Ficámos ontem de ver algo mais sobre a pesca dos carapaus. Aquilo que nos falta é mesmo saber encontrar estes vorazes peixes.
Vamos ver então como eles nos aparecem nas sondas, mas para isso devemos começar por entender qual a forma como se deslocam e qual a figura que procuramos no ecrã.
A evolução no meio liquido das cavalas é feita de forma horizontal, em formato de tubo, os peixes seguem-se, num trajecto horizontal que passa por seguir o peixe da frente.
Abrem e fecham a boca de forma ritmada, procurando através do movimento captar alimento por filtração. Porque se deslocam em “fila”, formando um tubo, isso dá-nos nas sondas uma mancha densa mas perfeitamente definida a um determinado nível da coluna de água.
Conseguimos perceber onde começa e acaba o cardume, qual o nível a que estão.
Digamos que em termos de visualização nos aparece uma barra contínua a cor laranja, no caso de cardumes com muitos indivíduos, normalmente no primeiro terço superior da profundidade a que estamos, já que esta espécie gosta de aproveitar aquilo que existe próximo da superfície.
Alimentam-se de óvulos de peixe pelágicos, ou zooplâncton, por filtração.
No caso dos carapaus, é exactamente o oposto. Tendencialmente estarão no último terço da coluna de água, bem junto ao fundo, já que preferem procurar alimento nos primeiros metros, onde é bem mais provável que encontrem pequenos crustáceos, camarões ou peixes juvenis.
O formato de um cardume de carapau é substancialmente diferente das cavalas. Aquilo que é normal é que nos surjam agrupados em peixes de tamanho similar, mas se houver alguns maiores, então esses ocupam a zona baixa do cardume.
Em termos de sonda, aparecem no fundo normalmente ordenados segundo um formato elíptico, mas com os peixes dispostos não em linha, mas sim por patamares verticais.
Os cardumes avançam de forma a ocupar um espaço mais verticalizado, mais compacto, com peixes distribuídos uns por cima dos outros, enquanto que as cavalas o fazem segundo um mesmo plano, um longo tubo onde se concentra todo o cardume.
Por isso os formatos não são os mesmos, na leitura vertical que a sonda faz, em que detecta peixes em vários níveis.
Um carapau por pessoa basta …aqui temos 6 carapaus, …3 kgs. |
Não exigem material de pesca sofisticado. Isso de todo, são até bastante permissivos para com a qualidade das linhas e anzóis, mas se querem um conselho, tentem-nos com canas macias, algo parabólicas. A razão prende-se com o facto de o carapau ter uma boca muito frágil, muito predisposta a romper.
Quando os levantamos para o barco, muitos deles caem, porque rasgam.
Assim, a ideia é mesmo ser capaz de garantir que o furo do anzol não irá alargar demasiado, até ao momento fatal, aquele em que os içamos para lhes pôr as mãos.
É verdade que há muitos peixes destes no mesmo cardume, mas leva-nos o nosso sentido de pescadores amigos do ambiente a não prejudicar peixes que ficarão inevitavelmente com a boca rebentada, e que necessariamente terão dificuldades acrescidas em voltar a fazer a sua vida normal. Canas macias, para perdermos a menor quantidade possível.
Ninguém exibe carapaus como se um troféu de pesca se tratasse. Excepto eu, que os grelho furiosamente, fresquinhos, com sal por cima. |
Muitas das “passareiras” que vocês veem na água são actos de caça perpetrados por atuns, golfinhos, tubarões azuis, robalos, e o “artista convidado” é ele, o carapau.
Levam sovas tremendas dos seus predadores naturais, e até dos pássaros, as aves marinhas também os atacam a partir dos céus, mas a sua facilidade de reprodução compensa as pesadas baixas diárias.
Os golfinhos de Setúbal fazem deles um ingrediente permanente do seu menu, já que os têm à disposição durante todo o ano.
Já aqui vos contei que um dos momentos mais estranhos da minha vida de pescador foi passado precisamente quando estava a lançar jigs leves, de 5 gramas, aos carapaus, a meio da tarde.
Procurava eu fazer alguns para grelhar nessa noite, já com a pescaria feita, com alguns pargos e robalos de bom porte. O mar via-se calmo, sem vento, nada indicava aquilo que se iria passar a seguir.
Com águas baixas conseguimos detectar mais longe se algo acontece na linha de superfície, é-nos mais fácil entender se algo rompe a linha de superfície.
E aconteceu, umas estranhas sombras surgiam no horizonte, a alguma distância. Percebi que havia algo de estranho a passar-se a cerca de uma centena de metros, pois havia barulho, espuma e agitação.
Algo vinha na minha direcção. De um momento para o outro, percebi que uma dezena de golfinhos estavam a empurrar peixe na direcção a costa, precisamente para o local onde eu estava.
Vi-me no meio de uma caçada de golfinhos, os quais saltavam à vez sobre bolas de carapaus, procurando com golpes fortes da barbatana caudal atordoar os peixes. Tudo isto se passava à superfície, já a poucos metros de mim.
Os golfinhos estavam literalmente a rebentar com o cardume. Aquilo que eu via eram milhares destes pequenos peixes, uma enorme sombra cinzenta a meia dúzia de metros da linha de água, a tentarem colocar-se por baixo do barco.
De pronto identifiquei como sendo carapaus, os quais estavam a levar pancada já há algum tempo. Isto terá durado alguns minutos, o cardume deslocou-se mais e mais metros, sempre na minha direcção.
Eu estaria longe da costa, cerca de 100 metros, a não mais de 15 metros de profundidade, e a dada altura deu-me ideia de ter o barco assente numa massa de peixe. Tudo se passava à vista, bem encostado ao meu semirrígido, mesmo por baixo.
Perfeitamente estupefacto, ocorreu-me lançar um jig. Lançava na vertical, e logo de imediato era engolido por um dos carapaus, não deixando sequer correr a linha. Decididamente, não deixavam descer o jig, pescava um carapau a cada lance.
Era um perfeito absurdo, os carapaus, de bom tamanho, mesmo com os golfinhos em cima, mesmo a serem caçados, não desarmavam de comer. Nada daquilo fazia sentido!
Não consegui até hoje encontrar uma explicação suficiente boa para isto, porque a água fervia de carapaus, mas também de golfinhos, excitados com a caça que estavam a fazer.
Estavam de tal forma próximos que as fotos que fiz, não muitas, não conseguiam enquadrar os cetáceos por completo. Borrifos de água entravam para o barco, molhando os flutuadores e a consola, e eu, atónito com aquilo que se estava a passar, não encontrava uma explicação.
Assim fiquei mais alguns minutos, os golfinhos a trabalhar o cardume, a saltarem como podem ver nas fotos abaixo, e os carapaus encostados ao meu barco, a levarem pancada e, ainda assim, mordiam o jig sem o deixarem descer mais que 5 a 6 metros.
Um perfeito absurdo!
Registo-o como um dos mais insólitos casos que me foram dados a ver, e acreditem que ao longo de dezenas de anos, …foram muitos.
Voltando ao tema dos carapaus, deixem-me apenas dizer que é natural que no meio destes vos apareçam algumas cavalas. Os locais em que se movem não será muito diferente e por isso mesmo não espanta que estejam juntos. Também a pressão que sofrem por parte dos predadores naturais é similar, pelo que acabamos por os encontrar naquela faixa de água que nem é carne nem é peixe, aqueles 15 a 25 metros de profundidade que desmobilizam os predadores de maior porte, sem no entanto se exporem demasiado às aves marinhas, que os atacam se estiverem demasiado baixos, a poucos metros de profundidade.
Na sonda podem encontrar bolas de peixe, com ambas as espécies misturadas. Quando temos carapaus de pequeno tamanho, acontece que a cor apresentada seja um azul claro. Isso advém do facto de esses minúsculos peixes terem pouca densidade, e por isso mesmo não chegam a marcar com as cores mais escuras, os laranjas ou mesmo castanhos escuros, que indicam peixe grosso.
A não ser que sejam cavalas XXL, como podem ver na foto abaixo.
Algumas cavalas atingem pesos na ordem dos 1,5/ 2 kgs, e aparecem na nossa costa sobretudo nos meses de Agosto e Setembro. |
Também as sardas nos surgem por vezes nesta mistura de espécies que podemos conseguir com as penas, mas para mim, nada como fazer peixe a peixe, com os jigs.
Se os cardumes estão muito rasos, bem perto da superfície, então os jigs de 3 a 5 gramas são o ideal. Jigs mais pesados afundam muito rapidamente, desaparecendo muito depressa da zona de acção. Queremos trabalhar o jig a descer lentamente, a fazer vibrações, e uma peça mais pesada coloca-nos mais dificuldades do que proveitos.
Trabalham-se com linhas finas, mas este peixe tão pouco exige demasiado dos nossos equipamentos. O peixe é sempre pequeno, não necessitamos de estar a pescar mais forte.
Desejo-vos boas pescarias, e que se consigam divertir com os deliciosos carapaus, um peixe bem português!