O AMIGO DE PENICHE...

Estou que nem posso!!
Eu apanho irritações de me fazerem ferver o sangue! Fico uma pilha de nervos com estas coisas, …palavra de honra!
Tenho um amigo, António Gaspar, que raramente vem pescar para os meus lados. É mais certo ele ir para os lados de Peniche, porque lhe fica bem mais perto de casa.
Caí na asneira de o convidar a vir pescar comigo a Setúbal. Estava bem longe de pensar que as coisas poderiam descambar numa tragédia tão grande!
Vamos ver se vos consigo explicar, sem me enganar, porque ainda tenho as mãos a tremer da desgraça que aconteceu:




Cheguei à rua do Clube Naval Setubalense por volta das 6.25h da manhã. Pelos vistos, há gente que não dorme, para ir à pesca.
Mesmo chegando àquela hora, bem de noite, o meu barco ficou num dos últimos lugares da fila. A avenida estava cheia de carros e atrelados, todos em fila indiana, gente de galochas de borracha a correr rua abaixo e rua acima, com baldes de plástico cheios de caranguejos.
Toda a gente aguardava a chegada do Agostinho, o homem da grua. O Clube só abre às 7.00h da manhã e foi preciso esperar.
Acabei por sair para a pesca com o António Gaspar já depois das 7.40h, já bem de dia. Foi uma hora e tal de espera desde que cheguei até conseguir sair do Naval. Ora isso é muito tempo!
Aquilo da grua até à saída para o rio serão 30 metros de distância de água, não mais. O que quer dizer que o meu motor Honda Marine de 175 HP não tem força. É fraco!
Fazendo bem as contas, dá cerca de 4 minutos por metro. Tenho dúvidas que a nadar não consiga fazer melhor! Motores da tanga!...
Sabendo que íamos pescar para Sines, que fica a uns 90 km em linha recta, isso dá para aí uns 130 dias, mais ou menos, até lá chegar. Bom, …o eng. António Guterres pode ajudar, é fazer as contas.
Quando se tem um motor Honda Marine, a logística é sempre um pesadelo, temos de sair sempre com uma semana de antecedência. E depois fumegam muito, não sei…as avarias são como as cerejas, ficamos apeados a cada instante.
Por vezes ainda estou a sair doca e já tenho o polegar para cima. Passo o tempo a remar direito às traineiras, a pedir boleia.
Estes motores modernos a 4 tempos vêm cheios de manias e caliqueiras. Se deixo secar o depósito, se não lhe meto gasolina, …não anda.




A pessoa nunca tinha pescado com jigs.
Até aí tudo bem, afinal de contas, a quantidade de gente que acredita que os peixes se lançam àqueles bocados de chumbo, não é muita. Quase ninguém pesca com jigs.
Há mesmo quem jure a pés juntos que é impossível que um peixe possa “roer” um pedaço de metal pintado. Seja.
Sinceramente dá-me até muito jeito que não acreditem, porque isso deixa-me campo livre para eu continuar a pescar os pargos e robalos.
Vou para qualquer lado e há sempre peixe. Porque os barcos estão todos de âncora em baixo, agarrados ao fundo, basta-me escolher um local onde não esteja ninguém, lanço os meus jigs e faço sempre qualquer coisa.
Eles, que pescam ao pica-pica, fundeados, lutam escarniçadamente contra os piços, as safias miudinhas, as choupas de palmo e as garoupinhas. Pescam com casulos e minhocas, lingueirão e bugigangas dessas, e quanto mais isco mandam para baixo, mais piços se juntam onde cai a chumbada. Por mim pode ser.
O António iria nesse dia pescar com jigs. Só jigs. Deve ter sentido um nó na garganta quando lhe mostrei o material de jigging, mas não tínhamos a bordo mais nada, pelo que não valia a pena olhar para o lado. Era mesmo só aquilo.
O meu erro foi dizer-lhe como se fazia, como trabalhar a cana, como recolher linha, como animar o jig. E a seguir algo como: “ agora é só libertar o pescador que há em si, António, …seja criativo”….
O que eu lhe fui dizer!....


Até um ruivo acabou por vir para cima, sem culpa nenhuma.


Daí a poucas horas, todo o peixe que havia nas redondezas de Sines já estava dentro da geleira dele. Deixou tudo rapado!
Ficámos sem uma escama de Setúbal à Zambujeira do Mar! Ele foram bicas, atuns sarrajões, sardas, cavalas, robalos, ruivos, lulas, ..levou tudo!
E como se não bastasse, as duas chocas grandes que também tinhamos reservadas para o nosso querido Papa Francisco, marcharam também. Tudo massacrado!
Como é que eu pude ser tão anjinho que o deixei pescar os peixes gordos que estavam guardados para Sua Santidade ??!
Vocês sabem, o evento da Jornada Mundial da Juventude, de 1 a 6 de Agosto, em Lisboa. Estava tudo preparado, o barco Lomac limpo e desinfectado, o motor a brilhar, os cromados todos polidos, e claro, os peixes bem adomados, para fazermos boa figura. Pois foi….tudo!


Penso que aqui o Vaticano poderia ter trabalhado melhor. Se ao menos a batina fosse toda em tons de preto camuflado e cinzento com malhas brancas… E este tipo de boina, sem pala comprida, também não é boa para ir ao choco, não tapa quase nada do sol. Vê-se que a pessoa está desequipada…


Cada vez há menos peixe, todos sabemos isso.
As traineiras levam o tempo lançando redes em cima das pedras, a malta da pesca à linha já não tem onde lançar uma amostra, essa é a verdade.
Do pouco que há…da miséria franciscana que sobra para todos nós, os penitentes da pesca à linha,… combinámos todos deixar aqueles peixinhos para a pessoa.
Pois ele vem de lá, pega nos seus jigs coloridos e pimba! Os peixes que tínhamos guardadinhos há meses para o sumo pontífice, foram todos para dentro da geleira. E agora?!
Como é que se descalça esta bota?!


Fui à minha marca apanhar uns peixes aranha para o jantar. Andavam por lá as chocas de sua Santidade, e o António, vá lá saber-se porquê, inesperadamente, pescou-as…. Aqui na foto ainda estou a tentar reanimar uma, mas o ar desanimado e pendido dela, e a falta de sinais vitais já não me deram muitas esperanças.


Tínhamos duas chocas treinadas para não largar muita tinta, mansinhas, higienizadas, preparadinhas para o Santo Padre. Pois foram essas mesmo que ele teve o desplante de pescar!
E agora?! Estamos sem tempo para treinar outros bichos, está aqui um trinta e um armado, receio não haver qualquer possibilidade de êxito no que diz respeito a treinar tudo de novo.
A questão é que arranjar chocas de substituição, faltando tão pouco tempo, não se consegue. Os bichos levam tempo a treinar, meses e meses a ambientarem-se à vida na caixa do peixe, a manterem a calma e aprenderem a não largar tinta.
Recuperar os chocos antigos não me parece viável, até porque foram logo congelados e um deles até já deu um guisado com ervilhas. Vamos recuperar o quê?! Só apelando a um grande milagre, e o Santo Padre sabe que isso não existe, são coisas que se dizem, como aquilo dos três pastorinhos, mas é para a malta fazer donativos e achar que assim sendo ganha o céu.
Resta-nos esperar que outros chocos que andem por aí não estejam em dia de largar ferrado preto porque seria uma perfeita tragédia para a túnica branco pérola de sua Santidade.
É verdade que no melhor pano cai a nódoa, mas não queremos que a pessoa vá daqui para casa com a roupa manchada de tinta de choco. É pouco apostólico.


Aqui, uma das chocas de substituição enervou-se, ficou incontinente e largou um pouquinho de tinta, mas nada demais. Quando largam tinta a sério, mesmo com boné de pala, até o cabelo do pescador fica preto. Espera-se é que isto dos burrifinhos de tinta não aconteça no dia da pescaria com sua Santidade, que vem com o seu manto branco pérola...


Sinceramente, mais valia nem ter ido!
Vou dizer-vos a verdade: naquele dia eu fui com o António à pesca, mas nem queria ir!
Não gosto nada de faltar à missa da manhã, e ainda mais quando o tema da homilia é sobre uma parte do Novo Testamento que me interessa: o senhor padre tinha prometido uma preleção sobre a apanha de lingueirão, casulo e navalha nos cabeços de areia do Sado, na vazante.
Fui, mas fui relutante, contrariado, como os cães vadios vão ao futebol, arrastados, com uma corda de nylon ao pescoço. E o barco Lomac também não queria ir: eu a acelerar direito à barra e ele a virar para terra.
Parecia que o equipamento estava a adivinhar a tragédia! A ideia era fazer apenas um treino ligeiro, trazer um pexito pr`ó jantar, coisa ligeira.
Só que o António Gaspar levava a ideia fixa de arrasar com o peixe de Sines…
Nos próximos anos, não se espantem de haver apenas bogas e tainhas à saída do rio. O António Gaspar arrabanhou tudo o que havia e levou no carro dele para casa.
São pessoas que sabem muito de pesca, muito técnicos, e já se sabe, quando aparecem é para deixar tudo limpo.


A GO Fishing não devia vender isto, engana os bichinhos. Não há direito de os homens da marca Little Jack fazerem carapaus que parecem jigs...


Já de si, o peixe não é muito. Com o meu amigo a pescar daquela forma, de empreitada, à fussanga, não há peixe que resista.
Pouco ficou. Tínhamos lá uma bica com 1,2 kgs, nem mais que o semental ali da zona, …pois também ardeu. O bicho fez força a sério, de início dava ares de ser o Mike Tyson a puxar a linha para o fundo, mas no fim acabou por não resistir. Dois atuns sarrajão, bonitos, fortes, também foram parar à caixa do peixe. Mesmo peixes que por vezes rompem as linhas, daqueles encharcados em Viagra, nenhum deles aguentou.
Tudo rapado!...
A dada altura, com a vaga de 2 metros, ainda tive esperança que fosse marear, começou a ficar branco, mas não chegou a ficar de cabeça para baixo, nem foi inspecionar a chapa de matricula do barco.
Aguentou bem, o que para o caso, nem é assim tão bom.

Agora ...está tudo lixado….nem sei que volta faça, porque não ficou uma escama em lado nenhum.
Provavelmente vou ter de levar o Papa Francisco aos choquinhos dentro do rio. Pelo menos aí há sempre qualquer coisinha para apanhar, mesmo que sejam chocos pequenos.
Haver chocos até há, há sempre, andam por ali o ano todo, mas não estão é treinados para não largar tinta. E aí é que está o busílis!...
Nem estou preocupado que não ferre nada, isso não acontece porque qualquer alma penada sem jeito nenhum vai a Setúbal e já pesca um balde de chocos. O problema é mesmo o ferrado preto que espirra por todo o lado.
Vamos ver se não fica com a batina branca escagaitada…e pior que isso, se a pessoa, para fugir à tinta, não me cai do flutuador para a água de costas, desamparada.
Pelo sim pelo não, vou pôr-lhe um colete cor de laranja.


Quem sabe, sabe. Com este já vão 5 chocos calmeirões!...



Por vezes os barcos ficam um pouco sujos.
Os ingleses têm um ditado que diz: “ Querido, não mandes o nosso bebé fora com a água do banho”.
Explico-vos a razão de ser deste comentário: como sabem, em Inglaterra, até há bem pouco tempo, o sistema de saneamento básico era isso mesmo, básico! Por isso eles tiveram em Londres uma razoável quantidade de pestes e doenças afins.
As pessoas jogavam pela janela os dejectos, xixis e outros, que eram feitos para dentro de um balde. Ia tudo para a rua.
As versões mais modernas destes baldes, e que quase chegaram até aos nossos dias, eram os penicos, ou bacios.
Relativamente aos banhos, eram poucos, muito breves e sumidos. O protocolo consistia no seguinte: o pai tomava banho num alguidar em primeiro, a seguir a mãe, a seguir o filho mais velho até ao fim da linhagem masculina, e só depois as meninas, e no fim de tudo, o bebé.
Ao fim de tudo isto, e porque a água era sempre a mesma, a criancinha deixava de ser ver no meio da sujidade.

Pois foi isto mesmo que me aconteceu a mim quando saí com o António. Os chocos que ele pesca não têm higiene nenhuma, são badalhocos, largam tinta a valer.
E vai daí, a água estava tão preta que nem vi o meu falecido choco lá dentro do balde. Mandei aquilo tudo para dentro de água, com o animal no meio da tinta.
Quando fui à procura dele já o bicho tinha sumido….água abaixo. O primeiro choco que podem ver no filme abaixo, foi …embora:


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Os meus leitores que se dedicam mais ao gamanço profissional que à pesca com cana e carreto, a primeira coisa que viram nesta foto foi …o relógio Rolex do homem…. Francamente...


Agora está tudo lixado. Será um milagre que a batina branca não venha a ficar manchada de preto.
Atendendo à mascarra negra que vejo nos barcos dos profissionais dos chocos de Setúbal, seria bom todos nós levantarmos as mãos bem ao céu, unirmos esforços, e rezar por sua Santidade.
Ok,….eu rezo sozinho….afinal de contas também devo ser o único que acredita no milagre de os meus artigos merecem um “likezinho” no fim da leitura.
Na perspectiva do António Gaspar terá sido um dia de pesca valente. Por vontade dele ainda estava à pesca. Para o convencer a voltar, para o trazer para terra, tive de o cloroformizar.
Mas se é para levar o peixe todo, se nos deixa à mingua durante anos sem uma escama para pescar, fica por aqui.
Isto de levar malta de Peniche….nunca mais!



Vítor Ganchinho



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