VIVER NO REBOLIÇO DAS ONDAS

Quem mergulha chama à faixas superficiais de água branca, as provocadas pelo rebentamento da onda contra as paredes de rocha, algo como “a máquina de lavar”.
É uma zona perigosa, sempre com correntes, movimentações importantes de massas de água, e quantas vezes com visibilidade muito reduzida.
Mas é também aí que andam os nossos robalos. E por sabermos isso, é aí que os vamos procurar, com todos os riscos inerentes.
De que forma essa espuma interessa aos robalos? Que conseguem eles aí que não possam conseguir noutro lado? Será que andam por aqueles carrosséis de água turbulenta para …se divertirem?
O tema de hoje é esse, é sobre a permanência de robalos na água branca, local onde eles conseguem caçar. Mas onde certamente preferem não estar...




Ponto prévio: a espuma não existe desde a superfície até ao fundo, a não ser que a altura de água ao solo rochoso ou arenoso seja muito baixa. Caso tenhamos alguns metros de profundidade, aquilo que acontece é que essa mistura de água com ar, ou seja, a espuma que vocês conseguem ver da costa, ou quando dentro do vosso barco, acaba logo ali.
A altura de espuma branca é determinada pela violência do impacto da onda contra a pedra. Se quiserem fazer um exercício, tentem encontrar espuma num dia de calmaria, de mar parado, e vão ver que não encontram.
Pelo contrário, é muito comum que dias de vento forte, com mar formado, com ondas e vagas a correr na direcção de terra, possam dar origem a grandes ressacas de água no ponto em que esta toca a costa.
Ainda assim, acreditem que por baixo, na maior parte dos casos, há visibilidade, há algo diferente daquilo que parece acima.
Digo-vos isto porque durante muitos anos cacei peixes (sargos, robalos, douradas), por baixo dessa espuma. Aquilo não é tão mau quanto parece, e como eu sempre fiz questão de dizer a mim próprio quando andava por lá no tambor da “máquina de lavar”, algo como isto: “Vitor, a mesma água que te empurra contra a pedra é a mesma que te afasta dela”...




Teremos mais ou menos metros de mistura de água com ar, (azoto, oxigénio e uma pequena percentagem de gases raros), consoante a força do impacto da água que chega à pedra.
Há alguém que conta com esta mistura de ar e água para poder fazer a sua vida: os nossos robalos!
Não só estarão a trabalhar num ambiente muito oxigenado, logo sem dificuldades de captação de oxigénio para as suas brânquias, como conseguem a ocultação que lhes permite chegar junto às suas presas.
E até aqui já temos duas vantagens. Aí vai mais uma: em águas muito mexidas, os peixes de maior porte, mais pesados, têm mais facilidade em controlar o seu deslocamento que os pequenos e leves peixinhos que lhes servem de alimento.
Será isto sinónimo de gostar de viver lá? Nem pensar. O desgaste físico que um predador sente naquelas condições será sempre muito superior ao de estar presente num ambiente estável, mais seguro, mais calmo.
Estão lá por questões que se prendem com subsistência alimentar. Porque ali eles são mais rápidos, mais fortes e mais eficazes que os peixes que capturam!
Eles fazem-no, mas enfrentam os inconvenientes de levarem com toneladas de água em cima, e que os obrigam a nadar, a ter desgaste físico para se manterem tão estáveis quanto possível.
Bem preferiam estar numa praia calma...




A zona onde a onda vem percutir contra a parede e o fundo, sendo caso disso, é uma zona de perigo para todos os que lá estão, incluindo os robalos. É verdade que estão muito bem preparados fisicamente e estruturalmente para enfrentar aquelas agruras, mas isso não impede que a situação em si seja difícil.
Vejamos o seguinte: é verdade que falamos de águas muito oxigenadas, e isso é positivo, mas também falamos de águas que rebentam em direcções distintas, em função daquilo que oferece resistência à passagem da água.
Locais com pedra partida, oferecem pontos de contacto directo, frontal, de resistência física com a onda que obriga esta a divergir, a passar ao lado. E isso provoca fluxos de água que “espirra” para todos os lados, que cria correntes divergentes. O que quer dizer que, sendo por um lado óptimo para quem tem vantagens físicas sobre as suas presas, para quem está desenhado para evoluir naquele ambiente, também por outro lado irá provocar no nosso robalo um acréscimo de dispêndio de energia que este bem dispensava. Não esqueçam que parte da energia captada pela ingestão das suas presas já está gasta a lutar contra o meio ambiente adverso.
Quanto mais altas são as ondas, maior o impacto que irão provocar quando chegam à costa. Eles estão lá, naquele reboliço, porque ali são reis e senhores da situação, sabem que podem conseguir comida mais facilmente.
Este “facilmente” deve ser lido em sentido figurado, já que quando lançamos as nossas linhas por detrás da zona de rebentação e conseguimos um robalo, eventualmente à noite, a pescar em surfcasting, estamos a rebocar um peixe que aceitou viver naquele pesadelo para conseguir a sua comida, e que por azar deu com a nossa isca. Por isso, “fácil” não será nunca….




Os robalos, bem como outros peixes da espuma, gostam de se posicionar alguns metros atrás do ponto de rebentamento da onda. Sabem que é aí que terão mais possibilidades de conseguir trabalhar e encontrar a sua comida.
As situações nunca são definitivas, porque dependem sempre das condicionantes do próprio local. Não será igual haver uma parede de pedra lisa, ou termos uma ponta de rocha que adentra o mar, e que pode ser ultrapassada pela movimentação da água, fazendo com que grande parte da energia da onda se venha a dissipar muitos metros à frente.
Também devemos considerar se estamos perante uma coroa de areia, com água antes e depois desta. Nesse caso, o peixe pode até preferir ficar não atrás, mas sim à frente da rebentação. E porquê? Porque o peixe se irá posicionar de forma a esperar o resultado da escavação que a energia da onda inevitavelmente fará na areia.
Falamos de anelídeos, bivalves, pequenos caranguejos que vivem enterrados, etc. Tudo o que possa ser comida e que fique prejudicado pela força da água, e que é empurrado para frente, e não para trás. Nesse caso, a comida estará depois da zona de turbulência, e não antes.


Aqui, o desgaste será bem menor, mas as presas têm visibilidade, e mais condições para escapar.


Quanto maior a altura da onda ao fundo, menos espuma. Isso quer dizer que quando lançamos as nossas linhas, devemos procurar as zonas menos turbulentas, porque será aí que o peixe irá tentar encontrar a comida.
Repetindo, para que não fiquem dúvidas em quem me lê, as cristas de espuma formam-se nos locais mais baixos, onde a força da água encontra um obstáculo. Se tivermos mais fundo, a água passa por cima e não rebenta. É aí!
Há algo que podemos fazer para conseguir informação útil. No Verão, quando temos mar muito calmo, águas com pouquíssima agitação, temos condições para analisar os fundos onde iremos pescar de Inverno, quando nos chegam os temporais.
Se conhecermos os fundos, saberemos tirar maior partido deles. Não é nos momentos em que o mar parte violentamente que ficaremos a conhecer os locais com areia, com rocha, os canais por onde o peixe entra e sai com a maré, etc.
Isso é trabalho de casa que deve ser feito quando a água está calma, e temos todas as condições para colocar um par de barbatanas, uma máscara e um tubo, e podemos ir “passear” pela zona. Porque não levar familiares, os filhos, a esposa?
Pensarão que estamos a proporcionar-lhes um momento de lazer em família, de divertimento na natureza, quando na verdade estamos sim a preparar a nossa pesca para daí a alguns meses.
Mas ficamos bem vistos...



Vítor Ganchinho



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