esta ordem é composta por 156 famílias, sendo a sua maioria peixes marinhos que vivem em áreas costeiras.
O “nosso” robalo faz parte da família Moronidae. A família Moronidae conta com seis espécies, divididas em dois géneros.
Existe o género Morone que compreende a perca branca (Morone americana), o robalo branco ou robalo (Morone chrysops), o robalo amarelo ou barfish (Morone mississippiensis) e o robalo listrado ou striper (Morone saxatilis).
O robalo-branco e o robalo-amarelo são espécies de água doce, a perca-branca privilegia as águas salobras (mas também se encontra nas zonas de água doce e costeira) e o robalo riscado migra entre a água doce e a salgada.


O robalo é um dos peixes que mais me motiva, por exigir de mim um conhecimento muito profundo dos seus hábitos e necessidades.


O outro género da família Moronidae é o ramo Dicentrarchus. O nome Dicentrarchus deriva da presença de duas barbatanas dorsais, enquanto muitas outras espécies diferentes de robalo têm apenas uma barbatana dorsal.
Neste género temos o robalo-europeu (Dicentrarchus labrax) e o robalo-pintado (Dicentrarchus punctatus). Ambas as espécies passam a maior parte da vida no mar, mas também podem ser encontradas em estuários devido ao facto de serem resistentes a baixos níveis de sais dissolvidos na água.
Há pouco espaço para confusão entre as duas espécies de Dicentrarchus. O robalo malhado, ou baila, tem uma mancha preta distinta na cobertura branquial e pontos pretos irregulares espalhados por todo o corpo; especialmente nos peixes adultos.
O robalo europeu juvenil pode ser confundido com a baila, o seu parente malhado. Isso porque os juvenis (até 10 cm) às vezes também apresentam manchas pretas no dorso e nas laterais. Outras diferenças entre os labrax e os punctatus são o comprimento máximo e sua distribuição no plano de água.
O robalo-europeu pode atingir cerca de um metro de comprimento máximo, enquanto o seu parente malhado não passa dos 70 cm. Poderão pensar que as bailas nunca serão demasiado grandes, mas eu já as vi pescar às dúzias acima de 2 kgs, no recife da ponta das Almadias, a sul de N`gor, no Senegal.
O robalo não é um peixe de crescimento muito rápido, precisa de alguns anos para atingir um comprimento considerável.
As águas quentes de verão aceleram o seu crescimento e é por isso que nas regiões mais ao sul da Europa atinge a maturidade sexual mais cedo que nos países nórdicos. O frio atrasa-lhes o crescimento.


Uma baila, ou vária. Estes são os parentes mais pequenos do nosso labrax.


Em comparação com muitos outros peixes no Mar do Norte, o robalo é uma espécie de crescimento lento, a sua fase juvenil geralmente dura de quatro a sete anos.
Claro que existem diferenças nas taxas de crescimento entre as diversas estações do ano. Um crescimento mais rápido geralmente ocorre num verão quente, com águas a uma temperatura mais confortável.
Assim, a temperatura é um factor importante e decisivo na taxa de crescimento. Em média, o robalo que nasce nas regiões mais a norte, logo em águas mais frias, cresce mais lentamente.
No momento em que atingem a idade adulta, os machos têm cerca de 35 centímetros de comprimento. As fêmeas da mesma idade são um pouco mais longas e medem cerca de 42 centímetros.
Por exemplo: o comprimento médio de um robalo fêmea de cinco anos no Mediterrâneo é de 54 cm. Para um peixe que vive perto da costa da Bretanha esse valor é de 40 cm, e de apenas 35 cm para um robalo irlandês.
O mesmo vale para um robalo macho de cinco anos. No Mediterrâneo este peixe mede em média 48 cm, perto da Bretanha tem 39 cm e junto à Irlanda chega só aos 33 cm de comprimento (fonte: Fritsch, 2005).




Paralelamente às taxas de crescimento mais rápidas, o robalo em águas mais quentes também atinge a maturidade sexual numa idade mais jovem do que seus parentes do norte.
Nas águas que cercam a Grã-Bretanha e a Irlanda, a fêmea começa a desovar quando tem entre cinco e oito anos de idade e 40-45 cm de comprimento.
O robalo macho é um pouco mais rápido: atinge a maturidade entre os três e seis anos de idade e comprimentos de 31 a 35 cm. Em comparação com seus irmãos e irmãs no Mediterrâneo, isso acontece relativamente tarde.
A mudança climática tem seus efeitos na natureza, muda as regras estabelecidas. Um desses efeitos é o aumento da temperatura da água do mar.
Como vimos acima, águas quentes provocam efeitos de crescimento e maturação sexual mais acelerados. Mas as águas quentes fazem mais: proporcionam movimentações de peixes para zonas onde anteriormente não poderiam viver.
Isso significa que certas espécies de peixes têm agora à sua disposição habitats maiores para ocupar. Um exemplo dessa tendência é o avanço do robalo nas águas norueguesas, anteriormente tão geladas que não permitiam a presença dos nossos labrax.


As águas dos estuários escondem muitos robalos, por serem maternidades naturais para esta espécie.


A área onde o robalo (D. labrax) tradicionalmente vive são as águas da plataforma do Atlântico Nordeste, e vão até ao sul da Noruega, Mar do Norte, Mar da Irlanda, Golfo da Biscaia, Ibéria, Mediterrâneo e do Mar Negro até ao Noroeste de África. Marrocos e Mauritânia têm muitos robalos.
Com a subida da temperatura média da água do mar (tendência detetada pelo nosso IPMA, por exemplo), os robalos começaram a explorar territórios mais a norte. Desde que haja comida e condições de segurança, eles deslocam-se.
Nos últimos anos, o robalo foi localizado em pontos ao longo da costa norueguesa onde nunca tinha sido avistado. Há relatos de peixes desovando em fiordes situados ao sul da Noruega, e alguns estão sendo capturados no alto das Ilhas Lofoten.
A maioria das capturas na Noruega ocorre nos meses de junho a novembro. No entanto, também já há relatos de robalos capturados durante o inverno. Eles estão a avançar para norte!
As temperaturas mais altas da água, especialmente fora dos meses de verão, são a explicação mais óbvia para o avanço dos robalos nas águas costeiras e fiordes noruegueses.
A elevação da temperatura da água leva a uma melhoria das condições de desova, aumento da oferta de alimentos e condições de crescimento mais favoráveis. E embora ainda seja muito cedo para um parecer científico definitivo, dificilmente acontecerá uma regressão destes dados.
Não enquanto a temperatura das águas estiver a aumentar.




Daqui a algumas semanas iremos entrar no período da Primavera.
É nesta época que muitos peixes iniciam os seus trabalhos de reprodução. Nos países nórdicos isso também acontece com o robalo. Mas em regiões mais a sul, onde Portugal se inclui, a desova já ocorreu. Os nossos robalos, tradicionalmente desovam de Dezembro a Fevereiro.
Nós temos um período de desova mais precoce que os países nórdicos, devido à superior temperatura das nossas águas. Nos países nórdicos, o robalo começa a desovar quando a temperatura da água do mar atinge a faixa de 8,5 a 11° C. Ou seja, para nós isso seriam águas muito frias, mas em países da Europa do norte, isso é o melhor que eles conseguem ter. Essa dependência da temperatura faz com que os peixes nos países mais a sul, Portugal e Espanha, produzam descendência mais cedo do que os robalos das águas mais a norte.
Isso significa que quando os robalos nórdicos começam a desovar, já os nossos peixes a sul estão despachados da fase reprodutiva, já deram vida a uma nova geração de Dicentrarchus labrax, e podem então concentrar-se na alimentação e no crescimento. Por isso nós pescamos tantos robalos nos meses de Março e Abril. É a fase em que eles estão a recuperar do esforço da desova de Janeiro e Fevereiro, e comem tudo o que podem. E por isso se lançam sobre as nossas amostras.
Já por exemplo a maioria dos pescadores holandeses mal pode esperar pelo retorno do Dicentrarchus labrax ao Mar do Norte e ao Mar de Wadden em …Abril, Maio e Junho.
Ou seja, um pouco mais tarde que aquilo que acontece connosco em Portugal.


As minhas pescas típicas de Primavera.


Vamos agora ver onde os peixes se refugiam quando têm águas muito frias, onde ficam durante o período de inverno.
O robalo desloca-se para lugares mais profundos e quentes durante o inverno. Já aqui vos falei das famosas termoclinas, as faixas de água quente que ocorrem tanto de Verão como de Inverno, por razões diversas.
Os robalos seguem-nas para seu proveito próprio. Se a água de Inverno está fria, afastam-se da costa, e descem até encontrar águas que não estejam afectadas pelas geadas, pelo frio das noites.
No Verão, o inverso. Irão procurar águas mais quentes, e essas estarão situadas perto da superfície, onde estão a aquecer durante todo o dia de sol.
Nesta época em que estamos os peixes fogem da temperatura mais fria da água perto da costa, e vão para os fundões do largo.
Na maioria das vezes, os robalos não vão para muito longe, e isso depende tão só do relevo da costa. Temos zonas com plataforma baixa, e outras com declives muito profundos. O afastamento é sempre relativo ao perfil do fundo, e é determinado pelo nível a que as termoclinas se encontram. Desde que a temperatura satisfaça, está bem, até porque pontualmente eles terão de se deslocar a zonas próximas da costa, para se alimentar.




Os robalos juvenis, principalmente peixes até os quatro ou cinco anos de idade, permanecem em águas mais profundas durante todo o inverno. As suas reservas de gordura não são muitas, e por isso sofrem mais que os robalos adultos.
A partir da idade mencionada, com mais peso e mais condições para enfrentar o frio, o robalo começa a migrar a maiores distâncias maiores. Nesta fase já assume o comportamento migratório dos peixes adultos.
É muito curioso constatar que a tendência actual aponta para um tipo de migração diferente, em que os robalos adultos cada vez mais parecem nem migram para águas mais profundas durante o inverno.
Pensa-se que esses peixes ficam dentro ou perto da foz dos rios, de preferência nas proximidades de saídas de água quente das fábricas. Ou seja, as águas em que nunca poderiam estar, por serem as primeiras a arrefecer, leia-se as águas mais rasas dos estuários, acabam, por acção do homem, por ser as escolhidas para a sua permanência de Inverno. Em Setúbal isso acontece, por exemplo, na Central Termo-eléctrica do Sado.
Se pensarem bem, acaba por ser lógico: o estuário tem águas baixas, que arrefecem muito nas noites frias de Inverno. Mas também tem muitas toneladas de comida, muitos seres vivos que evoluem dentro das águas do rio, e estão disponíveis para ser comidos por quem os pode caçar.
Assim sendo, e anulada que é a obrigatoriedade de fuga para águas mais quentes, ….tudo está perfeito. Por isso se pescam robalos no rio, quando a tendência natural seria a de eles não estarem lá.
E assim sendo, muitos dos robalos vendidos no mercado são peixes capturados pelos tresmalhos dos pescadores locais, que os capturam em águas baixas, quando a realidade mais provável seria a de apenas os conseguirem bem longe da costa.

Espero que tenham gostado.



Vítor Ganchinho



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