PESCAR MONSTROS

Como posso eu mostrar-vos fotos e filmes de um mundo que não existe?

E se não existe um mundo assim, como poderei trazer-vos aqui imagens verdadeiras desse mundo?
Peixes com mais força que pessoas?!! Isso existe?!
A dada altura desconfio muito mais da minha razão, do meu cérebro, que dos meus sentidos. Ouço o ruído da água do mar a bater contra o casco, sinto o cheiro da maresia, vejo um barco que passa ao longe. Aparentemente tudo está normal em mim.
As minhas mãos, crispadas, seguram a cana e dizem-me que há algo a puxar pela linha lá em baixo. Tenho sensibilidade: sinto pressão, cabeçadas, um peso descomunal.
Um bicho muito grande, um monstro, luta pela vida do outro lado da linha. As mãos estão tensas, apertadas, a envolver a cana e carreto, e não querem largar por razão nenhuma.
A pesca é assim, é pressuposto que os peixes puxem do lado de lá e que eu faça a minha parte, puxando deste.
Cumpre-me trazê-los até mim, e para isso tenho de enrolar linha. Mas não consigo…a manivela do carreto não roda. Faço força e não roda. E assim sendo, a linha não entra e o peixe não sobe.

Sei bem que devo pensar, devo utilizar o meu cérebro, ser racional, mas o peixe traz-me para um patamar de diálogo que apela única e exclusivamente à força. Força a sério! Só força.
Algo a que um ser pensador como eu tem uma aversão pura e visceral. Nunca gostei, incomoda-me ir por essa via. Nunca resolvi os meus problemas apelando ao músculo.
A dada altura transpiro abundantemente e já não consigo controlar a respiração, estou ofegante. Uma gota de suor corre-me lentamente pela testa abaixo, mas não a sinto.
Só não quero perder a cana e o carreto e é nisso que foco a minha atenção.


Para mim, este mero dentão é um bom peixe. Para o Luis é apenas mais um peixe. Todos os dias pesca alguns destes, …ou maiores.


Nem tudo é mau: não há bem que sempre dure, nem mal que não acabe.
A realidade da pesca também é algo dinâmica, e sei que ao fim de algum tempo aquele sofrimento pode acabar. Forçosamente vai acontecer algo, e alguém vai ter de perder.
O peixe pode desistir, ou eu posso desistir. Caso eu não tenha mais forças, o peixe ganha, e fica com o meu equipamento Daiwa. Pobre consolação para quem nem faz questão de ficar com ele, penso. A mim faz-me muito mais falta e por isso não o deixo ir para baixo, não largo enquanto não chegar ao meu limite de resistência.
As minhas percepções sensoriais enganam-me, parece-me que a luta irá durar para sempre porque é isso que tenho de momento em mãos. Cedência zero de ambas as partes!
O peixe mantém a pressão, não me dá o menor sinal de querer uma trégua, um breve descanso. Lutamos centímetro a centímetro, o peixe a valer-se do seu peso, força, tamanho, e da profundidade a que se encontra. Alguém terá de ceder, aquele braço de ferro terá forçosamente de acabar.
Excepto os diamantes, nada é eterno. Sei disso.
Só não sei quando acaba a luta e essa dúvida atormenta-me. Somos, enquanto europeus, muito dados a comodismos, a prazer imediato. 


A força que um peixe destes faz é algo de incrível.

Como pescamos? Com jigs. 
Já aqui aflorei a questão, mas gostava de vos poder mostrar mais em detalhe a questão da pesca com jig 
e ao mesmo tempo com isca viva. Acontece frequentemente que se cravem peixes na descida, ou até mesmo junto ao fundo, quando estamos a tentar os grandes.
Se temos a sorte de conseguir uma destas capturas, um carapau, um pequeno pargo, e ao invés de recolhermos para lançar de novo, aquilo que deve ser feito é mesmo deixar cair o jig, e esperar o ataque de um predador que esteja nas redondezas.
Por estranho que vos pareça, isso é algo que acontece quase de seguida. Um peixe miúdo estrebucha, tenta libertar-se do anzol, e de imediato surge na zona uma destas garoupas, a engolir o infeliz!
O conceito não é novo, e já o pratico em Portugal há muitos anos, em Setúbal. De resto, muito mais gente o faz, por exemplo a pescar pargos grandes ou …peixe-galo.
Se pescamos fundo, acaba por ser inglório ter de levantar a pesca uma centena de metros, ou mais, apenas para içar um mero carapau. Pura perda de tempo.
Contribui muito pouco para a nossa caixa de peixe, mas muito para um cansaço físico geral que irá acumular-se ao fim de muitas horas de jigging.

Mesmo peixes mais pequenos acabam por nos pôr à prova.
Vejam isto:

Clique na imagem para visualizar e na rodinha das definições para melhorar a qualidade


Este é um peixinho (conhecido localmente por… “grelha”) uma isca de primeira qualidade para as grandes garoupas. Uma mistura de boga com carapau, mas em versão vermelha. São francamente bonitos.


E afinal, em termos de seriedade, o que é afinal isto de pescar com jigs, mas ao mesmo tempo com isca viva?! É aceitável do ponto de vista moral? Desvirtua a pesca jigging enquanto técnica?
Responda e critique quem achar que tem moral para o fazer. A maior parte dos ataques são feitos ao jig, nu, despido de isca. Mas se acontece, há que aproveitar a circunstância de termos um pequeno peixe preso.
Não estamos a fazer mais que tirar partido da agressividade natural dos predadores e a dar-lhes de mão beijada uma isca viva, presa, limitada na sua capacidade de fuga.
O contacto é sempre muito violento. A pancada surge normalmente depois de dois a três segundos de agitação da ponteira da nossa cana. Leia-se que o infeliz peixinho preso nos anzóis do nosso jig, acabou de ver chegar junto a ele uma boca grande, armada de dentes impiedosos. Tenta escapar, mas tem a limitá-lo o peso e desconforto de um jig que pode ter 180 gramas.
O instante seguinte não é mais que a natureza a trabalhar como sempre fez: o predador, ignorando os anzóis e a peça metálica, investe, e crava-se por si no nosso jig. Sentimos um impacto brutal!
O resto é esforço, é desespero, e muito sofrimento.


Vejam o efeito fatal que um destes peixes provoca nesta garoupa. Aqui eu estava a pescar com um jig Deep Liner de 160 gramas, com assistes japoneses Shout.


Tentamos a todo o custo que os peixes não engulam o jig, ou a “sandes mista” de jig mais peixe vivo. A razão prende-se com o seguinte: este tipo de peixes dispõem de várias fileiras de dentes duros e afiados. Estas linhas de dentes são altamente abrasivas para as nossas linhas. Caso consigam engolir a isca ou o artificial, aquilo que acontece é que durante todo o percurso de subida, vão ter tempo para esgaçar a linha, para a desgastar a tal ponto que acaba por romper.
Nesse sentido, as linhas que apliquei nas baixadas foram a nova Daiwa fluorocarbono de 50 libras, das quais vos passo aqui uma imagem:




Não tive qualquer rotura desta linha fluorocarbono durante todo o tempo de pesca, uma semana completa. Cheguei mesmo a pescar com leader de 60 libras, já desconfiado da força descomunal daqueles peixes.
Não faz sentido investir tempo e recursos financeiros em tanta coisa e depois ficar na mão por causa de um troço de 3 a 4 metros de linha de baixada. Ali, tudo o que conhecemos de melhor em termos de equipamento, justifica-se. Nada de poupanças, porque a cada momento, o peixe da nossa vida pode aparecer e é bom que estejamos preparados e equipados.  
Para o nosso país, penso que só mesmo a pesca às corvinas poderá justificar a aposta em linhas tão fortes, 40, 50 ou mesmo 60 libras. A opção 30 libras chega para a maior parte dos casos.
Sendo fluorocarbono de alta qualidade, resiste à abrasão muito mais que o nylon, e isso dá-nos confiança, e a garantia de que não será por ali que vamos perder o peixe.
Pensem nisto: nós nunca sabemos quando é que do outro lado vai estar o peixe da nossa vida.
Tendo isso em consideração, vale a pena utilizar linhas baratas? Queremos mesmo poupar 5 euros e levar material que rompe?!....
Queremos poupar no custo de um anzol que custa cêntimos?!...

E se perdemos um peixe destes?
Vejam o filme:

Clique na imagem para visualizar e na rodinha das definições para melhorar a qualidade


Aqui pesquei uma garoupa com um jig japonês de 160 gr que ainda me deu algumas alegrias, …antes de ser levado por um daqueles monstros. Perdemos sempre alguns jigs, por esta ou aquela razão, convém levar algum stock.


No caso de alguém pretender ir para uma expedição de pesca e necessitar de alguns conselhos, estou, como sempre estive para qualquer outra situação, disponível para ajudar.
Basta contactar a GO Fishing Portugal e marcar uma reunião comigo, ou pedir o meu contacto telefónico.
Uma saída de pesca deste tipo leva pelo menos dois meses a preparar. Há imensas formalidades a cumprir. Lembrem-se que vão necessitar de um visto de entrada no país.
Vão ter de fazer pagamentos em dólares, e isso implica uma visita física ao vosso banco. E vão ter de ser portadores de todo o material de pesca que irão utilizar, porque não adianta de nada querer comprar lá. Não conseguem.
Fui para Angola meio desfalcado de canas. Explico porquê: a cada viagem que faço ao Japão, (estive lá em Fevereiro deste ano), corresponde a compra de um conjunto de canas de último modelo.
Consequentemente, acabo por vender por metade do preço as anteriores. A minha mulher faz coleção de malas e sapatos e diz-me a mim que não posso ter demasiadas canas e carretos.
Mas enfim, vendo algumas canas para ir por outras. Duas canas pagam uma, e consigo espaço em casa para as novas, que inevitavelmente têm um detalhe a mais que as anteriores.
Nem que sejam questões meramente estéticas. Na circunstância, fiquei sem as canas que tinha para pesca jig profunda, e soube a seguir que as novas canas encomendadas não iriam chegar a tempo.
Por isso, desta vez, acabei por sofrer um pouco mais do que o necessário, tive de improvisar, mas faz parte. Estarei melhor equipado da próxima vez.
Também os carretos são sujeitos a duros trabalhos, e é bom que sejam muito sólidos. Desde logo porque irão trabalhar sem o recurso à sua possibilidade de largar linha. É directo, sem embraiagem, porque um metro de linha que sai pode ser o fim.
Os fundos têm pedras, e é certo e sabido que estes peixes vão fazer tudo para se roçar nelas, ou até entrar nalgum buraco. Se o conseguem, acabou, pelo que a solução é mesmo pescar de drag fechado no máximo.
Os jigs chegaram, mas também a carga que levava era assustadora. Digo-vos que a TAAG permite o transporte de duas malas, com 20 kgs de peso, e existe alguma tolerância de carga.
As linhas são importantes, mas não menos importantes são os nós. Não há que hesitar, se não soubermos fazer, vale a pena aprender, porque é inglório ter os peixes no jig e acabar por perdê-los por um nó mal executado. Não é bom que esse seja o fusível do nosso set de equipamento. Algum elemento terá de o ser, mas esse não nos ajuda em nada.
Entre a cana, o carreto, a linha multi, o fluorocarbono, os split-rings, os sólidos, e os anzóis dos assistes, temos uma imensidão de acessórios que nos podem falhar. E forçosamente um deles será mais fraco que os outros.
A ideia é fazer com que a parte mais fraca do nosso equipamento seja mais forte que o mais forte dos peixes que vamos ter na ponta da linha. Tudo vai ser posto à prova! Tudo! Até a nossa pele.
Luvas, chapéu, protector solar, roupa leve, tão fresca quanto possível, mas a cobrir bem o corpo. O sol é impiedoso, e não é o nosso…

Vamos continuar no próximo número, ainda há muito para vos mostrar.



Vítor Ganchinho



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8 Comentários

  1. Mais uma grande entrada para o blog. Parabéns

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    1. Bom dia


      A ideia é sempre a mesma, é sair da vulgaridade dos baldes de peixinho pequeno e uma ou duas frases.

      Esta série de artigos sobre a pesca grossa em Angola está escrita, vão sair mais alguns números, e a seguir voltamos aos nossos robalos.

      O que não falta é peixe e histórias de peixe para contar.


      Abraço
      Vitor

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  2. Boa tarde Vítor


    "Não perca os próximos números, porque vai aparecer peixe grande...."
    Não perco nada e acabei de ler este excelente artigo onde aparecem peixe monstrosos. 😁 Fantástico

    Grande Abraço
    Toze

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    1. Também vai haver um que é só à base de bogas...

      Tozé, ainda vai chegar mais carga, fique descansado que há mais peixe para subir.

      É o Hugo Pimenta quem faz a gestão dos artigos, eu só dou aos dedos.
      Vai ver que ainda tem mais uns peixinhos para escamar....



      Grande abraço!!


      Vitor

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  3. ...realmente esse mundo não existe ( para alguns ),para outros é o dia a dia...águas de Benguela e os seus monstros espetaculares :-) ,não há duvida a questão de bons equipamentos é tudo colocado á prova até ao limite e é simplesmente espetacular de se ver. Ansioso do próximo artigo e entretanto vou pescando umas "grelhas" por cá :-)

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    1. Bom dia Simão


      O Luis está em super forma! Penso não cometer nenhuma inconfidência se lhe disser que ele fez uma garoupa com 36 kgs, e dois dias depois, ontem, uma com 42 kgs!!!

      A época é boa, e ele tem mãos para o assunto.

      E não vai para por aqui.
      Só espero que o barco "Incrível" não vá ao fundo por ele ferrar um submarino angolano....



      Abraço!
      Vitor

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  4. Muito bom! Mais uma mostra de bom gosto e saber estar dos dois! Classe e humanidade! Ainda o Vitor queria deixar de partilhar, Obrigado por nos levar para que possamos tentar aprender! Venha de lá esse livro! Muito Obrigado!

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    1. O livro irá sair, mas confesso que não tenho feito muito por ele nos últimos meses.

      A verdade é que estou a jogar em muitos tabuleiros ao mesmo tempo, e nem sempre a escrita tem prioridade.

      Neste momento estou ocupado a escolher o meu próximo barco.


      Mas sobre o tema Angola há para mais uma semana, acho eu.
      Vamos ainda subir mais uns quantos peixes bonitos.


      Abraço
      Vitor

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