Tenho a certeza que todos aqueles que são proprietários de uma embarcação, e que dispõem de uma sonda a bordo (a quase totalidade dos nossos barcos tem uma!), pensarão para si próprios: “Eu não preciso de ler isto! Então eu não sei ler …a minha sonda?!!”….
Pois sim, nesse caso, não perca tempo, este artigo é apenas para aqueles que acham que querem e podem aprender algo sobre o estranho mundo da electrónica, das sondas e dos peixes.
Começo por vos dizer que muito poucas pessoas sabem de facto fazer uma leitura correta dos dados fornecidos pela sua sonda.
O primeiro problema que encontramos é este: aquilo que está marcado no ecrã, …é o quê? Que espécie de peixe temos debaixo dos nossos pés?
Pela perspectiva de um fabricante, um aparelho de sonda será algo que ele vai querer vender em Portugal, mas também em Itália. E também nos Estados Unidos, ou na Índia.
E já agora, porque não, no Dubai e na Noruega.
Primeira questão: as sondas não identificam espécies de peixes, as quais variam de acordo com as latitudes e longitudes, de acordo com os oceanos e os seus habitats.
Identificam sim algo a que chamamos de ecos, e que são interrupções de feixes verticais emitidos a partir do transdutor que todos temos acoplado ou embutido no casco.
Como podemos saber o que está por baixo da linha de água?! |
Logo, ponto um, aquilo que o nosso aparelho nos mostra são sombras de ecos recebidos, ecos de retorno, sombras transformadas no aparelho em imagem visual. Não são robalos, são manchas que resultam da intercepção de um feixe enviado pelo aparelho ao fundo e que é reflectido verticalmente até chegar de novo a nós.
Por isso mesmo, ajuda sobremaneira estar familiarizado com a fauna piscícola que existe no local onde estamos a pescar. É-nos mais fácil saber interpretar correctamente as manchas que o nosso ecrã nos apresenta, se conhecermos as famílias de peixes que existem na zona onde estamos. Mais que isso, conhecer os seus hábitos também! Pois se sabemos que alguns peixes habitam junto ao fundo, outros vagueiam entre duas águas, e ainda outros são habitualmente nadadores superficiais, da primeira capa de água. Isso irá dar-nos um melhor entendimento do que estamos a ver.
Dificilmente algum dia teremos meros ou garoupinhas a rondar a superfície, ou tintureiras e atuns entocados dentro de buracos. Os peixes agulhas não irão estar encostados às pedras no fundo, da mesma forma que as navalheiras e santolas não andarão a passear à superfície. Espero que isto seja pacífico…aqui trata-se de uma questão de distribuição pela coluna de água, num plano vertical, de cada uma das espécies.
Imaginem alguém que nos chega da Nova Zelândia. Dificilmente essa pessoa poderá dizer-nos quais as espécies que aparecem marcadas no ecrã da nossa sonda, em Peniche. Da mesma forma, qualquer um de nós terá dificuldade em conseguir acertar no tipo de espécies que poderá encontrar numa sonda, caso se desloque àquelas águas australianas. É nesse sentido que vos digo que ajuda conhecer as espécies de peixes que estão potencialmente a desfilar no ecrã da sonda.
Mar português: quantos mistérios escondes?... |
Peixe isca miúdo anda normalmente junto ao fundo, onde pode esconder-se em buracos, entre as estruturas do fundo, ou até coberto pelas plantas aquáticas.
As manchas que nos aparecem no ecrã, coladas ao fundo, não são mais que as judias, as garoupinhas, etc. Aquilo que nos aparece mais acima na coluna de água é a sardinha, o carapau, as cavalas.
Temos pois que existem patamares, camadas de água que se diferenciam na sua altura pelo “potencial” de albergarem esta ou aquela espécie. Isso é muito importante, conhecer o tipo de habitat propício ao peixe que encontramos num determinado local.
No ecrã de uma sonda sabemos que vamos ter um pouco de tudo: de uma arribada de caranguejo pilado, a peixe miúdo, mas também peixe de grande porte.
Um peixe único dá-nos uma silhueta mais definida, um cardume de pequenos peixes várias linhas desordenadas.
A diferença de densidade de um peixe grosso, com esqueleto ósseo mais consistente, fará um eco mais denso que um peixinho de poucos gramas.
Quando estamos habituados a trabalhar com o mesmo aparelho, acabamos por ter uma melhor percepção daquilo que pode estar por baixo.
As evidências no ecrã são muitas, as cores mais carregadas, os laranjas ou ainda melhor, os castanhos, indicam-nos peixe grosso.
A velocidade de busca também não pode nem deve ser elevada.
Estamos a olhar para algo que não passa de um eco transmitido a partir do fundo. Se quisermos alguma fiabilidade, temos de dar tempo ao aparelho para fazer o seu trabalho.
Até porque qualquer peixe que seja detectado pela sonda, se estivermos a navegar a uma velocidade demasiado elevada, aparece numa dimensão mais pequena e distorcida. Da mesma forma que a velocidade muito lenta, parece-nos ser bastante grande.
Isso advém do facto de a cada ponto de velocidade de deslocação, corresponder um determinado tempo de leitura.
Os fabricantes recomendam uma velocidade constante de sondagem na ordem 1 a 3 nós de velocidade, o que podemos, grosso modo, reduzir a uma velocidade confortável para uma deslocação sobre um pesqueiro, sem atormentar demasiado o peixe que queremos pescar.
A velocidade a que arriscam passar por cima de uma pedra sabendo que a vão pescar a seguir, é a boa!
No meu caso pessoal, procuro nunca o fazer, até porque conheço os sítios onde vou lançar amostras.
Porque tenho a perfeita noção do tamanho da pedra, daquilo que pode lá estar, prefiro não “estragar” com actos que não são mais que curiosidade de “gente nova”. Entendo que se queira saber se nesse dia há peixe em abundância, mas eu não tenho pressa em saber.
Paro o barco algumas dezenas de metros antes, deixo que o vento ou a corrente me levem para cima da pedra, e pesco-a.
Não passo por cima, a sondar, por ter muita curiosidade, entendem?
Prefiro fazer uma deriva, de motor desligado, e pescar um pouco. Um olho na cana e no jig, o outro no ecrã da sonda. É daí que eu colho informação, e que me será útil para a deriva seguinte, ou pura e simplesmente para abandonar o local.
No fim de tudo, os resultados indicam se o método que seguimos é bom, …ou não. |
Por vezes, alguns dos meus alunos dos cursos de pesca chamam-me à atenção de que temos um enorme cardume mesmo colado à nossa popa, à superfície. Isso acontece sempre que coloco o motor em marcha e avanço um pouco.
Não é mais que o turbilhão de bolhas que se forma quando o hélice desloca água sem o barco estar a planar, e não deve ser objecto de qualquer atenção especial.
Outro detalhe que me parece importante é o seguinte: o feixe que é emitido pelo nosso transdutor, desce e sobe. Porque não estamos parados, a velocidade a que nos deslocamos movimenta o nosso barco de um ponto para outro, e isso acontece enquanto o feixe desce e sobe, o que cria um cone de vértice virado para baixo. Se quiserem, um V. O que estiver no meio desse cone é-nos mostrado como informação instantânea, ao momento.
Tudo isto acontece em tempo real, o que significa que aquilo que estamos a ver no ecrã, só é válido mesmo junto ao ponto onde começa o ecrã. Tudo o resto já é passado, já não está lá.
Acontece-me muito ter de explicar aos pescadores que saem comigo que não devem entender o ecrã como uma televisão. Não há uma paisagem para ver, há um ponto de leitura vertical.
Mais que isso, tenho sempre alguma dificuldade em os fazer entender que o facto de nós nos deslocarmos num determinado sentido não faz da leitura da sonda algo que acompanhe peixes que também acompanham esse sentido.
Os peixes não seguem o nosso barco, e na verdade nunca sabemos se estão a deslocar-se para trás, para a frente, ou para qualquer um dos lados. Porque a leitura é pontual, verticalizada, e apenas nos permite saber que está algo a passar por baixo.
Para onde vai, isso são já …outros quinhentos…
Falamos de algo vivo, que muda a cada instante, querendo nós à viva força transformá-lo numa natureza morta, num quadro fixo.
Por absurdo, se o nosso barco estiver parado em determinado ponto, tudo que entrar no cone de leitura do transdutor pode, em rigor, estar a deslocar-se para qualquer um dos quadrantes. Norte Sul, Este Oeste. OK?
Apenas sabemos que esteve algo por baixo, e se a velocidade de deslocação do barco não for muita, isso quer dizer que ainda podemos estar a tempo de lançar e tentar esse peixe.
Nunca tentem adivinhar se o cardume de peixes que passa debaixo de nós está a nadar lentamente ou muito depressa, porque aquilo que é razoável querer saber não é isso. É apenas se está algo a passar, ou não.
Um peixe pode estar virado para a esquerda, ou para a direita, e a 100 metros de fundo, a sua silhueta na sonda será exactamente igual!
Em águas paradas, com profundidades muito baixas, não mais de 10 a 20 metros, as certezas que podemos ter serão sempre maiores que a sondagem em águas com correntes fortes, com profundidades abaixo dos 100 metros.
A existência de termoclinas também interfere, enquanto camadas de água a diferentes temperaturas, na leitura que podemos fazer.
Por isso, temos aqui vários vectores que podem induzir-nos a sondagens mais perfeitas que outras. Entendem a complexidade do processo?
No caso de estarmos ancorados, com o barco parado, tudo é bem mais fácil, no sentido de podermos deduzir que o peixe que está nesse preciso momento a passar na sonda, (volto a repetir no início do ecrã, à direita, no sentido …”nascente” do ecrã, considerando como poente o passado, aquilo que já está quase a desaparecer do outro lado, o lado esquerdo do ecrã), pode estar ainda por baixo e ser tentado.
Também me vejo por vezes obrigado a responder a esta questão: a linha castanha do fundo por vezes parece lisa, e outras vezes surge-nos irregular. Porquê?!
Aí vai a resposta: num fundo constante, plano, por exemplo areia simples, e desde que o mar esteja calmo à superfície, é natural que o traço que nos surge no ecrã seja fino, bem demarcado, sem altos e baixos. Uma linha contínua.
Mas, precisamente no mesmo local, mesmo ponto, caso tenhamos nesse dia ondulação de 2 metros com um período curto, esse fundo já nos aparece aos “bicos”, irregular. Temos uma tendência nata para olvidar a questão da subida e descida do barco nas ondas, e do efeito que isso provoca na leitura da sonda.
Em zonas com pedra alta, esse efeito é exponenciado, e os resultados ainda mais díspares. Por isso, uma linha irregular apenas significa pedra se as condições de mar nos permitirem sondar correctamente.
Por outro lado, fundos de pedra reflectem de forma mais fácil, mais “dura”, o eco. Isso demarca melhor o sinal da linha de fundo, e por isso mesmo a fita que nos é mostrada é mais estreita, mais fina, mais definida. Em fundos de areia, a linha de fundo é mais larga, menos precisa.
De notar ainda que o zoom que temos aplicado na sonda irá também ele interferir na espessura desta linha. Mais zoom, mais larga a fita de fundo.
Assim sendo, aquilo que devem interiorizar é que a sonda é um elemento extremamente importante para a nossa pesca, deixa-nos descobrir muito rapidamente pedras, estruturas no fundo, peixe, mas tem as suas limitações e não deve, em momento algum, ser confundido com uma televisão, algo que nos permite “VER” o fundo.
Não estamos a ver o fundo, estamos a analisar informação que nos serve, que nos é útil, se a soubermos entender. Mas ainda assim, informação pontual, naquele instante.
Para aqueles que deixaram de ler logo na primeira linha, aqueles que sabem tudo sobre sondas, deixo aqui uma mensagem: abençoados sejam por tanta sabedoria.
Tivesse eu braço suficiente e não hesitaria em fazer uma tatuagem com o nome de todos eles.
Receio ser necessário um muro com alguns quilómetros de extensão, pois neste país, todos sabemos muito e de tudo.
Vítor Ganchinho
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Boa tarde Vítor.
ResponderEliminarEspero que esta mensagem o encontre bem!
Antes de mais, obrigado mais uma vez, por mais um excelente relato.
Posto isto, surgiu aqui uma dúvida (já comentada com alguns amigos, que também já presenciaram o mesmo)! Por vezes temos ferrado peixes, principalmente corvinas, a pescar na vertical, onde não aparece qualquer marca na sonda (sendo que as sondas estão sempre,ao longo do dia, a marcar normalmente)
Entendo que por vezes possamos estar a pescar no "futuro",no entanto muitas vezes estamos mesmo na vertical e por vezes por baixo do barco.
Profundidade: varia entre os 8 a 20 metros
Sonda : vários modelos (lowrance hook reveal, raymarine dragonfly, raymarine element, lowrance hds).
Local : tejo
Obrigado.
Curioso a sua questão,mas já presenciei em várias sondas,minhas e de amigos,estarmos a zagaiar e as próprias zagaias aparecerem na sonda. Alguma regulação talvez 👍
EliminarBoas Nelson.
EliminarSim, também costumamos ver as zagaias a descerem na sonda e a sonda marca normalmente os peixes...nestes casos, e sendo peixe já de alguma dimensão, achamos estranho a situação. ....vários colegas já relataram o mesmo (e com sondas diferentes).
Obrigado Sr Vítor pelo post,eu sou dos que tem dificuldade em interpretar uma sonda, Irá com o tempo.
ResponderEliminarBom dia Nelson
EliminarIndependentemente da qualidade da sua sonda, se é a preto e branco ou a cores, se é mais ou menos sofisticada, aquilo que de facto é importante é que esteja habituado a trabalhar com ela.
Mais decisivo que ter uma sonda de última geração é saber interpretar a informação recebida no ecrã. E isso faz-se muito numa base de causa / efeito. Você está a pescar, e surge-lhe um cardume de cavalas por baixo do barco. Lança e pesca cavalas. Fixa o estilo de mancha que lhe surge quando são cavalas. Junto ao fundo, aparece-lhe uma bola de peixe, e não consegue identificar. Lança e pesca carapaus. Mais tarde irá recordar-se disso, e irá estar atento a manchas similares, com aquela densidade, volume, e cor.
E é muito por aí. Quando estiver muito habituado a trabalhar com a sua sonda, vai então começar a reparar que ao lado dessas manchas, ou abaixo, ou até acima, vão aparecer-lhe umas manchas mais curtas, mais densas, de uma cor mais carregada.
E lança e faz um robalo, ou um lírio, ou um pargo. E começa a entender que aquilo que é importante não é a mancha grande, mas sim o predador que está a acompanhar o cardume de comedia. Entende o sistema?
Numa primeira fase, aquilo que procura é mesmo a isca. É o mais fácil, o que lhe aparece com maior volume.
A seguir, passa a querer algo mais, que é aquilo que quer trazer para casa, o predador.
É um processo moroso, mas seguro. Toda a gente aprende a fazer isso, pode levar mais ou menos tempo.
Abraço!
Vitor
Bom dia
ResponderEliminarExcelente publicação, como aliás todas as que tem feito o favor de partilhar ..
Tenho uma duvida/curiosidade para a qual ainda não consegui encontrar resposta adequada ...
Qual a influência dos sinais emitidos pelas nossas sondas nas diversas espécies ?
Já alguém deu por isso ,,, ou será só impressão minha ?
Obrigado
Bom fim de semana, e melhores proas.
Bom dia Vitor Jacinto
EliminarObrigado por colocar a questão.
As sondas antigas, e falo das sondas de varrimento a preto e branco que as traineiras utilizavam, trabalhavam a muito baixa frequência. Para lhe dar uma imagem, era como se alguém estivesse a dar marteladas numa pedra.
Essas sim, eram sentidas pelos peixes, e poderiam fazer alguma diferença. Não tanto pela sonda em si, mas pela associação que o peixe poderia fazer daquilo que se iria passar a seguir, por exemplo a consequente queda de redes para o fundo.
O mundo de silêncio que as pessoas acham ser o fundo do mar, está bem longe de o ser.
Há ruídos, barulhos, (já aqui expliquei a diferença, mas posso resumir: Barulhos é tudo aquilo que é som produzido de forma natural, a movimentação de pedras e areias no fundo, as barbatanas dos peixes entocados que roçam a pedra, as ondas na rebentação, os cardumes na sua faina de encontrar alimento. Já ouviu o barulho que um cardume de milhares de cavalas faz à superfície quando babuja ovas em suspensão? Ouve-se a 1 km...em zonas mais calmas, sem outros barcos a passar.
E há os ruídos, que é aquilo que você faz quando arrasta uma geleira no fundo do barco, ou uma cana que bate na amura, uma chumbada que cai no barco, etc. Tudo o que seja isso, ruídos metálicos, pancadas, são entendidos pelo peixe como perigos e motivam duas reacções: ou o fechar da boca, por desconfiança, ou a...fuga.
Hoje em dia, a maior parte das sondas tem um registo de alta frequência, e os peixes não sentem o menor incómodo com isso. Não tenho dúvidas de que estamos a falar de um ser que consegue detectar ultrassons, os peixes têm capacidades que nós não temos. As vibrações das nossas amostras, a movimentação de outros peixes, são detectadas pela sua linha lateral. Quando se deslocam em cardume, e num instante mudam de direcção, eles utilizam a linha lateral, órgão muito sensível que está ligado ao cérebro por ramificações nervosas.
Podemos pescar com a sonda sempre ligada, e não vamos sentir diminuição de picadas.
Existem transdutores de sonda de diferentes potências, os mais potentes hoje em dia serão os de 1 kw, ( há mais potente... 3 kw) mas os mais baratos serão mais comuns, 0.4, 0.5 kw, por aí, e não excedem a metade dessa potência nem necessitam, porque se destinam a sondar águas pouco profundas.
Eu trabalho com dois sistemas paralelos no meu barco, ( tenho dois transdutores) e utilizo-os da seguinte forma: quando procuro peixe utilizo o mais potente, quando estou a pescar e apenas quero saber o que anda por baixo, mudo para o menos potente.
Pode perguntar: porque não o mais potente sempre?!
Porque eu nunca sei quanto tempo vou gastar a fazer uma deriva, e se pensar que 1 KW são 1000 watts, então veja o esforço que é exigido à bateria, que tem uma capacidade de armazenamento de energia limitado.
Isto porque a pesca é feita com o motor parado, ok?
Abraço
Vitor
Boa tarde
ResponderEliminarCaro Vitor, grato pelos seus comentários (fruto de muita experiência ...).
Abraço
Vitor Jacinto