LINHA MADRE E LEADER - COMO ESCOLHER? - CAPÍTULO I

Sabemos que as linhas serão, de todos os acessórios de pesca que utilizamos, aquele que mais arrelias nos pode provocar.
Quem não sentiu já a horrível sensação de ver a sua linha ceder, perdendo o peixe, a amostra, o fôlego e quase…a vida?!...
É horrível perder um peixe por rotura de linha!
De facto, as linhas são importantes, mesmo muito importantes, pois representam para nós a ligação até ao peixe. E é pressuposto que nos ajudem, não que nos prejudiquem.
Peço a compreensão dos nossos pescadores consagrados, aqueles para quem o tema “linhas” nada tem de novo, mas parece-me ser importante escrever algo, ainda que de forma sucinta, para todos os outros, aqueles que ainda têm dúvidas relativamente à opção mais correcta para o seu caso pessoal.
Ainda que mesmo os pescadores mais evoluídos possam eventualmente encontrar aqui um ou outro dado curioso.


Evandro Rego Junior, um empresário brasileiro de quem sou amigo há dezenas de anos, e que me deu o prazer de o poder levar a pescar. Aqui com uma bica, feita num baixio, a cerca de …8 metros de fundo.


Grosso modo, existem três tipos de linha: o nylon, o fluorocarbono e a linha PE, conhecida por multifilamento, ou “trançado”.
Cada uma destas linhas apresenta características e possibilidades de utilização diferentes, por isso é importante saber escolher a linha que mais se adequa ao nosso tipo de pesca.
Hoje em dia, aquilo que é mais corrente é que os pescadores de todo o mundo equipem os seus carretos com linha “trançada”. O padrão é esse.
As linhas multifilamento tomaram de assalto todas as bobines dos nossos carretos. É tudo delas, conquistaram tudo!
Mas ainda há pessoas que não sabem quais as diferenças técnicas entre um PE e um nylon, por exemplo.
Pode haver pessoas a quem amigos próximos já disseram algo sobre o assunto, e estarão até tentadas a experimentar linhas PE multifilares, mas não sabem como escolher e por isso ficam indecisas. Como decidir?

O primeiro instinto é adquirir algo que, em termos de resistência, esteja bem acima do peso do peixe ambicionado. E esse é o primeiro erro.
Não necessitamos de linhas mais fortes mas sim de melhor trabalho de mãos e carreto. Dessa forma, podemos pescar peixes de peso e força muito superiores ao anunciado nas embalagens das linhas.
Se é normal que nos nylons e fluorocarbonos, (linhas rígidas cujos diâmetros podem ser descritos em medida europeia, milímetros), venham registados os quilos que suportam, já na embalagem dos fios PE aquilo que podemos ver é esse registo expresso em libras. Concretamente 1 libra é igual a 453,592 gramas. Nas embalagens encontramos um número e à frente uma unidade de ``lbs''.
Explicando de forma muito simplista, será algo como isto: se na embalagem podemos ler 1 libra, isso quer dizer que uma força/ carga de 453 gramas irá partir, ou pode partir, essa linha.
Por analogia, se o registo for de 11 libras, calcula-se que pode suportar uma força de cerca de 5 kg.
No entanto, é necessário considerar este ponto como algo pouco definitivo, pouco fidedigno, porque a resistência linear irá ser reduzida devido aos nós que iremos produzir nessa linha. Por isso é tão importante saber fazer nós que não diminuam demasiado a resistência linear do producto que comprámos. Na GO Fishing ensinamos a fazer os nós, por estarmos certos de que isso pode ajudar imenso a obter bons resultados.
É minha opinião que não se deve pescar acima da espessura necessária, e sempre que possível, até ligeiramente abaixo. E porquê?
Porque “menos linha” dá-nos peixe, permite-nos trabalhar bem melhor.
Desde logo porque a influência das correntes sobre a linha é bem mais discreta, e isso inclui não só a curvatura, ou “seio”, que esta irá fazer quando sujeita à pressão da água, mas também porque a vibração de uma linha grossa é mais notada pelo predador.
Nunca esqueçam que o peixe tem uma linha lateral muito sensível, de cada um dos lados do corpo, e que isso lhe permite detectar aquilo que vibra junto a si.
Pescar com linha grossa transforma o nosso conjunto jig + linha numa enorme fita vertical contínua, destituída de naturalidade. Para o peixe, um multifilamento grosso deverá ser algo muito parecido a uma corda, porque a sente vibrar em vários pontos ao seu redor.
Linhas finas ainda porque a sensibilidade no jig será tanto maior quanto menos a linha deturpe os sinais de contacto que essa peça nos dá, ao nível da ponteira da cana.


Certas pessoas só se sentem à vontade a pescar com...”cordas grossas”...


Como é feito o multifilamento?

A linha PE é feita tricotando (torcendo sobre si) vários fios de fio de polietileno ultrafino num único elemento. Trança de 4, ou 8 ou 12, é um termo que indica quantos fios são tecidos.
Na maioria dos casos, o número de fios é múltiplo de 4, (1x4) e os mais comuns são 4 ou 8 (2x4) fios. Existem ainda de 12 fios, (3x4) sendo essas as linhas mais caras e normalmente as de melhor qualidade.
Nesse caso, porque não escolher sempre estas? Porque nem todas as pessoas têm na carteira o valor necessário para as adquirir, tendo assim de fazer concessões.
Mas pode até acontecer que não sejam as linhas mais caras as necessárias para a função que queremos desenvolver. Como assim? Explico a seguir:
Grosso modo, considerando o mesmo diâmetro, o trançado 4 fios, que é feito com fio mais grosso por cada linha, possui maior resistência à abrasão e é indicado para uso em áreas com muitos obstáculos como pesqueiros rochosos ou pés-de-galo.
São linhas que permitem uma saída muito rápida do tambor do carreto, e descem bastante bem na coluna de água. Ainda está por explicar a razão, mas não estarei longe da verdade se ligar este fenómeno ao considerar que há razões técnicas para uma bola de golfe lisa ser mais lenta a voar que uma bola com “covinhas”. Não sei se sabem mas as primeiras bolas de golfe eram totalmente lisas.
Os jogadores repararam então que as bolas mais velhas, já danificadas pelos golpes dos tacos, eram as que voavam mais longe. E porquê?
Essas covinhas facilitam a optimização aerodinâmica, permitindo maiores distâncias. Isso é um facto. De acordo com a revista Scientific American, uma bola com esses pequenos buracos viaja duas vezes mais longe que uma bola lisa.
As pequenas depressões produzem uma barreira de ar ao redor da bola, reduzindo o arrasto de ar. O avanço do objecto no ar é favorecido por existir uma pressão constante na parte de trás da bola, e uma pressão mais reduzida na parte frontal, devida a esses agentes promotores de turbulência.
O resultado final é que o ar flui mais suavemente ao redor da bola, conseguindo-se um aerodinamismo perfeito. Porventura isto pode explicar a razão pela qual uma linha multifilamento menos lisa, mais marcada por cada uma das suas linhas constituintes, pode descer mais rápido.
Mas nem só de velocidade de descida se faz a pesca. Não será por acaso que o multi PE 8 foi adoptado como a referência base deste tipo de linhas.
O trançado de 8 fios tem uma forte resistência linear e é frequentemente usado por quem, a pescar de costa, consegue ferrar peixes com muito peso e força. Peixes que puxam muito pelo nosso conjunto de cana, carreto e linha, o caso das corvinas.
Ou, aquilo que é mais normal em quem utiliza linhas de 8 fios, para a quase generalidade da pesca embarcada, onde o risco de fricção é reduzido, já que o combate é travado em água livre.
Em actividades como o spinning, as linhas multi de 12 fios são as que nos permitem lançar mais longe, pelo seu menor atrito nos passadores. Mas são mais caras….
Adaptar a linha ao tipo de pesca que se faz é importante. Devemos optar em consciência e saber os porquês de 4, 8 ou 12 fios.
Aquilo que se tem vindo a generalizar é mesmo a linha PE em 8 fios. A malha de 8 fios tem logo à partida uma vantagem: por ter menos irregularidades na superfície, é mais lisa, também é mais uniforme em termos de resistência ao longo do seu comprimento, mais “certinha”.
Passa de forma mais suave nos passadores da cana, dando ao pescador a sensação de maior fluidez e suavidade.
Num dos últimos workshops realizados na GO Fishing, tive oportunidade de mostrar como um laboratório de análises técnicas independente conseguiu descobrir falhas ao nível do diâmetro “apregoado”, da resistência linear e também da resistência à abrasão.
São incríveis as discrepâncias encontradas, mesmo em linhas de marcas tidas como topo de gama. Se acharem interessante, posso publicar aqui os resultados dos exames a algumas dessas linhas.


A tensão que algumas linhas suportam é algo de inexplicável.


O que é uma linha PE de alta gravidade específica?

Mas temos muito mais a saber sobre os multifilamentos. Por exemplo, o que é uma linha PE de alta gravidade específica?
As linhas comuns de PE são mais leves em gravidade específica do que a água, logo flutuam facilmente na água se não as lastrarmos com um peso.
Não esqueçam um detalhe: a forma de produzir trançados em fábrica implica a sua sobreposição, o cruzamento de linhas sobre linhas. Se quisermos ser rigorosos, temos que considerar que dificilmente o processo de fabrico tradicional pode evitar que ao juntar uma grande multiplicidade de fios para produzir linhas, e a seguir ao entrelaçar todas essas linhas num só multifilamento, não exista AR dentro do producto. E este ar… flutua e faz flutuar a linha.
Considerando este factor, e cientes dos incómodos que isso representa sobretudo para quem pesca muito ligeiro, com amostras de poucos gramas, os fabricantes apostaram em passar a fabricar os seus multifilamentos em câmaras de vácuo.
Não resolve a totalidade das questões, mas ajuda, pois permite que a linha seja fornecida de forma mais compactada.
Outra forma de obviar a este inconveniente é utilizar tecnologia que recorre a um processo de integração de calor, e surgem as linhas fusionadas, as quais melhoram em termos de elasticidade, rigidez e resistência à abrasão, a níveis que não poderiam ser alcançados com linhas PE convencionais.
Poderão pensar que estes são detalhes insignificantes, mas quando alguém lança uma amostra contra o vento, não lhe parece que estes factores sejam assim tão insignificantes.
O vento, as ondas, as correntes, tudo afecta o comportamento das nossas linhas, e só as melhores permitem desempenhos de excepção.
As linhas PE de alta gravidade específica, ou linhas afundantes, mesmo que sejam sopradas pelo vento, são menos propensas a folgas de linha, a pontos de atrito onde o ar aplica a sua força e trava a sua progressão.
Bem sei que quem pesca de barco e deixa cair uma linha para o fundo terá menos problemas que outros tipos de pescadores, nomeadamente que faz surfcasting ou spinning, e precisa desesperadamente de atingir longas distâncias.
Tudo é relativo, e como devem calcular, não é possível que exista um princípio único que sirva a todos. Quando alguém escreve um artigo sobre linhas, tem de considerar muito mais que um tipo de pesca e um tipo de exigência.
Essa é a maior dificuldade de quem passa informação.


Alguns tipos de pesqueiros exigem uma atenção redobrada ao tipo de linha com que pescamos.


Sendo isso verdade, todavía o multifilamento, ou “trançado”, a linha do momento, a que melhores resultados permite, apresenta porém óbices relacionados com a sua alta visibilidade.
Também a sua resistência à abrasão é francamente reduzida, logo não nos basta enquanto linha. Precisamos de algo mais.
Se pensarmos bem, já todos perdemos peixes interessantes porque a nossa linha trançada raspou algures.
Este é um problema que nos limita e impede a sua utilização em regime de exclusividade. Não se pendura a amostra/ jig de um multifilamento, directo. Eu tentei-o diversas vezes e os resultados não são animadores, independentemente da marca e até da cor em causa.
Em definitivo, não podemos terminar a nossa montagem no multi, altamente visível, sob pena de prejudicarmos gravemente os resultados de pesca.
Por isso mesmo, somos forçados a recorrer a outro tipo de producto nos últimos metros, (isso dá-nos indiscutivelmente mais picadas), e isso só pode ser conseguido com uma combinação de multi + nylon, ou, mais recentemente, um outro tipo de polímero, o fluorocarbono.
E são estes dois elementos, nylon ou fluorocarbono, um ou outro, aquilo que nos permite fazer uma baixada, ou, por designação internacional, o nosso “leader” invisível.
Que é esta coisa do leader, e de que forma podemos tirar partido dele? Qual o diâmetro certo para cada tipo de pesca e qual a relação de resistência que deve ter, relativamente à linha madre, ou linha principal?
Pressupostamente devemos antes de escolher o leader, saber tudo o que há a saber sobre a linha madre. O tema são linhas!
Esse é o desafio para uma sequência de artigos que se seguem nos próximos dias, os quais espero possam ser ser interessantes para vós.


Um tremendo peixe-aranha, um “petardo” com cerca de 1 kg de peso, dos maiores que já pesquei. Aqui com um jg CB One,  de 60 gramas, a pescar bem fundo, na casa dos 70 metros.


No próximo número, vamos falar de baixadas, ou leaders.



Vítor Ganchinho



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4 Comentários

  1. Pedro Evangelista22 agosto, 2023

    Até tenho a teoria que um casco liso e perfeitamente acabado, anda menos que um casco imperfeito. Refiro-me a um casco com alguma rugosidade semelhante a uma bola de golfe mas noutra escala.
    Outro exemplo simétrico é a situação da superfície da água estar perfeito espelho, versos apresentar uma ligeira rugosidade provocada por um brisa. O barco anda muito mais se a superfície da água apresentar uma ligeira rugosidade.
    Suponho que se formem espaços de ar entre o casco e a água que de alguma forma reduzem o atrito.

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    Respostas
    1. Grande Pedro! Dou a sugestão de deixarmos ir até ao fim esta sequência de seis artigos, e a seguir vamos comentar todos estes detalhes, um a um.

      O tema linhas tem muito interesse, pois são elas que nos ligam ao peixe. Ainda assim, parece que para certas pessoas tudo é indiferente, não interessam as canas, os carretos, as linhas, as amostras, ...é como se o equipamento não tivesse qualquer influência no resultado final.

      Vamos ver o que sai sobre linhas, e voltamos no fim para comentar aquilo que foi dito, ou para acrescentar algo que fique por dizer.


      Este é o tempo do spinning por excelência, um momento em que o peixe está encostado a terra, e está mais acessível a todos, mesmo a quem pesca apeado.

      Força agora!



      Abraço!
      Vitor

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  2. Gostaria de saber, sem olhar a preços, qual e na vossa opiniao o multi 8x que melhores prestações teve, isto porque de ano para ano há evoluções e estou certo de que vocês ja os utilizaram a todos ou quase todos, qual seria o vosso top 5?

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    Respostas
    1. Olá, bom dia!

      O tema que sugere é interessante.

      Estamos agora a iniciar um ciclo de artigos dedicados a linhas.
      Gostaria de lhe referir o melindre do tema em si, já que envolve marcas, algumas delas com um poder imenso no mercado da pesca a nível global.
      Também há algo que deve sempre ser considerado, e que vai seguramente influenciar a opinião de quem utiliza linhas multi-filamento: qual a especialidade de pesca em questão.

      Não há linhas universais, que sirvam para tudo.
      Se fazemos spinning pretendemos linhas macias, a desenrolar bem no bordo da bobine do carreto. Mas essa mesma linha, que nos serve bem a fazer spinning, e que permite lançamentos longos, é completamente imprestável quando fazemos jigging.
      Linhas macias são responsáveis por "cabeleiras" incríveis, algumas delas a pedir..faca.

      Sugeria que nos indicasse qual o tipo de pesca que faz, para que o desenvolvimento da questão possa ter a ver consigo.
      E se possível, que coloque o seu nome.



      Abraço
      Vitor


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