Obrigado por estarem aí, desse lado. Obrigado pelo vosso apoio neste momento tão doloroso para mim.
Encontro-me em posição horizontal, deitado num divã de psicanalista, tentando perceber aquilo que aconteceu com o meu peixe.
Sei que este assunto me irá atormentar e voltar vezes sem conta sob a forma de horríveis e sinistros pesadelos.
Agora que estou a fazer o rescaldo do meu incêndio de alma, agora que tento desesperadamente salvar algum resto não totalmente carbonizado da minha reputação de pescador no meio destas lavaredas altas, posso garantir-vos uma coisa: enquanto tiver força nos braços, nunca irei desistir!
Quando nos escapa um peixe grande, quando sabemos que não fizemos tudo o que era possível fazer, saímos inevitavelmente meio chamuscados das chamas desse “acidente”.
No meu caso pessoal o desastre de que vos vou falar podia ter sido evitado. Por isso o refiro, para que não tenham de sofrer na carne aquilo que eu sofri.
É desumano e doloroso ter de aprender desta forma, acreditem. Conto-vos a história:
Numa das saídas que fiz com o Luís Ramos, visitámos uma zona onde seria pressuposto haver garoupas de bom tamanho.
A pensar nisso, preparei o equipamento de pesca com requintes de malvadez, tudo impiedosamente extra forte! A escolha foi no sentido de um multifilamento da Berkley, uma das melhores linhas do mercado, um dyneema.
Carga de resistência de 38 kgs, 80 libras, para um diâmetro de 0.25mm. Baixo de linha Daiwa em fluorocarbono 60 libras! Os anzóis dos assistes eram os do Luís, com provas mais que dadas.
À partida uma solução de efeito garantido.
Viria a ter de engolir em seco este termo do “efeito garantido” pois isso não existe num teatro de guerra como a pesca.
A dada altura, e à voz de comando do mestre, lancei o meu jig sobre um fundo a rondar os 140 metros. Enquanto assistia à queda do jig tentava empurrá-lo com os olhos, impaciente, para o fazer descer mais depressa.
Segundos depois, senti a peça metálica bater na pedra. Estava finalmente em baixo, a pescar numa zona de monstros marinhos.
Levantei o jig uns dois a três metros e voltei a deixá-lo cair, suavemente. Um pequeno cachucho veio esbarrar nos anzóis, cravou-se, fazendo vibrar a ponteira.
Naqueles momentos de expectativa, de stress, de nervoso miudinho, tudo o que faça trepidar a ponteira da cana faz-nos engolir saliva e sentir arrepios de frio na coluna.
Era apenas um peixinho pequeno, atrevido, a tentar a sua sorte. Ter um peixe isca a debater-se nos anzóis está longe de ser negativo, até porque se pesca bem quando temos um jig potenciado por uma isca viva no fundo.
Mostro-vos o aspecto de um dos peixes mais eficazes que podemos utilizar, as “grelhas”, um peixe de meia água que resiste no anzol, que se debate e é altamente atractivo para as garoupas.
Ei-lo:
Lindo! Esta mistura de boga com carapau é perfeita para isca viva. E vive a poucos metros do fundo, por norma está sempre perto do nosso potencial alvo, uma garoupa. |
Mas na circunstância aquilo que ferrei foi outro peixe, um cachucho, também uma vítima perfeita para a função. São peixes de 300 a 400 gramas e servem bem.
São também apreciados, e comidos. Vai dar ao mesmo, com a diferença que este último é um pouco mais encorpado, mais rijo, mais consistente. Isso viria a perder-me, no primeiro embate com o meu monstro.
A pesca é algo de tão aleatório que até nisso podemos ter sorte ou azar: basta que o jig seja engolido pela garoupa com os anzóis nus, e temos luta. Ferra sempre.
Ou que aquilo que morde o jig seja um peixe mais macio, mais pequeno, e não um coriáceo habitante dos fundos ou ainda pior, um peixe venenoso, um daqueles que não são mordidos por nada nem ninguém. O peixe balão entra nessa categoria. Os rascassos idem, nada lhes toca. Vejam um abaixo, pescado pelo Luís.
Mas desta vez, não era isso, felizmente tive sorte, calhou-me um cachucho.
Este peixe, o Lutjanus purpureus, é muito vulgar naquelas águas, e faz parte da dieta diária dos grandes peixes.
Não estava pois mal servido de isco, em regime de atrelado ao meu jig. Vejam-no abaixo:
Era esta a espécie. Os locais comem-nos. De resto, ainda estou para perceber que tipo de peixe não lhes convém... |
Fiquei então com este peixinho ferrado, a estrebuchar nos meus assistes. Deixei-o ficar a dois palmos do fundo, conforme tacitamente havia acordado com o Luís.
Passados alguns segundos, um esticão brutal quase me arrancou a cana da mão!!!
Não sei se vos conseguirei explicar por palavras aquilo que se sente quando de repente ficamos cheios de dúvidas a martelar na cabeça: eu consigo ou não aguentar isto!??
A dúvida era se o peixe seria capaz, ou não, de me levar a cana das mãos. O cérebro dizia: “Sim, vais aguentar porque és mais pesado que o peixe. Dá-lhe com tudo!”...
Quem teria mais força?! Pela ordem natural das coisas, eu iria ganhar. Os dedos crispados sobre a pega da cana e o carreto não apostavam assim tanto...
Para mim, estava um monstro lá em baixo, ferrado, perfeitamente ferrado, que me iria dar a luta que eu estava à espera. Preparei-me mentalmente para um ansiado e longo combate.
Mas logo de seguida senti a linha solta de novo. Largou! Ouvi o Luís gritar algo como “lança de novo, rápido!!!!”.
Na verdade já o estava a fazer, mas completamente surpreendido por não ter o peixe cravado nos anzóis. A pressão era tão grande que achei impossível o peixe não estar ferrado. Mas passados dois ou três segundos…largava!
E outra e outra vez, sempre a sentir que um peixe gigantesco estava interessado em algo que era meu, o meu jig, mas sem cravar.
Cinco vezes o peixe atacou forte, cinco vezes largou, deixando-me absolutamente desesperado. Digo-vos que ao sentir puxar a linha violentamente tentei ferrar aplicando o máximo de força possível. E não deu…!
As pancadas verticais que lhe dei seriam suficientes, caso se tratasse da minha mão, para me enterrarem os anzóis até ao ombro. E todavia não consegui ferrar.
A explicação chegou um minuto depois. Recolhi a linha...
O estupor do cachucho tinha os dois anzóis cravados na cabeça, as pontas e barbelas bem no meio do crânio, enterradas nos ossos. O crânio encaixou perfeitamente e por completo na curvatura dos anzóis. Bloqueou-os.
Foi isso que não permitiu a entrada de algo mais, neste caso a pele e o osso da boca da garoupa.
Impossibilitada a possível ferragem, a garoupa atacava uma e outra vez, querendo morder o isco, mas não havia espaço para a sua ferragem. Batia e largava!
O osso duro e consistente da cabeça de um pequeno peixe, tramou-me. Reparei à superfície que o corpo do cachucho estava completamente amassado, desfeito, da violência das dentadas.
Pouco mais era que uma papa inerte. Má sorte ter o crânio tão rijo...
Algo parecido com uma boca destas mordeu cinco vezes e não cravou um único anzol, não me deu um único ponto de fixação. |
À noite, ainda não refeito do trauma, tentei engolir um jantar que não me passava na garganta.
Preparei de novo as linhas, refiz a baixada com fluorocarbono novo, vi e revi as argolas, o sólido e o split ring, preparei os nós com esmero e cuidado.
Quanto mais nos aproximamos dos limites máximos que os nossos materiais suportam, mais cuidados somos forçados a ter com o equipamento.
É inglório perder um peixe troféu por um detalhe tão insignificante quanto uma argola, um anzol.
Nesse aspecto, e porque pesco em Portugal com equipamentos muito ligeiros, tenho um treino substancial, e de muitos anos. Estou especializado em puxar peixes para cima com fios de cabelo fininhos. Com ligeirezas...
O meu melhor é um pargo capatão de 11 kgs com uma linha PE 0.6, baixada fluorocarbono 0.30mm…e um coração forte capaz de aguentar os tremeliques da tremenda aventura que é chegar acima com um peixe que faz a força que imaginam. Foram cerca de 10 minutos penosos, sofridos, filmados pelo meu companheiro de pesca Carlos Campos, ao largo de Sines.
Toda a experiência que acumulamos ao longo da nossa vida acaba por nos servir quando as coisas apertam. No caso desta garoupa, não tive a menor oportunidade de fazer melhor, porque os anzóis estavam bloqueados, e por isso o peixe não ferrou.
Mas o assunto não iria terminar assim. Foi combinado que no dia seguinte iriamos fazer mais uma tentativa, e o meu companheiro cumpre as suas promessas.
A noite foi longa, e quando o Luís chegou com o carro, eu já estava à espera.
Cumpri o ritual de deixar a roupa e sapatos da pesca do dia anterior a um canto, no cais. Invariavelmente ao chegarmos à tarde não estava lá nada…
A ideia era vir para cá muito mais leve, sem excesso de bagagem, e por isso levei apenas roupa descartável.
Quando saímos a um destino desconhecido, com pesca desconhecida, acabamos por levar na mala tralhas que à posteriori entendemos serem inúteis. Mas só sabemos isso depois, pelo que não temos de nos penalizar. Bem pior seria estarmos desequipados, e não conseguirmos aproveitar o enorme potencial que Angola nos oferece.
Para quem pesca no nosso santo Portugal, e pouco mais faz que robalos, pargos e douradas, ter a possibilidade de sentir o poder imenso de um peixe de 40 kgs na ponta da linha era algo de muito motivador.
Estava pronto! O Luís garantiu-me que seria capaz de colocar o barco no mesmo ponto, e a garoupa, se tivesse fome, voltaria a atacar.
No próximo número do blog conto-vos o segundo round a esta garoupa.
Ela ferrada,…..foi...
Vítor Ganchinho
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ResponderEliminarOlá Sr Vítor !
Dá imenso gosto ler essas experiências.
Esse detalhe ímpar do peixe não cravar é de um gajo pensar : mas por que logo comigo ?
Mas deu também pica para não desistir e tentar novamente.
Já estou curioso para ler a segunda parte dessa narrativa.
Um excelente final de semana pra toda a equipa do Blog.
Oi Fernando!!
EliminarVamos ter de esperar até terça-feira para saber.
Eu por acaso sei, mas não vou contar tudo agora....
É não perder o próximo número, porque vai ser interessante.
Fernando, vamos ter dois workshops de 3 horas cada, em Setúbal, nos dias 20 e 21 de maio.
Um grande abraço!!
Vitor
Olá Sr Vítor !
ResponderEliminarVou ter de esperar sim :)
Ia me inscrever no Workshop hoje a tarde, depois do almoço.
Mas já não encontro o link disponível no Blog. Como faço para reservar uma vaga ?
Obrigado |
Olá Fernando. Estamos a simplificar, colocando o meu e-mail e o do Ernesto Lima, que é a pessoa que coordena por parte da Câmara Municipal de Setúbal.
ResponderEliminarUtilizando um ou outro, não pode falhar.
Fica também registado o ponto da entrada no edifício do Mercado Municipal. Na verdade é simples: é mesmo a meio do edifício, na fachada principal.
Não pode haver engano.
Vou lá estar sábado e domingo, das 16.00h às 19.00h.
Temos muito peixe para dar luta...
Abraço
Vitor
...as vezes o peixe é teimoso,mas parece-me que com a persistência e sabedoria dos mestres ela nao se safa.....venha o segundo round 🎣👍
ResponderEliminarBom dia Simão!
EliminarEstou a preparar as coisas, e desta vez com conhecimento de causa.
Vou retornar ao sitio do crime, mas muito melhor preparado para o combate.
Parece-me importante ir de calças pretas, em tronco nu, e com uma fita vermelha no cabelo. Acho que é assim que o Rambo vai para a luta....
Vamos ver como sai.
O que é garantido é que vou ter com o Luis e levo o corpo todo besuntado de óleo, para parecer mais musculoso...
Não queria estar na pele dela.
Abraço
Vitor