Se temos um pargo de bom tamanho na linha, é de bom tom que um colega se ofereça para colocar o enchalavar por baixo, para evitar um sempre desolador acidente de fuga.
Nada nos deixa mais decepcionados que esperar uma manhã inteira por um bom peixe, e finalmente, ao conseguirmos a dita picada, acabarmos por o perder de forma inglória.
Por isso, ter a ajuda de um amigo naquele instante crítico pode ser decisivo.
Mas quantos de nós já tiveram de pedir a cinco pessoas para ajudarem a meter o seu peixe dentro do barco?
Quantos já foram obrigados a vir com parte do peixe de fora, por não caber na embarcação?
Isso pode acontecer em paragens como o Senegal, onde os DCP`s colocados ao largo continuam a atrair os grandes gigantes do azul.
Marlins, atuns, tubarões, todos vão reclamar a sua parte junto destes dispositivos, aproveitando a riqueza de vida que se instala.
É toda uma cadeia alimentar, que começa em pequenos microorganismos, fitoplâncton, zooplâncton, e daí para cima, em degraus que sobem até chegarem a nós, humanos.
Os atuns estão num patamar bem elevado, e são protagonistas de lutas épicas, de muitas horas.
Quando por fim denotam sinais de fadiga, e encostam ao barco, começa um processo que tem tudo de difícil, e que algumas vezes deita a perder muito do esforço até aí feito.
Hoje vamos olhar à forma de fazer os últimos metros de recuperação de linha, quando temos um atum de bom porte no nosso anzol.
Quando se pescam peixes grandes, a questão não é propriamente quem recupera linha, quem o ferra, quem enrola nylon no carreto, ou sequer quem o mete dentro do barco. Porque uma pessoa sozinha pouco pode contra um destes mastodontes. Por isso, é de trabalho de equipa que falamos.
Sabemos das reacções destes peixes e uma delas são as características voltas que dão por baixo do barco. Mesmo que muito fatigados, acabam sempre por o fazer.
É no momento em que um dos elementos da tripulação consegue tocar o leader, normalmente em nylon grosso, uma linha de 1,5 mm a 2mm de diâmetro, por aí, que o trabalho de recuperação começa.
Após as intermináveis voltas, com o leader sempre sujeito por alguém com luvas nas mãos porque aqui não há lugar a amadorismos, temos finalmente o peixe encostado. Nessa altura, alguém passa um cabo pela cauda do peixe, de forma a limitar a sua capacidade de reacção, e também a prevenir qualquer possível desferragem.
A partir desse momento, já será muito difícil que algo de ruim aconteça. Enquanto que o atum procura reunir as poucas forças que lhe restam, os homens que o sujeitam ganham ânimo, e entre todos acabarão por conseguir içar a peça.
Depois de conseguirmos passar um cabo pela boca, a passar às branquias, a entrada do peixe passa a ser uma questão de tempo. O peso é muito, e não creio que uma só pessoa tenha força suficiente para o levantar da água. Estes peixes podem atingir os 600 kgs de peso.
É verdade que deslizam sobre o seu próprio muco, mas ainda assim o peso é tremendo. É trabalho para todos aqueles que, estando a bordo, podem ajudar com a sua quota de força.
E nestes casos, depois de uma luta que durou horas, toda a gente vai querer ajudar.
Segue-se o transporte do peixe a terra, onde será cortado em troços, e dividido pelos vários intervenientes.
Não será a parte mais difícil, já que o atum não levanta grandes problemas a uma faca bem afiada.
Passo-vos algumas imagens, para que tenham a ideia do quanto pode ser diferente executar esta operação, se comparada com aquilo que fazemos aos nossos robalos.
Recordo-me de um atum que pesquei que teria cerca de 80 kgs. No fim de tudo, fiquei com um troço de 2 kgs para mim, para um sushi em família.
O restante foi oferecido aos transeuntes, pessoas que passavam e mostravam curiosidade pelos “trabalhos”.
Não faz sentido congelar peixe que deve ser consumido em fresco.
Aquilo que fica destas aventuras não é a carne do peixe, é o lance, é a emoção, a memória de uma luta que pode ser muito dura.
Durante alguns dias lembramo-nos do peixe. Sobretudo quando nos levantamos de uma cadeira, quando escovamos os dentes, em suma sempre que movemos as costas e os braços. As marcas de esforço perduram nos nossos músculos, e por isso eu tenho amigos que me dizem: “ Vitor, se acho que têm mais de 50 kgs, ….corto a linha!”….
Há muita gente que não tem vontade nenhuma de travar um combate acima das duas horas, e alguns destes peixes, acima dos 300 / 400 kgs, precisam de muito mais que isso.
A cada um a sua receita, e se querem a minha opinião é esta: ninguém perde por experimentar a lutar contra um peixe que, força por força, é muito mais forte que nós.
Não podemos sequer comparar a diferença de capacidade de desenvolver força bruta. Mas nós temos um cérebro maior, e isso pode fazer com que o peixe acabe por ser vencido.
A inteligência vence a força, …quase sempre.
Vítor Ganchinho
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