APROVEITAR O MOMENTO...

Aquando do workshop realizado em Setúbal no mês passado, e por solicitação de alguns dos presentes, fiquei de vos dar mais alguma informação sobre a pesca LRF, Light Rock Fishing. 
É um tema inesgotável pela riqueza de experiências, dinamismo e, porque não, resultados visíveis, palpáveis. E por isso aqui estou, a passar mais informação, para que possam decidir se é algo que vos interessa ou não. 
Devo dizer-vos que terei sido certamente das primeiras pessoas no nosso país a acreditar e praticar esta modalidade de pesca, e em bom tempo o fiz. 
Recordo-me de há alguns anos ter passado uma semana em Valência, a pescar com duas pessoas que sabem tudo sobre pesca ligeira: António Pradillo e Raúl Gil Durá. Foi a eles que fui pedir conhecimento, por reconhecer nestas duas pessoas capacidade técnica para me ensinarem a fazer. 
As condições em que pescam são de tal forma difíceis (águas muito limpas e baixas) que só mesmo através de uma prodigiosa técnica individual eles têm a possibilidade de fazer peixes. 
Ambos são muito bons, dotados de excelentes mãos, e ao mesmo tempo pessoas com uma capacidade de observação e leitura de mar incrível. 
Já estiveram entre nós, e os resultados foram estratosféricos, porque temos peixe em quantidade, qualidade, e boas condições de mar para este tipo de pesca. 
Vamos ter o Raul Gil em Portugal brevemente, e, garanto-vos, algo vai acontecer de transcendente, porque se a pescar num deserto mediterrânico ele já é francamente bom, aqui nas nossas atlânticas águas, carregadas de peixe como estão sempre, será ainda melhor. 
Pescar bem como ele pesca faz antever grandes cometimentos nas nossas lusas águas, para Setembro, e disso vos darei conta aqui nas páginas do blog. 
 
Um pequeno pargo, atrevido, a lançar-se sobre um jig de 30 gr da Cultiva/ Owner. 


Passados todos estes anos, continuo a acreditar que o LRF vale mesmo a pena. Para mim, há um antes e um depois de aprender a fazer. 
Na minha opinião vale a pena experimentar, nem que seja uma vez na vida. É uma fantástica escola de técnica, pescar fino e baixo, e por isso recomendo a quem possa ter a coragem de arriscar. 
Procurar peixes muito fundo, onde eles se sentem seguros e confortáveis, nunca será o mesmo que tentá-los onde, por falta de água em cima, eles zelam pela sua segurança acima de tudo. E onde só os conseguimos através de um tipo de pesca subtil, a qual recorre a mínimos de diâmetros, resistências e pesos. No fundo, a trabalhar nos limites mínimos do humanamente possível. 
A grande questão é esta: o LRF exige equipamento específico, muito ligeiro e sensível, e a maior parte das pessoas não o tem em casa, e nem tem qualquer ideia de o vir a ter no futuro. 
A solução alternativa é “atamancar” com algo “grosso” que esteja lá por casa, ainda que pouco ou nada tenha a ver com o LRF em si. E na ponta, colocam algo que, isso sim, é material de LRF. É típico. 
O investimento é tão mínimo que se resume a apostar tudo numa só peça, um pequeno vinil, um minúsculo jig que, só por si, nada pode fazer.
Basicamente aquilo que estão a fazer é tentar correr em velocidade, numa pista de tartan, com galochas de borracha cheias de água. 
E é exactamente por isso que os resultados são penosos. A incompatibilidade é enorme, e no fim, os resultados acompanham a natural falta de aptidão do material. Tudo sai mal. 
Uma cana pesada não permite lançar amostras leves, caem aos pés. Linhas grossas limitam a saída de linha, carretos de tamanhos grandes e pesados não são fáceis de manusear e por isso chagamos atrasados aos toques, enfim, …desastres sucessivos. 
E no fim, os resultados são isso mesmo: um quase nada. 
Fazemos LRF com equipamento LRF, e não chamamos pesca ligeira ao que hipoteticamente tentamos fazer com material pesado, …..”só para experimentar”…. 
E ponto final! 

O LRF é uma pesca para todas as idades, e os mais novos adoram!

 
Tenho para mim que uma pessoa completamente inexperiente em termos de pesca, mas equipada com bom material, próprio para LRF, pode obter resultados mais satisfatórios que uma outra com larga experiência, a saber pescar, mas a tentar fazê-lo com material inadequado. 
O improviso, nesta modalidade, resulta muito mal. 
Não é uma pesca que seja “rentável” do ponto de vista de capturas de peixes descomunais, (o principal intuito da especialidade nem sequer é esse), mas ainda assim  não envergonha aquilo que se consegue a manejar um camarão em vinil, ou um jig ligeiro, 5 a 10 gramas. De facto, é raro que não aconteça algo de “transcendente”, um ou outro peixe que morde, o que não é propriamente sinónimo de captura. As linhas são tão finas, o equipamento tão ligeiro que o peixe acaba por ter muitas possibilidades de fuga. Mas também é isso que nos deixa de coração apertado, a exigir nervos de aço nos momentos de maior frisson. 
Não são peixes grandes, normalmente pescamos todos abaixo de 1 kg de peso, um exemplar de 2 kgs é considerado um bom troféu dada a fragilidade do sistema, mas não têm de ser grandes para nos divertirmos à grande!
Aquilo que me foi pedido nos minutos finais do workshop foi isto: “queremos saber como é feita a abordagem a uma situação de pesca, a escolha do local, o tipo de equipamento que é eleito, etc”. 
Vamos a isso. Posso dar-vos um exemplo concreto, vejam a imagem abaixo:

Por vezes saio ao mar e vou apenas testar um jig, ou um vinil. Se consigo enganar uns peixes já fico feliz, cada um deles é uma enorme luta ganha. Esta pesca foi feita em pouco tempo, não mais de duas horas e meia, com equipamento ultraleve, e diverti-me muito. 


Pescar ligeiro exige de nós um cuidado constante com detalhes que podem passar despercebidos a quem tem o respaldo de linhas grossas, carretos e canas mais robustas. 
Bem concentrado, consigo traduzir em capturas muitos toques subtis, leves, que de outra forma não resultariam em nada. 
A pesca que veem acima foi feita em cerca duas horas e meia, com uma montagem de vinil Fish Arrow e cabeçote de chumbo Coreman de 12 gr. 
  


A explicação daquilo que se passou: 

Sem vento, mar liso, a uma meia centena de metros do local onde passava, foi-me possível detectar as pequenas “estrelas” que alguns peixes pequenos faziam em contacto com a linha de superfície. 
Foi isso que me chamou a atenção e ao colocar o barco em posição através de uma aproximação discreta, (motor desligado a algumas dezenas de metros, aproveitando o suave sentido de deslocação da corrente), reparei que as bolas de comedia ocupavam grande parte da coluna de água. Havia milhares de pequenos peixes de 6 a 7 cm. 
As manchas quase chegavam ao fundo, mas não o tocavam. 
O espaço entre a areia e a camada inferior dos cardumes de peixinhos que via na sonda, uma faixa de cerca de 3 a 4 metros de altura, marcava alguns pontos isolados, de maior densidade, a cor laranja/ castanho. 
Subentendi que seriam predadores a acompanhar o cardume. É muito típico destes acontecimentos: comedia com fartura a pairar sobre o fundo, e uma fita de água aparentemente sem nada. Digo aparente porque para quem observa com muita atenção, as manchas de um ou outro peixe de maior porte indicavam que lá em baixo estavam criadas condições para uma luta muito desigual. 
É uma grande verdade da vida, peixe grande come peixe pequeno e a piedade não é termo conhecido por aquelas paragens. 
Tudo isto se passava numa zona alta, acima dos 25 metros de fundo, pelo que não necessitava de demasiado peso no cabeçote. Vantagens de pescar com uma linha PE 0.8, que afunda facilmente. 
Eram bicas e pargos a seguir os cardumes e, através de ataques relâmpago, subiam à comedia, atacavam e comiam desenfreadamente. Eram esses ataques que provocavam a subida dos cardumes na coluna de água, até à superfície, e por isso mesmo eu fui capaz de os detectar. 
Passei a deixar cair o vinil em folha seca até perto do fundo, e, um pouco antes de este contactar a areia, através de animação vertical rápida, em forma de pente, consegui cerca de 12 a 13 toques, conseguindo 10 capturas. 
A maior dificuldade era mesmo evitar as sardas e cavalas que estavam no local, a fazer o mesmo que os pargos: a dar uma sova nos indefesos peixinhos, e que me apoquentavam o vinil na descida.
Quando se é pequeno, leva-se pancada de todos…
Neste caso, aproveitar o momento revelou-se fundamental. 
Podia ter visto os subtis movimentos da comedia à superfície e ter passado, mas porque não o fiz, tive direito a duas horas e meia de grande movimentação. 
A seguir, e porque a pesca não dura (nem deve durar) demasiado, foi tempo para a fuga dos alevins para outras paragens, levando consigo aqueles que dependem da sua existência para sobreviver.
Podemos conseguir controlar a presença de comedia, mas não conseguimos fazê-lo indefinidamente, há sempre um momento em que já não nos é possível descortinar para onde foram. 
Afundam, e levam atrás os caçadores de peixe. Os nossos alvos. 
Este é um exemplo concreto, e simples de explicar, da forma como o LRF, enquanto técnica ultra ligeira, nos permite chegar a peixes que, com equipamentos pesados, com o lançamento de âncoras etc, nunca seriam possíveis. 
Ligeiros de equipamento, discretos, sem ruídos, muito móveis, (o barco nunca larga âncora), atentos, e a saber ler aquilo que o mar nos diz. 
Isso sim….


Vítor Ganchinho



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