A MINHA VIDA TODA NUM SÓ DIA...

Desde miúdo, a pesca sempre foi para mim muito mais que um simples acto de lançar linhas e recolher peixes.
É seguramente muito mais que isso para muitos de nós.
Quando o tema é pesca, gosto de tudo.
Gosto do ritual de preparar os equipamentos em casa, tentar adivinhar aquilo que pode vir a acontecer no dia seguinte, inventar estratégias. Tudo isso já me faz sentir a pescar.
Ir ao mar para mim é desfrutar até ao último segundo do privilégio de poder estar num meio que não é o meu, porque não vivo lá…mas que também não deixa de ser, porque me sinto confortável e feliz por ali.
Adoro levar pessoas comigo no barco e poder mostrar curiosidades desse admirável mundo sempre novo.

Tenho 60 anos de idade, e 54 de pescador. Sinceramente, perdi a conta às pessoas que já levei para o mar.
Quando o objectivo é proporcionar um dia de pesca a alguém, (quer um adulto sem experiência prévia quer alguém de tenra idade), é forçoso ter em conta o trabalho e esforço que essa pessoa é capaz de produzir, (quer em termos técnicos quer físicos), e ajustar a saída de pesca de acordo com esses handicaps naturais.
Mais que isso, devemos relegar para segundo plano a qualidade do peixe, pôr de parte dificuldades técnicas extremas, porque aquilo que motiva essas pessoas não é isso.
As pescas mirabolantes, os grandes troféus ocasionais, aquilo que os pescadores veteranos e consagrados valorizam, não são o mesmo que faz vibrar os debutantes.
Sobretudo em relação aos jovens, sem dúvida devemos apontar no sentido de lhes proporcionar um dia divertido e agradável, apostando na quantidade, na agitação permanente, muitos peixes e não um só exemplar, por melhor que seja.
Mantê-los ocupados, vigilantes, focados nas diversas tarefas a realizar a bordo, manter o barco limpo e organizado, aprender a fazer um nó para mudar um jig, refrescar com água nova a caixa do peixe já pescado. Isso sim.
Tudo aquilo que os liberte da sensação de monotonia, da fadiga por repetição.
Na circunstância, a responsabilidade era máxima: a minha filha Mafalda iria sair comigo no dia seguinte.


Para a minha filha, o jigging é um tipo de pesca tão natural quanto a pesca com isco orgânico. Pesca com artificiais desde os 5 anos.


As suas risonhas 13 primaveras dão-lhe o entusiasmo e sangue quente próprio dos jovens, mas não o juízo dos adultos. Nem a força de braços que um dia virá a ter….
Assim sendo, programei a pescaria dela apontando a alvos fáceis, não demasiado técnicos. De nada adianta querer transformar uma criança num adulto pequeno, porque não é disso que se trata.
As espécies de peixes alvo têm de proporcionar capturas simples, evidentes, e contribuir de per si com grande parte do trabalho de ferragem. Chamemos-lhes peixes “auto-ferrantes”!
Ainda assim muitos acabarão por escapar, sabemos que a ausência de ferragem atempada e decidida faz com que isso aconteça.
Podemos desvalorizar, podemos dar novos incentivos, animar a pessoa, mas nunca recriminar. Os falhanços acontecem a todos, e muito mais a quem não tem os reflexos treinados e a experiência necessária para executar bem.
Mas que interessa isso?! Os peixes que escapam podem e devem ser encarados pelos jovens como um estimulo para estarem mais concentrados, mais focados.
Peixes fáceis para a minha filha, pois sim, mas não demasiado, sob pena de não haver desafio, não haver dificuldades a vencer.
Esse foi o meu objectivo e por isso a levei para zonas com carapaus, cavalas, sardas, e algumas surpresas mais.

Vejam o filme:

Clique na imagem para visualizar e na rodinha das definições para melhorar a qualidade.


Andei com o barco a bordejar as pedras, mas não em cima delas.
Nestas idades, o risco de prisão dos jigs é constante e sei que os miúdos ficam desapontados por perderem equipamento. Facilita-nos a vida saber que estão a lançar numa zona segura, com peixes algo permissivos, ainda assim a exigir uma aplicação mínima.
A técnica eleita seria, como de costume, o light jigging, um método que junta em si a ligeireza dos equipamentos com uma grande produtividade de capturas. Em suma, o ideal para quem tem mais entusiasmo que força.
Se vos apresento filmes e imagens de uma criança de 13 anos a pescar, e com resultados, isso deveria fazer reflectir os mais velhos sobre a facilidade de captura de peixes através da pesca com artificiais, versão LRF.
Algo que pode ser feito por uma miúda franzina seguramente também pode ser feito por um adulto.
Olhem para isto com essa noção: o jigging é uma técnica produtiva, fácil, e não exige mais que um conjunto de equipamento de pesca especifico para a função, um conjunto super light.


Mafalda Ganchinho e um pequeno ruivo, capturado na areia. O conjunto de cana e carreto é um Daiwa Saltiga e o jig é um CB-One de 60 gr.


A segurança é prioritária e necessária em tudo, os bons hábitos enraízam-se logo de pequenos.
O colete é um meio de flutuação indispensável e é bom que eles o encarem dessa forma. Devem considerá-lo tão importante quanto a cana de pesca.
Estes são ensinamentos que nós adultos podemos e devemos passar aos miúdos.
Infelizmente nem todos os seres marinhos podem cruzar águas com a mesma segurança com que o fazemos. Um golfinho bateu numa rede e ficou.
A morte por afogamento é um fim não merecido por estes simpáticos cetáceos.
Na cauda, as marcas de rede bem vincadas eram um sinal evidente de uma luta inglória pela liberdade.
Acredito que o pescador que encontrou este animal enrolado nas suas redes também não tenha ficado satisfeito…e neste caso, todos ficamos a perder.
A vida e a morte fazem parte da nossa realidade, mas há vidas que não deviam perder-se de forma tão inglória.




Os jovens gostam de golfinhos.
De início pareceu-me apropriado fazer uma passagem pela zona onde eles costumam pernoitar. Estavam lá, obviamente.
Os primeiros raios de sol permitiram imagens de uma beleza indiscritível. Queria ter a certeza de que as pessoas gostam tanto deste espectáculo da natureza quanto eu gosto.
São encontros fugazes e não devem ser prolongados por demasiado tempo, os animais não devem ser forçados a suportar a nossa companhia.
O facto de os podermos seguir durante algum tempo não significa que o façamos.
Devemos deixar ao seu critério se querem ou não interagir, seguir ou não o nosso barco, o qual deve ser conduzido a velocidade constante e moderada.
São eles quem decide.
Na circunstância, eles estavam bem dispostos e brindaram-nos com algumas coreografias bem animadas. Há alguém que não goste de golfinhos?
Percebi um sorriso nos olhos da minha filha e isso deu-me a resposta.


Mafalda - Golfinhos 2023


Vejam o filme:

Clique na imagem para visualizar e na rodinha das definições para melhorar a qualidade.


Na verdade, não são necessários grandes peixes para que as crianças voltem a terra com um sorriso nos lábios. Basta que tenham um dia animado, com muitos pontos de interesse.
Detecto-lhe lacunas técnicas, aspectos em que pode evoluir bastante, mas que interessa isso, quando a criança tem 13 anos e toda uma vida para perceber como pode melhorar?


É assim que queremos as crianças: felizes e a querer voltar mais vezes ao mar.


À minha frente estava uma criança feliz, satisfeita com aquilo que tinha feito.

Por mim, eu via no brilho dos olhos da Mafalda a felicidade que devia ver. Para isso me preparei toda a minha vida, para ser capaz de lhe entregar o testemunho, de lhe passar para as mãos a responsabilidade de saber pegar no barco e mostrar um dia aos meus netos a natureza que nos resta.
E, porque filha de peixe sabe nadar, pescar uns peixes para a família.
Temos um dever para com aqueles que nos seguem: deixar algo que possam ver.
Fazer com que cada dia de pesca deles, cada experiência de mar, seja uma memória boa que guardam dentro de si.
Tempo de decisões: os pais têm a palavra quanto ao que vamos deixar para quem nos segue.



Vítor Ganchinho



😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo e deixe o seu comentário.

6 Comentários

  1. Olá Vítor temho andado um pouco afastado das leituras, as leituras do projeto da tese do doutoramento têm ocupado imenso tempo.
    Adorei este artigo/partilha juntar o melhor de dois mundos. A pesca e a família, neste caso os filhos(as). Fantástico 😁👍.
    Grande abraço
    Toze

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bom dia Tozé!

      Bem aparecido.

      Pois, a minha filhota tem muito para aprender a fazer, mas já se desenrasca suficientemente bem para conseguir fazer uns peixes para o jantar da família.
      Ela adora pescar, e para ela, está fora de questão a pesca com iscos orgânicos, prefere sempre os artificiais. Porque cresceu a fazer isso.

      Espero que essa tese vá em frente, que tenhamos um médico ...pescador!

      Abraço
      Vitor


      Eliminar
  2. Viva amigo Vítor,
    Maravilhosa partilha! Temos pescadora, a Mafalda será uma belíssima pescadora.

    Grande abraço,
    António Duarte

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Grande António Duarte!

      A miúda já consegue pescar alguns peixes para o jantar da familia, mas vai ainda fazer melhor. É dar-lhe tempo!....
      Noto-lhe uma convicção muito forte a pescar com artificiais, quer com amostras de superfície quer com jigs. De resto, é com isso que pesca desde que começou a sair comigo, aos 5 anos.

      É muito giro ver a evolução deles, a forma como resolvem os problemas que lhes surgem. A minha Mafalda mantém uma calma olímpica perante as picadas dos peixes, porque eu sempre lhe disse que ficar nervosa no momento "M" era o primeiro passo para perder o peixe.
      Ela aguenta bem a pressão, mesmo que por vezes perca um ou outro.
      Eu mostro isso no filme, porque não quero de forma alguma dar a ideia de que alguém com 13 anos é uma pessoa já formada, a saber fazer tudo na pesca.

      Quando tiver 20 anos saberá o suficiente para levar o pai ao mar, e ensinar o velhote a fazer as coisas....
      O António vai passar pelo mesmo, um dia o seu filhote irá dizer-lhe: " eu é que sei"....


      Grande abraço!
      Vitor


      Eliminar
  3. Boa tarde Vítor,

    É a vida acontecer... nós a ficar mos menos audazes, aguerridos, a perder o sangue na guelra e eles... o inverso!
    Ontem levei o mais mais pequeno à pesca no meu borracheiro, estivemos no Sado a lançar uns vinis, com intuito de enganar algum robalo mais desatento.
    É de facto maravilhoso ver o seu entusiasmo e fascínio pela conquista de um novo e desconhecido mundo.
    Penso que tenho que comprar um barco maior num futuro próximo!😉

    Fora do rio, temos feito uns robalos com vinis, ando a tentar mover o meu parceiro de pesca para o mundo dos artificiais, para já tenho ganho algum terreno, vamos ver se saio vencedor.

    Grande abraço e linhas esticadas,
    A. Duarte

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa tarde Antonio Duarte


      Andam aí paletes de robalos....

      É encontrar-lhes o padrão, e a seguir, eles reagem como sempre fizeram: com a boca escancarada.

      O Sprint vai ser rifado, porque encomendei um barco maior, com 8.10 mts, um Master 775, equipado com 2x 150 HP. Penso que vou subir um degrau com este barco novo, que vai chegar lá para Novembro. Por aí.

      Eu saio muitas vezes de Setúbal para Sines, por vezes até Vila Nova de Mil Fontes, e preciso de um barco que voe baixinho.

      O Sprint faz isso, mas limita-me no número de pessoas que posso levar.

      Abraço
      Vitor

      Eliminar
Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال