O tema que vos trago hoje prende-se com a necessidade de sabermos entender a razão que leva os robalos a mudar de habitat, em função da época do ano.
Recebo por vezes lamentos de pessoas que me dizem: "Vitor, eu estive durante semanas a pescar uns peixes bonitos, e de repente, sumiu tudo, deixei de ter um único toque"...
Vamos ver algumas das razões que levam os robalos a “aparecer e a desaparecer”, como se eles pudessem evaporar-se sem deixar rasto. Eles não desaparecem, apenas mudam de lugar e de estratégia.
Aquilo que resultava até uma determinada altura deixa de resultar, porque os peixes já lá não estão. Vamos ver o porquê.
Raul Gil Durá, a pescar com vinis, dentro de um riacho. Aos robalos, pois então! |
Embora o robalo seja predominantemente um peixe de mar, também, em determinados períodos do ano, é possível encontrar o nosso robalo, Dicentrarchus labrax, em água doce. Já aqui vos dei alguns exemplos disso.
Em alguns pontos da costa, os rios desaguam para o mar e isso são portas abertas, são portas de entrada para um admirável mundo novo. Um predador tão qualificado e poderoso quanto o robalo, encontra em espaços de largura e profundidade limitados um cenário óptimo para aplicar as suas estratégias de caça. Peixinhos de rio, inocentes na sua fragilidade de alevins, dificilmente podem fazer frente a um predador implacável com tantas armas à disposição.
O robalo tem uma alta tolerância a mudanças de salinidade, e daí a sua perfeita adaptação a qualquer tipo de ambiente aquático. É de resto nos estuários que a maior parte das larvas de robalo se desenvolvem.
Após a desova, normalmente feita no mar, (mas nunca demasiado longe dos rios), as crias de robalo entram nos estuários. Aí, num ambiente que lhes favorece o crescimento, sobem até onde podem, eventualmente até riachos estreitos, se os houver.
Entenda-se que têm de o fazer. Se derivam do mar aberto, para elas um ambiente agressivo, para a costa, e para dentro dos rios, é porque quer pelas oportunidades de encontrar alimento, quer por razões de segurança, não podem tomar outra opção. É forçoso que seja assim.
Os robalos juvenis juntam-se em áreas de berçário estuarinas salobras onde normalmente permanecem até ao segundo verão.
Estes habitats protegidos onde os juvenis amadurecem não são, no entanto, puramente salgados ou salobros. São uma mistura de água que varia a sua salinidade em função das marés.
O robalo tem uma elevada tolerância às variações de salinidade: a espécie suporta níveis de sal de 0,5 a 40‰, o que não deixa de ser espantoso!
Especialmente o robalo juvenil, de poucos centímetros, pode lidar muito bem com baixa salinidade. Os robalos jovens habitam águas com 0,24-0,37% de salinidade, onde se alimentam principalmente de zooplâncton.
Esses níveis de sal são tão baixos que a água quase pode ser considerada doce. Assim sendo, não é de estranhar que tantos juvenis de robalo possam ser encontrados regularmente em água doce, especialmente junto da foz dos rios.
Eu já vos disse que se pescam robalos com amostras no Pulo do Lobo, rio Guadiana, perto de Mértola.
Para aqueles que são mais distraídos, e que possam pensar que não é tanto assim, passo-vos um mapa com a localização desse ponto, para que possam ver a enormidade de distância que vai até à costa!
A localização do Pulo do Lobo, em Mértola, com uma foto da queda de água, com cerca de 20 metros de desnível. |
Essas visitas à água doce não se limitam apenas aos juvenis. Os grandes robalos, aqueles que nós procuramos afincadamente, também entram, porque gostam de comida fácil.
O robalo adulto é uma espécie costeira que está habituada a ambientes agrestes, podemos pescá-los na zona de rebentação, onde o mar bate a sério, à volta de afloramentos rochosos que ficam cobertos de espuma branca, mas eles não desdenham de aparecer em águas costeiras rasas, ou mesmo entrar nos rios. Quase todos nós já os pescámos à foz dos rios, onde ainda temos uns laivos de paisagem marinha.
Mas eles também migram bem dentro dos estuários, geralmente nos meses de verão, para comer, e a seguir no pino do Inverno, para desovar.
Os peixes adultos não tendem apenas a ficar em água salgada, também penetram rios acima para se alimentarem e é isso que os retira dos pesqueiros onde os tentamos com as nossas amostras. A dada altura estão lá, e a seguir saem, e deixamos de os conseguir pescar, seja com que amostra for. Estarão a comer em águas interiores, ou a cumprir o seu desígnio de reprodutores, águas acima.
Na verdade, os robalos grandes são máquinas de reprodução. Uma fêmea adulta de robalo carrega de 250.000 a 500.000 ovos por quilo de peso corporal.
Quanto maior o peixe, mais ovos ela produzirá. Dado que o robalo é uma espécie de crescimento lento, as grandes fêmeas adultas desempenham um papel muito importante na salvaguarda do futuro do robalo. E por isso eu vos digo que há momentos em que não devemos apoquentar estes peixes. Os meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro, são críticos para a espécie. Se desovarem bem, se tudo correr de acordo com o figurino, vamos ter muitos robalos para pescar nos anos seguintes.
Há algo mais que vos devo dizer: os peixes grandes, quase independentemente do tipo da espécie, são praticamente todos fêmeas. Este também é o caso do robalo.
Os robalos machos não crescem tão rápido quanto as fêmeas, sobretudo a partir dos cinco anos de idade. Em média, eles pesam menos que elas, e por isso mesmo, a partir de um certo tamanho e peso, podemos estar certos de que aquilo que temos nas mãos é uma fêmea.
Os maiores peixes que são pescados, invariavelmente são fêmeas!
Como disse antes, os robalos fêmeas adultos carregam cerca de 250.000 a 500.000 ovos por quilo de peso corporal. Isso não acontece da noite para o dia. Levam de quatro a sete anos antes de atingirem a maturidade sexual plena, que lhes permite fazer isso.
Quando alguém me diz que está a pescar dentro do rio baldes e baldes de robalos de “dose”, aquilo que está a fazer é a matar os futuros reprodutores, aqueles que, se tivessem tempo para isso, chegariam a reproduzir a este ritmo.
Isso significa que estaremos hoje a matar a nossa futura pesca.
A primeira ovulação significativa acontece por volta dos 4 a 5 anos, quando eles têm um comprimento médio de 35 a 46 centímetros, (dependendo do habitat).
A partir daí o robalo pode ser protagonista de um processo de reprodução a sério, e por um período máximo de vinte anos. Fará, durante esse período, muitas entradas e saídas dos cursos de água doce. Ou seja, irá aparecer, e desaparecer, muitas vezes dos nossos locais de pesca habituais, irá dar-nos alegrias e tristezas durante muito tempo. E irá continuar a crescer, se não o conseguirmos pescar, ou se o libertarmos.
Tendo em consideração que o robalo pode atingir quase um metro de comprimento e chegar a uma idade máxima de trinta anos, facilmente se entende porque razão as fêmeas grandes, ovadas, são tão importantes para a sobrevivência da espécie.
Mesmo as pisciculturas reservam a estas fêmeas um lugar de destaque, pois sabem que são elas que podem fazer avançar o negócio mais depressa. Na natureza não é diferente: as grandes fêmeas ovadas são responsáveis por grande parte da reprodução da espécie.
Estes são de aquacultura, e não são os que procuramos... |
Olhando a isto, não deixa de ser preocupante constatar que os robalos, a nível europeu, estão a tornar-se cada vez mais raros.
O robalo é um peixe de crescimento lento e, por isso mesmo, bastante vulnerável.
Por exemplo: se tivermos um verão ruim e um inverno rigoroso, muito frio, logo a seguir, em alguns anos a reprodução pode não ser muito produtiva. Isso significa más notícias em termos de arregimentar novos peixes para o stock.
Se a isso somarmos uma pressão de pesca cada vez mais dura, melhores barcos, melhores redes, GPS`s, Sondas, mais e melhor conhecimento dos locais, chegamos à conclusão que as possibilidades de sobrevivência da espécie está ameaçada.
Nós pescadores, em termos gerais, só queremos e procuramos os grandes, os melhores reprodutores. Com a falta desses peixes grandes para preencher essa lacuna reprodutiva, a população de robalo pode ser facilmente afetada de forma negativa.
Assim sendo, os peixes menores, mais jovens, se quiserem “menos grandes” tornam-se ainda mais importantes quando se trata de preservação. Por isso é tão importante soltar aqueles que para pouco mais servem que contar para um número.
Dizer “pesquei 24 robalos” não traz a quem o diz qualquer tipo de estatuto. Podemos sempre pensar que pescou 24 futuras possibilidades de grandes robalos, mas que não passam de imberbes peixinhos que não se sabem ainda defender.
Assim sendo, não seria má ideia aumentar o tamanho mínimo legal do robalo para, digamos, 50 centímetros.
Com esse comprimento, seria garantido que o robalo já teria participado do processo de reprodução pelo menos duas vezes. Mesmo com anos maus, de difícil meteorologia, ainda assim seria uma segurança de êxito reprodutivo.
Ou seja, que haveria uma duplicação de hipóteses de pelo menos garantir a continuidade do mesmo número, ou mais, de robalos à solta nas nossas águas, livres, disponíveis para as nossas amostras.
Faz sentido?!
Vítor Ganchinho
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Muito bom! 50cm seria uma medida bastante aceitável. Mas, julgo, aliado a isso seria uma fiscalização que saísse de um papel que ninguém lê. Não existe fiscalização, no sentido prático. E faz muita falta...
ResponderEliminarBom dia Luis Gavina
EliminarOs americanos resolveram isso, direcionando para custos de fiscalização uma percentagem da receita obtida com as licenças. E resultou! Eles têm muito peixe, e as pessoas sabem que ao sair de casa vão mesmo conseguir trazer a quantidade legal.
Porque há muito peixe, mesmo.
Conseguem isso garantindo que ninguém se atreverá a pescar mais que aquilo que consta da sua licença, porque a fiscalização actua e é dura.
Se o limite é de 4 robalos, eles saem de casa a saber que os irão conseguir. Mas não tentam trazer para casa 5....porque levam pancada a sério.
Depois, será sempre uma questão de escolha, de opção, de libertar este porque tem apenas a medida mínima, e tentar o outro maior, que está ao lado.
Para sua informação, eles conseguem robalos acima de 15 kgs, o Striped Bass.....
Tenho lá um amigo, o Theo, com 15 anos, que faz robalos acima de 10 kgs da praia.
Abraço
Vitor