Sei definir com alguma exactidão o que pode corresponder a um toque na cana dado por um peixe.
A experiência diz-me que aquela vibração não é igual às outras, as provocadas pela corrente, pelas ondas, pelos movimentos balanceados do barco.
Posso mesmo presumir que os meus anos de pesca me darão algumas certezas quanto a isso. Quando temos experiência suficiente, sabemos detectar um peixe que morde.
Outra coisa bem diferente é sermos capazes de ferrar 100% dos peixes que tocam na nossa amostra. Não conseguimos nunca!
De facto, ao longo de um dia de pesca todos nós perdemos inúmeras oportunidades.
Analisar aquilo que se passa, em detalhe, pode conduzir-me a pistas que me ajudem a ser capaz de garantir esses peixes que me escapam, por falta de reacção atempada da minha parte.
Para isso, entendi ser importante fazer alguma formação na área da acuidade visual, velocidade de reacção a estímulos sonoros e a dados sensitivos.
Este artigo reflecte precisamente isso, a minha vontade de querer ir mais longe, ser mais eficaz. Perceber como funciona o sistema, para a seguir conseguir fazer melhores resultados.
Se acham o tema interessante, venham daí comigo para saberem um pouco mais sobre o processo de identificação cerebral e reacção física despoletado pelo toque de um peixe.
Sentir um peixe morder e não chegar a tempo de o ferrar é algo que me incomoda. Afinal de contas, não temos centenas de picadas por dia, temos duas ou três dezenas, na melhor das hipóteses.
Não posso pedir muito mais ao meu material de pesca, todo ele topo de gama, super sensível. Não, o problema não é o material, …sou eu mesmo!
Cravar um anzol na boca de um peixe exige uma conjugação perfeita de diversos factores. O jig tem o tamanho adequado, os anzóis dos assistes são novos e por isso bem afiados, a linha tem o diâmetro certo, não é arrastada pela aguagem e por isso conseguimos uma ferragem perfeita, vertical.
Também a cana tem a acção ideal, e por sorte o nosso foco estava precisamente na informação dada pela ponteira sensível. Uma ligeira vibração, contacto, e reacção atempada.
Quando tudo corre bem, o peixe é nosso.
Mas nem sempre isso acontece.
Porque no momento do contacto estávamos “distraídos”, porque a concentração não era máxima, porque chegámos atrasados ao momento em que deveríamos ter contraído o braço para ferrar.
O que é esta coisa da reacção …atempada?! O que é isso de ….”ir a tempo”?
De que forma pode a nossa acção ser decisiva a partir do barco, se é o peixe quem morde a amostra, e está longe de nós?
A distância a que acontece o contacto é tão grande que inevitavelmente teremos um intervalo de tempo significativo entre a sua ocorrência real e a nossa tomada de consciência de que algo se passou.
Parece-nos que não, que tudo acontece ao mesmo tempo, de forma aparentemente muito rápida, mas na verdade não é assim. Há um intervalo de tempo que é cinzento, …“terra de ninguém”.
As teorias são sempre seguras, até ao momento em que são confrontadas com a realidade. Na verdade perde-se um tempo infinito a reagir, estamos longe de ser capazes de ser tão rápidos quanto o são os nossos peixes.
Se temos algum sucesso e conseguimos colocar peixes na caixa, na maior parte das vezes isso deve-se mais à qualidade dos materiais de pesca que à nossa performance individual.
É a experiência aquilo que nos leva a antecipar cenários de pesca, a adivinhar aquilo que vai acontecer a seguir. Não fora isso e os resultados seriam ainda piores.
Muito daquilo que fazemos nem é reacção a nada, é apenas corresponder a um estímulo já conhecido e experienciado, é tentar adivinhar o que se vai passar a seguir. Por vezes acertamos.
Tenho, ao longo dos anos, um registo mental daquilo que pode resultar em pesca e também daquilo que não resulta de certeza.
Mas como é formada essa “imagem”, essa intuição de que algo se está a passar e necessita da minha reacção imediata?
Peixes pequenos podem dar toques na nossa amostra e ainda assim normalmente não resultam em capturas. |
Neste ponto, devo dizer há que fazer aqui a “apologia do fracasso”, ou seja, as nossas experiências negativas, os nossos desaires ajudam-nos imenso a perceber o que estamos a fazer bem, ou não.
Formatamos ideias muitas vezes a partir de quase nada. O cérebro humano detecta ilusoriamente imagens que lhe são familiares, comuns. E o toque de um peixe é isso mesmo, ao fim de 20 ou 30 anos de pesca já tivemos muitos milhares de toques.
Por outras palavras, o nosso cérebro faz previsões de acontecimentos baseado em experiências anteriores, em padrões armazenados na nossa memória.
Quando os nossos olhos captam imagens, elas são formatadas pelo cérebro de maneira a que se encaixem em algo conhecido. Se quiserem, a que se enquadrem em códigos ou factos já conhecidos.
E aqui entramos no domínio da percepção, do “parece-me que é isto que está a acontecer”.
Assim, aquilo que julgamos ver não é mais que um processo mental resultante daquilo que os nossos olhos estão a captar, mas filtrado pelo grau de conhecimento que temos daquele fenómeno.
Em suma, agrupamos informação, somamos muitos pequenos detalhes, juntamo-los em elementos que nos sejam entendíveis, que sejam algo reconhecível pelo nosso cérebro.
Isso, quando aplicado à pesca, pode originar erros tremendos!
Nem sempre é nítido e correcto aquilo que julgamos ver…. |
Mas por outro lado, é uma forma de o cérebro de cada um de nós se libertar de um trabalho exaustivo, permanente, de análise e codificação.
E que até pode ser inútil, ou de menor interesse. Quando se trata de “trabalhar”, o nosso órgão cognitivo pode ser muito “malandro”. Queremos ler apenas por meias palavras, por cima da rama, em cima do joelho.
As tarefas que o nosso cérebro desempenha são imensas, tantas que não podemos levar a mal que não se aplique a fundo em todas.
Mas isso irá induzir-nos em erro muitas vezes quando se trata de enganar um peixe. Muitas vezes são eles que nos enganam a nós!....
Não se preocupem, somos todos iguais. Já todos fomos enganados centenas de vezes por aqueles malandros….por isso, devemos guardar um pouco de espaço de solidariedade no coração de cada um de nós para quem sofre do mal de ter sido enganado por um…sargo.
Continuamos no próximo número, onde vamos falar de equipamento de pesca e da ajuda que ele nos pode dar a ser melhores.
Vítor Ganchinho
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Como pré iniciado de pesca ando a colher informações e não percebi afinal qual a reacção correta á sensação de picar.
ResponderEliminarOu ficará na parte 2?
Obrigado
Bom dia sr "P".
EliminarPenso que terá lido apenas o primeiro de dois artigos que escrevi sobre o tema.
Não sei se terá conseguido mais alguma informação depois de ter lido a segunda parte, de qualquer forma, o intuito não foi, nem o poderia ter sido, o de lhe explicar qual o momento exacto da ferragem.
Bem sei que as pessoas que se iniciam na pesca esperam de quem já pesca há muitos anos um conjunto de informações que lhes facilitem a vida, que lhes permitam pescar caixas de peixes sem esforço.
Isso não existe. Pescar é sempre difícil, por favor parta sempre deste princípio.
Nem sequer deve esperar que alguém lhe possa dizer "quando" deve puxar a cana para cima.
Faz parte de um processo de aprendizagem que leva anos a melhorar e nunca estará concluído. Os pescadores aprendem toda a sua vida....
Eu, que já levei muitas centenas ou milhares de pessoas à água, já as vi a pedirem-me informação do tipo: " depois de sentir a picada, conto até quantos?"...
Ou: " quantos segundos levam os peixes a engolir a isca?"...
Também já vi pessoas a puxar mesmo sem sentir nada, para ver se conseguem antecipar-se ao peixe e chegam a tempo da ferragem....
Acredite que o tema é muito interessante, e que, ao evoluir na sua condição de pescador, irá entender que será sempre a sua sensibilidade aquilo que fará a diferença.
Bons equipamentos dão-nos peixe, ajudam-nos a ser mais eficazes, mas isso é apenas um dos muitos factores que são decisivos no momento H. Melhor que ter uma boa cana é saber utilizar uma cana bem conhecida, experimentada, por ruim que seja.
Gostaria de o poder ajudar, porque tenho sempre boa vontade em relação a quem começa.
O primeiro passo é identificar-se, nós aqui no blog damos a cara, não nos escondemos.
Certamente entende.
O "P" é de Paulo, de Pedro, de ....?
Cumprimentos
Vitor Ganchinho