HORAS FELIZES EM ÁGUAS LUSAS

Esta equipa já aqui tinha passado no blog, no princípio do corrente ano.
Os brasileiros têm um balanço, uma boa disposição, uma alegria de vida que transforma tudo o que é ruim em coisas boas. Quando existem boas relações pessoais prévias, e é o caso, isso é multiplicado por mil.
Para eles, está sempre hasteada bandeira verde.
Têm por nós portugueses um carinho muito especial, gostam de nós, são afectuosos.
Falei-vos deles, deste grupo, por ocasião de uma saída de pesca feita em Janeiro, a sul de Sines, em condições de mar menos favoráveis, mas que não obstante as limitações, resultou num dia incrível.
Há pessoas assim. Com aquele “samba” na fala, aquela alegria natural, aquele brilho intenso, tudo o que fazem resulta bem.
Por pior que esteja o mar, por mais contrariedades que surjam, sentimo-nos de tal forma confortáveis e felizes que parece nem haver ondas, nem vento, nem problemas, nem gatos pretos, só felicidade pura.
De repente damos por nós a não querer voltar para terra firme, não queremos mesmo que o dia de pesca acabe!


Este não é o peixe de uma vida, mas o peixe em si, somado ao material com que foi capturado, aí sim, é um acontecimento absolutamente raro. Leiam abaixo a descrição das características técnicas do equipamento de pesca e concordarão comigo. 


Já havia gente feliz a bordo antes de ter acontecido algo de muito especial.
Isso tem a ver com o espírito leve e fresco das pessoas que estão a bordo.
Os brasileiros têm a perfeita noção de que nós humanos não vivemos pouco tempo. Vivemos o suficiente. Gastamos é muito do nosso precioso tempo em inutilidades.
E por isso tratam de ser felizes, desvalorizam o que não vale a pena. Por isso, bem antes de aparecer um peixe de excepção, daqueles casos mesmo raros, já tudo estava bem.
Pese as condições do dia não fossem as melhores, ainda assim já havia peixes na caixa.
Os momentos finais de vazante não são estrondosos para pescar. O peixe já comeu, está cansado das suas rondas de caça e quer apenas repousar, aproveitando o estofo da maré, a calma que antecede nova corrida.
Pois foi aí, precisamente nesse período negativo da maré, que demos início à nossa pescaria.
Se não temos água a correr, temos pelo menos uma vontade muito grande de fazer algo, de ir à luta, e isso ajudou-nos.
Nos dias anteriores houve pancada forte, o mar mexeu, ondas acima dos 3 metros, muito vento e chuva, e por isso mesmo a água estava um pouco tapada.
Na primeira camada de água, bem longe do fundo, as inevitáveis cavalas, sardas, etc, andavam num reboliço tremendo, aproveitando a desorientação dos pequenos peixes comedia, num derradeiro vaguear no azul, perdidos por tanta agitação.
São inevitavelmente estes comuns pelágicos as primeiras vitimas dos nossos jigs, a morderem logo na descida, poucos metros abaixo do barco.
Do mal o menos, havia cavalas acima de 1 kg, o que animava as hostes e aquecia os músculos dos braços. Também os carapaus negrões, Trachurus picturatus, de bom porte, faziam marcações cerradas aos jigs ligeiros atacando com genica, mas bem mais junto ao fundo.
Um dos meus convidados abriu as hostilidades com um pequeno pargo capatão, preso pelo triplo de cauda. O ambiente a bordo aqueceu, porque esse foi o clic para que todos desatassem a tentar bater em tamanho o pobre peixe. Decididamente a competição estava ao rubro, e ninguém queria ficar para trás, ninguém queria ser o último da fila em capturas. E mais peixes apareceram, animando as hostes, criando um clima de sã rivalidade a bordo.


Reparem no raio proeminente da dorsal, indicando claramente não se tratar de um pargo legítimo, Pagrus pagrus, mas sim um pargo capatão, Dentex gibbosus, jovem.


Por vezes o objectivo nem é tanto o peixe que se captura em si e, neste caso, era tão só fazer uma saída de pesca divertida e garantir algo para o jantar.
E isso foi conseguido, sem dúvida.
As lulas apareceram, pese embora curtas de tamanho e em pouca quantidade. A época das lulas já lá vai, as águas aqueceram e elas ficam mais expostas a predadores naturais que as comem se ficarem nas imediações, acessíveis. Hão-de voltar!....
Pescar lulas com jigs é divertido e uma prova mais da enorme polivalência que estas pequenas peças metálicas nos oferecem. Tudo morde nos jigs.


Descobri uma zona com algumas lulas e os jigs mostraram toda a sua polivalência: lulas dentro do barco!


Com a caixa já composta, eis que decidi voltar a um recanto da pedra onde por norma aparecem peixes de alguma qualidade.
Aos comandos do barco e por isso mesmo sem pescar, fiz passar as linhas deles por uma ponta de pedra onde já tantas vezes fui feliz.
Com jigs ligeiros, entre os 30 e 40 gr, já ali pesquei douradas grandes e pargos pesados, dentes caninos desgastados por muitas lutas, já bem velhos.
Por vezes as razões escapam-nos, não conseguimos entender facilmente porque existe uma crença tão grande neste ou naquele ponto específico. Nós podemos não saber, mas os peixes sabem muito bem as razões para estarem ali.
O meu spot “Pedra 21” é um desses sítios. De repente, dou por mim a pensar que, na pele de um peixe com idade, e com o que isso significa em termos de sabedoria, também eu quereria estar colocado num local onde as condições de emboscar peixe miúdo fossem máximas.
Existem lugares assim, mais “querençudos”, onde o peixe grande se concentra, onde se sente protegido e come. Isso acontece, a meu ver, por razões que se prendem com a entrada massiva de comida e facilidade da captura.
Há locais que favorecem mais esta ou aquela espécie. A Pedra da Galé, ao largo da Carrapateira, é um sítio onde os robalos grandes encontram tudo o que lhes faz falta. Está cheia de sargos, de saimas, um ou outro mero, corvinas, mas são os robalos quem tem ali a primazia, porque as condições da pedra apontam para as suas características físicas, e técnica de caça. E isso advém da morfologia da pedra, da dinâmica da movimentação das águas, etc.
Neste caso, eu encontro nesta pedra onde aconteceu esta captura as condições ideais para procurar pargos. A razão, eles saberão qual é, pode ser a estrutura do fundo e a sua orientação face às correntes dominantes, pode ser apenas o facto de ser uma zona pouco apoquentada por redes.
Ou porque o ponto fica precisamente na rota de escoamento de cardumes de cavala, bogas, sardinha e carapau, rumo a sul. Os cardumes seguem rotas de migração bem definidas, e os predadores sabem-no.
Esperam-nos ali porque sabem que algo irá acontecer.


Algo muito pesado e lutador atacou o pequeno jig junto ao fundo.


Porque já ali pesquei muitos outros peixes, e sobretudo pargos de peso acima da média, deduzi tratar-se de mais um.
Os peixes grandes dão uma luta diferente, não têm a mobilidade dos pequenos, mais ágeis, mais rápidos, e por isso mais nervosos a puxar linha.
Quando o peixe tem tamanho, utiliza o seu peso e poder para forçar a saída. Quer ir embora e faz pressão nesse sentido, força na direcção que escolheu, e por isso acaba por levar com ele algumas dezenas de metros de linha do carreto.
E era “quase” aquilo que este fazia, o peixe tornou-se “pesado” e tive a sensação imediata de que estaríamos na presença de um grande exemplar. Mas não arrancava, antes se debatia sem tentar sair do sítio, o que tornava estranho este caso.
Sempre convencido de se tratar de um pargo muito grande, pese a falta de arrancadas decididas, tão típica deles, lancei a mão à embraiagem do carreto do meu colega e afrouxei um pouco.
Estava à espera de um sprint vigoroso a qualquer momento, mas que …não chegou.


Momento em que os meus amigos tiveram contacto visual com o peixe.


Aqui se pode aquilatar da polivalência de uma cana de jigging ligeira. A vara em questão é uma Daiwa e terá sido pensada para algo mais modesto, mas ainda assim, e pese os seus míseros 95 gramas, aguentou a carga colocada, e proporcionou um final feliz.
Bom material acaba, sempre, por valer a pena.


Momento em que o peixe é introduzido no xalavar.


Vejam abaixo como o tubo de alumínio cede. É perfeitamente visível no filme que fiz a forma como tudo acontece.

Os xalavares de rede são peças muito úteis, e devem ser utilizados para evitar perdas de peixes que podem ser preciosos, o caso. Mais que isso, devem ser leves, fáceis de manobrar a uma só mão, porque nunca sabemos se vamos ter de trabalhar sozinhos com ele.
Eu, que pesco muitas vezes sozinho, sinto que um xalavar pesado apenas me prejudica, torna penoso o trabalho de garantir o peixe. E muitas vezes prefiro colocar a mão no opérculo e levantar o peixe à mão, do que trabalhar com uma rede pesada, que só me incomoda.
Neste caso, o peixe subiu e a partir daí, as suas possibilidades de fuga eram reduzidas. Explico porquê abaixo.


Momento exacto em que o xalavar cedeu ao peso do bicho, 15.1 kgs!...


Em poucos minutos, o peixe subiu do fundo e deu mostras à superfície.

Sem corridas, apenas a forçar muito de início, a pressionar a linha, a tentar bater com ela nos escolhos do fundo. Pressuponho que estivesse a caçar os seus inseparáveis polvos, e por isso a distância ao buraco fosse significativa.
Porque não se trata de um exemplar muito corrente, o próprio xalavar não estava adaptado a esta tarefa.
Mais ainda quando o homem que o operava não tem em linha de conta que uma haste em alumínio não suporta aquele peso.
Nestes casos, aquilo que se deve fazer é introduzir o peixe na rede e fazer a sua posterior suspensão à mão. A rede serve apenas para aproximar do barco e garantir a captura, mesmo sabendo nós que um mero, assim que ultrapassa o ponto de equilíbrio estável da sua bexiga natatória, já não consegue ir para o fundo pelos seus próprios meios. Fica inchado, o volume de gás interno aumenta de tal forma que acaba por se tornar uma rolha, uma boia.
Para o enviar ao fundo de novo, aquilo que é feito é, utilizando um estilete, uma agulha, algo assim, perfurar ligeiramente a barriga, e vazar o ar em excesso que está dentro, passando a mão suavemente. Aí sim, o peixe pode voltar ao fundo e recomeçar a sua vida normal.
Mas sem isso, o peixe não poderia regressar ao fundo.

Podem ver aqui o filme com toda a acção:

Clique na imagem para visualizar e na rodinha das definições para melhorar a qualidade.




Conto-vos os detalhes técnicos de toda esta operação, para que confirmem a verdadeira “impossibilidade” desta captura.

Por vezes acontecem verdadeiros milagres, em que tudo está alinhado, tudo corre tão bem que o resultado final não é a habitual rotura de linha e …ponto final.
E desta vez isso aconteceu!
Num instante, uma frágil cana Daiwa de Light Rock Fishing tinha pendurada de si um peso muito para além da carga …recomendada.
O carreto, um Tailwalk Elan já farto de bater, com 7 anos de trabalho intensivo nas mãos de gente que nem sempre os sabe estimar, mas ainda assim a aguentar carga e a pedir muito mais anos de trabalho, estava equipado com linha de qualidade, mas fina.
Concretamente um Daiwa Mega Sensor PE 1,2, cuja resistência máxima de 20 libras (9kgs!) o indicaria para lutas bem mais comedidas e discretas.


Esta linha pode ser adquirida em múltiplos de 100 metros, pois as bobines vêm ligadas entre si, permitindo a aquisição da medida que se pretende, 100, 200, 300, 400 mts,etc. 


Dias antes, a fazer a preparação das canas para estes meus amigos, eu tinha feito um nó FR ligando este fino PE a um fluorocarbono da bobine que habitualmente utilizo para mim, um Varivas 0.33mm TI Nicks, conforme segue.


Ver na GO Fishing



Penso que terá começado aqui a desenhar-se a vitória sobre o peixe, o qual viria a acusar 15,10 kgs na balança.
As linhas Varivas são, em fluorocarbono, topo de gama no Japão. Esta concretamente, com cobertura de titânio a envolver o núcleo central, traz de série uma característica que a torna muito especial: aguenta esforços lineares fortes, mas junta a isso a capacidade de resistir à abrasão, ao desgaste provocado pela fricção na rocha, que a torna ímpar.
Custa mais alguns euros que os fluorocarbonos normais, concretamente mais 6 euros, mas no fim, ...faz-nos ganhar um peixe bom. É incrível o que uma linha 0.33mm pode fazer, os peixes que nos dá.
Fosse ela um vulgar nylon e tenho a certeza absoluta de que a esta hora o mero do meu amigo estaria a quilómetros de distância, amargurado por ter resolvido morder aquele pequeno peixe, mas com uma recordação inconveniente, um jig Shimano.
Ninguém pesca peixes grandes com linhas fluorocarbono de 0.33mm! A não ser que sejam Varivas TI com cobertura de titânio….


Reparem acima no diâmetro da linha da baixada!... é incrível a quilo que um fluorocarbono de boa qualidade permite fazer!


Em rigor, isto é pescar bestas de força com jigs minúsculos e com fios que são…cabelos finos!
Eventualmente nunca se terá pescado um exemplar deste peso com equipamento tão fino, o que não só abona a favor do pescador, e o seu mérito é inquestionável, mas também remete para a tremenda qualidade do material que é colocado hoje nas mãos de quem pesca.
Os parabéns são divididos por quem pesca, e por quem fabricou cada um dos acessórios que participaram nesta captura.


Fazer um peixe destes com material ligeiro de Light Rock Fishing é uma proeza de monta!...


Para quem desconfia da segurança e qualidade dos triplos aplicados nos jigs ligeiros, talvez valha a pena reparar na foto abaixo.
Digo-o porque fui eu quem desferrou o peixe e sei o que passei para conseguir retirar esta fateixa da comissura da boca do mero.
Acredito também que não teria sido possível ao anzol simples trazer o peixe para cima, pois a pele em que estava cravado estava já a ceder, e porventura teria rasgado antes de chegar à superfície.
Podem ver abaixo que a pega forte foi feita no triplo, e não no assiste simples.
Neste caso, tudo foi perfeito.


Reparem no detalhe da montagem: um pequeno jig de 30 gramas, equipado com triplo e um assiste simples à cabeça. E para cúmulo, um clip...


Não utilizo clips em pescas exóticas, saídas de pesca que faço a outros países, sobretudo no continente africano, em que sei de antemão que vou sobretudo pescar peixe com peso.
Mas acho-os muito práticos quando pesco por cá, a peixes que na maioria dos casos pouco passam dos 2 a 3 kgs. Poderiam estes peixes ter o dobro ou o triplo do peso e os clips continuavam a ser seguros.
E quando faço LRF, nem hesito, não vale mesmo a pena cortar linha e voltar a fazer um nó palomar, porque basta abrir o clip e introduzir um outro vinil ou jig, e fechar.
Os clips tornam a mudança de amostras ou jigs algo muito rápido e simples. Mais ainda quando são absolutamente fiáveis, e não nos deixam ficar mal vistos.
Para quem desconfia da utilização de clips em pescas ligeiras, espero que entendam agora que eles são seguros, não sendo por aí que a montagem irá ceder. São japoneses e fortes!
Neste caso, falamos de clips da marca Smith, e de um tamanho que nem é o último da fila, é apenas um tamanho intermédio, nº 1, com carga de utilização máxima a 14 kgs, conforme podem ver na foto abaixo.
Custam 2,20 euros…um pacote de 10 unidades.


Ver na GO Fishing


E que dizer do jig, este Shimano Coltsniper de 30 gramas, que faz maravilhas com peixes grandes?!...
Uma pequena peça, com um custo de 7.20 euros, dá alegrias a muita gente.
A quantidade de peixe que é possível fazer com um simples jig paga-o dezenas de vezes. E é uma pesca limpa, sem necessidade de grandes limpezas de barco.
Aconselho apenas a lavagem das peças utilizadas, cana, linha do carreto, jigs e sobretudo os seus triplos e anzóis simples, pois esses sentem muito os efeitos do salitre, do salgadiço.



Ver na GO Fishing


É caso para ter orgulho nesta captura... e agradecer aos céus tanta sorte.


Gente boa, esta!
Quando somos forçados a voltar a terra, fazemo-lo com pena, olhando para trás. Queremos ter mais mar, com eles.
Ainda lá estamos e já estamos a planear a próxima saída.
Com gente calma como esta, simpática, pouco exigente, dá gosto sair a pescar.

Espero que tenham gostado desta reportagem.



Vítor Ganchinho


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