PESCA À LINHA - REAGIR A TEMPO - CAPÍTULO II

O artigo de hoje é a continuação daquilo que começámos no número anterior. 
Diz-me a experiência que deixarmos ao peixe a totalidade do trabalho de ferragem e nada fazer é perder uma boa parte de exemplares que poderiam acabar na nossa geleira. 
Se não estivermos atentos, é isso que acontece, deixamos ao peixe a tarefa de se prender sozinho. 
Muitas vezes sou contactado por pessoas que me dizem que nunca serão capazes de elevar o seu nível de concentração a um ponto de poderem estar focados apenas e só no acto de pesca. 
Algo como: “os meus amigos estão sempre a falar comigo….” ou “o pessoal está lá para a galhofa e descuida-se”…ou ainda “nós até sentimos os toques, mas não sabemos quando irão acontecer e por isso mesmo quase sempre somos apanhados …de pé no ar”. 
Pois. Na verdade, há uma linha vermelha, valores mínimos de atenção que não podem ser ultrapassados. Ou vamos para a paródia, e rimos muito, ou pescamos. 
Porque daí resulta, por exemplo, a perda de inúmeros toques na descida do jig. É fatal perder preciosas fracções de segundo quando chega o momento em que um peixe morde a nossa amostra. 
Se quiserem, pescar sem dar atenção ao acto, sem atenção, será algo tão absurdo como tentar fazer um puzzle de muitas peças, tendo apenas parte delas, não sabendo das outras que se extraviaram e sem que tenhamos sequer a foto geral desse puzzle. Ficamos perdidos. Nunca resulta!
Para obtermos sucesso, teremos forçosamente de controlar o número máximo de variáveis, colocar muitos factores do nosso lado, e isso passa também por estarmos…atentos! 
O resto é equipamento, é técnica, é capacidade de reacção explosiva e conhecimento. 
Faz sentido?



Partimos de um princípio universalmente aceite: os peixes têm diversas possibilidades de actuação perante o nosso jig, não há apenas um cenário possível. 
Podem decidir ignorar, não mordem, e aí …nada acontece. Mas também podem atacar o jig, ou vinil, e fazem-no a diferentes profundidades, na queda ou na subida, com toques subtis ou pancadas muito fortes. E não há aviso prévio. 
Nunca sabemos exactamente quando, e só por si isso já implicaria um desgaste tremendo a nível psicológico, uma focagem permanente, não fora o facto de podermos contar com equipamentos desenhados no sentido de garantir algum sucesso mesmo sem a nossa máxima atenção. 
O design das canas e carretos modernos já nos ajuda bastante, ao transformar o braço, a mão, a cana e o carreto num bloco único que por si já oferece alguma resistência, por vezes até a suficiente para cravar um anzol. Vejam na foto acima o sistema X-Seat da Shimano que costumo utilizar. 
A sustentação que a minha mão obtém com este tipo de pega é só por si um garante de firmeza. 
Não chega, mas ajuda. O resto é a nossa técnica e sobretudo a nossa capacidade de reacção. E é aqui, e porque isso depende de nós pescadores, que tudo se complica. 
Conjugar toda a informação sensorial de forma perfeita, é trabalho de monta! Aquilo que é pedido é que todos os nossos sentidos estejam afinados numa experiência única, integrada, simultânea, a fornecer dados ao nosso cérebro. 
Mas só por isso já temos algumas dificuldades. Porque não somos capazes de reagir de forma imediata a estímulos diferentes. Há discrepâncias de tempo de reacção entre o sentido da visão, da audição e tacto. 
A visão, sendo tão rica em elementos de análise, demora uma fracção mais do que os outros sentidos. Nós somos mais rápidos a reagir a um som que a uma imagem, por estranho e absurdo que vos pareça. 
Li algures que essa é a razão pela qual as provas de atletismo de velocidade recorem a um tiro de partida, som, e não a um semáforo, luz. Fazemo-lo em corridas de Formula 1 porque a distância que vai do primeiro ao último carro na grelha de partida é demasiado longa para poder colocar todos em igualdade de circuntâncias, reagindo a um único sinal sonoro. 
E vai daí, utilizamos luzes e não som. Os atletas de competição, (e nós próprios enquanto seres mais comuns), são ligeiramente mais lentos a reagir à luz do que ao som, por razões de sincronização sensorial. 
Na pesca, temos que um pescador não utiliza o som como forma de estimulo a uma determinada acção, mas tem outras formas de actuar. Na circunstância a visão, que é lenta e diferida (quando reagimos, o que vemos já aconteceu na altura em que o registamos com os olhos), e o tacto.
E é este, o tacto, aquilo que nos dá a possibilidade de encurtar o caminho entre o estimulo sensorial e o despoletar de uma acção comandada pelo cérebro. 
Nós ferramos um peixe por sentirmos um aumento de pressão em algo, (no nosso antebraço e mão no caso de termos uma boa cana, com ressonância, ou, mais tardiamente, por vermos e sentirmos pressão na ponta da cana. Uma cana ruim, amorfa, sem vibração, não nos dá a vantagem de sentir a pressão em primeiro lugar. 
Mas uma cana boa dá. Se queremos melhorar substancialmente, podemos ir por essa via. 
É essa capacidade de detetar alterações na pressão, também conhecida como mecanossensibilidade, o principal argumento a que podemos recorrer, quando queremos melhorar a nossa capacidade de reacção explosiva perante um toque de um peixe. 
Por sorte, podemos recorrer a algo mais que as nossas capacidades individuais de reagir a um estimulo visual e sensorial. Quantas vezes já sentimos que chegámos…tarde?!
Uma boa cana, logo um equipamento adquirível, permite-nos ganhar algumas fracções de segundo. Passamos a saber antes de o peixe saber. 
Quantas vezes isso pode ser decisivo? 

Esta super sensível cana Shimano vai ser a minha próxima tentativa de melhorar algo. Foi encomendada em Fevereiro e só irá chegar a Portugal para final deste ano…são produzidas a conta gotas, mas até ver é o topo, hoje. 
 

Porém, as coisas podem ainda ser mais complicadas. 
É que nós não estamos a pescar e só a pescar. Tudo o que se passa à nossa volta é objecto de análise, e exige acção. Ou não têm os nossos pés de transmitir a sua posição ao cérebro, a dizer que estão assentes no chão do barco?
E quando chegam as ondas e o barco oscila, será que a informação de que o pavimento está “inclinado” não tem de ser dada…sempre? Pois sim, o plano horizontal captado pelos nossos olhos não coincide com a informação dada pelos sensores dos pés. 
Estando estes assentes, seria garantido que a posição do corpo seria vertical. Mas não é, é oblíqua, porque o balanço do barco retira-nos essa verticalidade. E temos de compensar isso com movimentos das pernas, contraindo costas, abdominais. 
Fazemo-lo a cada segundo, mas objectivamente não pensamos nisso, porque deixamos essa tarefa ao nosso subconsciente.  De forma tão simples quanto o facto de respirarmos sem pensar nisso. Não pensamos a respiração. 
Apenas registamos o que é novo e merece atenção por ser um dado diferente a considerar. Mas muito do que acontece nem chega a ser objecto de reacção, por já termos interiorizado que pode considerar-se algo secundário, assumidamente resolúvel. 
E a brisa marítima fria que nos toca na face, não tem de ser reportada ao nosso “ processador central”? 
Toda esta informação chega ao nosso cérebro e obrigatoriamente exige atenção. E assim sendo, como podemos …pescar?!
Na verdade, o nosso grande analisador de dados, o cérebro, não consegue dar o mesmo nível de atenção a tudo o que se passa à nossa volta. E por isso mesmo, actua em regime de prioridades. 
Quando temos um peixe na linha, passamos a relativizar toda a outra informação, deixando-a para segundo plano, se quiserem filtrando aquilo que é decisivo para que a nossa pesca aconteça. 
Não sentimos fome quando trabalhamos um peixe, porque não é um factor decisivo a considerar naquele momento, mas sim algo periférico, a tratar depois.
Não quer dizer que a fome não seja um problema. Sim, de facto é, mas o cérebro separara o importante do irrelevante, naquele momento.
O cérebro faz então o papel de um super computador, e exclui da nossa atenção imediata tudo aquilo que não seja cravar o anzol no peixe, aguentar as suas investidas e puxá-lo para cima. 
Aquilo que é novo naquele momento é a picada do peixe. Porque sabemos que não temos muito tempo, procuramos ser rápidos a reagir, dando a isso toda a prioridade!
O que mudou entre o ter e não ter um peixe na linha foi a passagem de uma acção lenta, quase passiva, de enrolar linha num carreto, o acto de fazer girar uma manivela, para uma situação nova em que sentimos uma pressão, maior ou menor, sobre a ponteira da cana e também sobre o movimento de recolha de linha. 
E isso faz actuar o nosso sistema sensitivo de tacto, e visão. Os olhos são os segundos a reagir, acreditem ou não…
Daí a importância extrema da qualidade da cana, e da sua sensibilidade. Porque esta, sendo melhor, com maior ressonância e vibração, actua de forma mais rápida sobre o nosso sentido de tacto. 
Acrescenta que as nossas mãos têm um nível de sensibilidade incrível. Com elas, podemos sentir variações de textura, de temperatura, de forma, e também de… pressão. É isso que nos serve para pescar. As nossas mãos são uma ferramenta preciosa!

 
Há peixes que obrigam a tempos de reacção mais rápidos que outros. Pescaria de douradas feita por Helena Neves, há muitos anos, nos tempos em que estas fotos ainda eram feitas.


Os nossos sentidos estão sempre no epicentro de toda esta maravilha da natureza que é a nossa relação com o mundo exterior. 
Mas por vezes somos enganados pelos nossos olhos. Os mágicos que o digam, porque facilmente recorrem a subtilezas que contornam a nossa capacidade de processar informação através da visão. 
E chegamos a um campo ainda mais difícil, o da percepção sensorial. 
Se é verdade que detectamos muito facilmente qualquer mudança entre ter ou não ter um peixe a tocar na nossa amostra, por sentirmos a pressão do seu contacto, já quanto à visão isso não acontece. 
Temos mesmo muita dificuldade em separar aquilo que é sensação visual e informação visual concreta e segura. Por outras palavras, por vezes “parece-nos que”….e afinal nem é. Vemos o que queremos ver. 
Tem a ver com a a recolha e o processamento da informação recebida, selecionando aquilo que mais nos agrada, ao ponto de tomarmos verdadeira consciência dela, sem que exista de facto. 
Aos olhos dos pais, os seus filhos são sempre os mais bonitos, ou não é assim? Porque os queremos ver assim. 
Somos mesmo capazes de detectar uma ligeira inflexão na ponta da nossa cana, um “malandro de um toque de um peixe”, porque é isso que queremos ver. 
Ferramos e a seguir percebemos que era apenas a pressão da água sobre ela….
Mas há mais. 
Lembram-se de acima termos aflorado a questão dos factos e sensações que ignoramos, por haver outros que se sobrepõem. 
Se nos pica um peixe, não queremos saber de haver nuvens negras sobre nós. É um facto secundário, naquele momento…não as vemos porque não as queremos ver, por não serem prioritárias em relação ao acto de pesca.  
Sabemos que irá chover a seguir, mas o peixe primeiro. Por experiências anteriores, interiorizamos que nenhuma nuvem irá cortar-nos a linha de pesca, não vamos perder o peixe por estar nublado, logo é indiferente que estejam sobre nós. Se chover esse é um facto a resolver depois. 
Em suma, vemos as nuvens mas não nos interessa processar essa informação, naquele momento. 
Logo, o nosso cérebro actua sobre todos os dados que lhe chegam, analisando-os e ordenando factos por graus de importância, atribuindo-lhes prioridades. 
Chegamos ao ponto de analisar apenas parte da informação, e assumimo-la como boa, trabalhamos sobre dados incompletos, desenhamos quadros inteiros a partir de pequenos fragmentos, porque na altura da excitação da pesca, o mais importante é mesmo conseguir o peixe. 
Fundamentalmente priorizamos o primeiro sentido a emergir, quase sempre o tacto, e partimos daí para a excitação da conquista, aquilo que para nós, naquele momento, vale mais que tudo. 
Nem imaginam o quanto é complexo tudo isto, ao nível do processamento de informação. 
Os nossos recetores sensoriais trabalham sem cessar, recolhem uma enorme quantidade de informação, de luz a temperatura, de formas a pesos, de sons a texturas, e enviam tudo isso ao nosso cérebro. 
Esses impulsos de informação elétrica, são descodificados, organizados e, por fim, é-lhes atribuído um determinado significado. E a partir daí, reagimos. Quanto mais concentrados estivermos, mais rápidos seremos a reagir. 
Tudo melhora através da focagem dos nossos sentidos naquilo que estamos a fazer. Estar atento é importante. 
Quando isso significa termos a noção de haver um peixe na ponta da nossa linha, os nossos olhos brilham, o coração bate mais forte, o braço que segura a cana fica mais tenso. 
E pescamos….




Vítor Ganchinho



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2 Comentários

  1. Luis Carlos29 julho, 2023

    Mts parabens meu caro, dá-me um prazer imenso ler sobre pesca e estudar cada pormenor dela e ler estes artigos (na minha opinião são de excelencia) não é todos os dias, obrigado pela sua inspiração

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    Respostas
    1. Muito obrigado Luis Carlos
      Aqui, o intuito era mesmo por as pessoas a pensar um pouco, a ir mais além daquilo que é a visão comum do balde de peixe e uma frase curta a dizer " hoje foram 120 destes"...

      Os textos que escrevo não se compadecem de "modas" de frases curtas para Facebook, para os Tik Toks desta vida, porque isso são formas de comunicar entre pessoas que não sabem comunicar.

      Obrigado pelo seu incentivo, pelo seu apoio.
      Vou continuar a escrever enquanto do outro lado houver alguém, uma única pessoa que seja, que queira, possa e consiga intelectualmente ir além de uma foto e uma linha...


      Abraço
      Vitor



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