Recebo com alguma frequência fotos e comentários de pessoas do nosso país que pretendem ver os seus resultados de pesca publicitados no “peixepelobeicinho”.
Raramente o faço, não só por termos aqui uma linha editorial bem definida, onde não cabem excessos nem ilegalidades, mas também porque somos exigentes quanto à qualidade das fotos.
Podemos aqui no blog ser condescendentes quanto a uma pesca mais afortunada, desde que não exceda os 10kgs + maior exemplar legais, mas não quanto a peixes que visivelmente não cumprem com as medidas mínimas permitidas por lei. Não me mandem fotos com dezenas, ou centenas de robalos juvenis, peixinhos de 15 cm. Por favor, isso não!
Nunca serei capaz de entender o que pode levar alguém a fazer uma chacina e a vangloriar-se disso.
Vamos fazer hoje um ponto de situação relativamente ao registo das nossas pescarias, e à divulgação que lhes é dada através das redes sociais e blogs de pesca.
Não é estranho que alguém lute por quebrar os seus próprios recordes, que queira ir mais além, e consequentemente pretenda imortalizar os seus momentos de superação em imagem. Isso faz todo o sentido.
Já aqui publicámos inclusivé artigos que visam melhorar a obtenção de fotos em situações de pesca.
A fotografia é algo que tem mesmo muita importância porquanto ela é a via para a eternidade de um momento bom, algo que queremos preservar na memória para um futuro longínquo. Para mostrar aos netos…
O primeiro conselho a dar é este: fotografar o peixe em vida aumenta bastante a qualidade da imagem. Vale a pena parar uns segundos e imortalizar as cores de um peixe enquanto ele está vivo.
As cores, as formas, tudo ganha com o sentido de vida de um exemplar acabado de pescar.
Mas há quem não pense assim, e guarde para o fim, para quando já não há mais vida debaixo do barco, quando já não há possibilidades de pescar mais, para fazer as fotos. E surgem as inevitáveis e cinzentas fotos de peixe morto e se possível em grandes quantidades.
Bem sei que isso não incomoda a quem o faz. Afinal de contas, está tudo lá, os peixes, o barco, a caixa. Mas fica a faltar ….”brilho”. E se a foto é feita em casa, dentro de um lava-loiças, ou de um alguidar de plástico, …pior.
Uma foto boa é uma foto que mostra o exemplar na plenitude das suas capacidades, ainda vivo, e no seu ambiente natural, o mar.
Esta ideia choca de frente com a ânsia que colocamos em pescar mais, em aproveitar o momento em que o peixe “está a dar”...
Se temos um cardume a passar por baixo do barco, podemos ter pouco tempo para reagir a tempo de conseguir mais um peixe. Como fazer?
Há evidentemente decisões a tomar: queremos mais peixe, ou queremos uma boa foto? Podemos ter ambas as coisas?
Com um pouco de boa vontade e conhecimento, é possível um meio termo. Ter à mão um telemóvel com boa resolução de imagem, ou uma camara, não é difícil.
Ter um amigo que se sacrifica a fazer um conjunto de fotos em tempo recorde também ajuda. Quando falo em sacrifício isso prende-se com o facto de ter de haver alguém que prescinde de tentar fazer o seu próprio peixe, (e quantas vezes isso se consegue, à passagem de um cardume, aproveitando a excitação generalizada…), para dedicar de forma altruísta alguns segundos a fazer a função de fotógrafo.
Em definitivo, captar a imagem no momento subsequente à captura é algo que se impõe. Bem sei que há quem não concorde, que o mais importante é pescar o máximo possível, e “depois logo se vê”.
E isto aplica-se às fotos, mas também a assuntos bem mais profundos. Até da própria preservação do meio ambiente, que a muita gente não interessa nem um pouco.
Parece-me importante pensar a pesca numa perspectiva de continuidade, de deixarmos aos nossos filhos algo que possam ver e fazer. E amar!
Mas não querem saber! Porque estas pessoas têm do espaço líquido onde pescam uma perspectiva de “propriedade” sua, de lugar onde podem ir extrair peixe para levar para casa, apenas.
Entendendo o mar num sentido materialista, visto pela perspectiva de um pescador pouco informado, este existiria apenas para produzir o sentido de si mesmo: uma gigantesca maternidade de peixes para serem pescados.
Parece-me este conceito um absurdo, porquanto instintivamente eu não consigo ver o mar dessa forma, como um gigantesco balde onde se guardam peixes!
É sim um espaço com uma harmonia própria, onde também vivem peixes, e onde podemos ir. Um lugar a ser sagrado para nós, que o deveríamos respeitar e, no entanto, tudo fazemos para o destruir.
Se este é um modelo já pensado, e de facto nada tem de novo, é ainda assim algo que nos deveria fazer reflectir. Até na própria questão das fotos. Sendo legítimo que se procure a transcendência, o recorde de pesca, ele deveria assentar sobretudo numa
base de tamanho, de um exemplar de excepção, e não num princípio de quantidade, de muitos peixes. Porque esse “recorde” não tem interesse nenhum, é apenas uma simples e parva manifestação de falta de inteligência.
E é por isso mesmo que eu não aceito a leitura de qualquer tipo de blog, sobretudo daqueles que se limitam a publicitar excessos.
É verdade que os blogs são importantes. Os blogs de pesca fazem falta. São canais de comunicação abertos, e, melhores ou piores, cumprem a sua função informativa. Já se avançam para a área formativa, isso é outra questão.
Há muitos, felizmente são muitos, e todos têm os seus seguidores, que os procuram de acordo com o seu padrão de exigência literária.
Conhecem o meu estilo, o “peixepelobeicinho” mas acreditem que, segundo pessoas próximas que me falam deles, haverá muitos outros e bons, elucidativos. E haverá seguramente imensos que vale a pena ler.
Eu não os leio, por uma razão simples: quero concentrar-me naquilo que faço, respeitar um estilo que, bom ou mau, é o meu. Zero influências.
Também o tempo que posso dedicar a questões de pesca é este, não consigo inventar mais tempo, pois tenho muitos outros interesses na minha vida.
Mas sem dúvida, os blogs são importantes meios de divulgação de conhecimento. Assim o pretendam fazer, e não uma simples montra de peixes mortos dentro de um balde, com a inevitável frase em rodapé, “Hoje foram…duzentos destes! “…
Reafirmo a importância dos blogs enquanto meios de comunicação.
Se um dia se depararem com uma situação insólita no mar, algo que não entendem, provavelmente haverá alguém que já o viu e explicou num blog. E podem aí encontrar a informação requerida.
Desde que não sejam simples exibições de peixes, uma desenxabida e inútil “feira de vaidades”, valem a pena.
Por isso mesmo, pensem em todos aqueles heróis que arriscam escrever, explicar, dar as suas opiniões, expor-se ao escrutínio de quem os lê.
E fazem-no de forma gratuita, sem outro interesse que não seja mesmo ajudar a explicar. As pessoas que mantêm blogs activos no nosso país mereceriam um pouco mais de atenção, um bom pouco mais de carinho. E menos indiferença.
Porque a alternativa é ter nada, é ter zero.
Tenho um amigo franês, Robert Roussel, um filósofo que sabe muito da vida, e que me diz: “Vítor, por vezes pergunto-me porque existe algo mais do que nada”…
Aquilo que é necessário de imediato é sermos capazes de redefinir o padrão de qualidade da nossa pesca, e até daquilo que se escreve sobre pesca. Devemos ser mais exigentes!
A pesca não pressupõe ser praticada e escrita apenas para pessoas de camisas de quadrados, barba por fazer e um cigarro ao canto da boca.
Não consigo admitir que, pelo facto de sermos pescadores de linha, tenhamos forçosamente de ser conotados como seres de capacidade intelectual pouco menos que indigente.
Gosto de pensar que um dia serei capaz de elevar o nível de um artigo de pesca a uma escala que o coloque em linha com qualquer bom artigo de economia, de actualidade politica, sem subserviência, sem complexos de parente pobre e inclusive me leve a ter orgulho no meu trabalho durante algum tempo. Não somos menos pelo facto de sermos pescadores.
Porque pescar não tem nada de pequeno, no sentido pejorativo do termo. Não é uma actividade menor!
Se a pesca está a mudar, se as pessoas cada vez aceitam melhor que se eliminem excessos do passado, (pescas de robalos ou douradas para …fritar), isso quer dizer que algo está a ser feito. As mentalidades estão a mudar!
E se vamos nesse sentido, o correcto, não contem comigo para publicitar excessos, não vale a pena enviarem-me fotos de baldes de dezenas de peixes juvenis porque eu nunca serei conivente nem responsável por esses excessos, que infelizmente ainda existem.
Não aceito que alguém tente reduzir aquilo que fazemos a uma simples matança de peixes. Porque não é isso!
Aqui, neste blog, tratamos de fazer ver para onde vai a pesca, apontar o futuro que nos espera, e não apenas de onde veio. Porque o passado, esse sabemos qual foi e nem todo terá sido demasiado brilhante.
Cometeram-se atrocidades, matou-se peixe sem sentido, e se o desculpo hoje, isso deve-se ao facto de saber que os tempos eram outros, as palavras ecologia e preservação nem existiam com o sentido que lhes damos nos dias correntes.
Que muitos teimem em querer manter esses tempos idos, o tempo dos peixinhos para fritar, é algo que envergonha quem se assume como pescador a sério.
Somos mais que pescadores de ...miudezas.
Vítor Ganchinho
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