De que forma decidimos onde, quando e como vamos pescar robalos? Qual o critério pessoal que seguimos?
A forma como as condições de pesca evoluem a cada dia, a cada hora, até a cada minuto, torna difícil prever o que irá acontecer e por isso temos dúvidas. São legítimas essas dúvidas!
As variantes são de facto imensas, nem toda a gente as sabe analisar convenientemente, e já se sabe: quem tem menos informação decide pior.
Num meio líquido em permanente mudança, marés, ventos, temperaturas da água e ar, pressão atmosférica, acção predatória da pesca comercial, estação do ano, etc, é difícil entender quais as prioridades que devemos observar quando planeamos a nossa saída de pesca. Como podemos pois programar uma saída?
Devemos ignorar tudo e regular-nos apenas pelas horas da maré? Podem então aqueles pequenos livrinhos de marés ser afinal tudo o que necessitamos para sabermos onde, quando e como vamos pescar?
O vento sopra persistente de terra para fora. Faz alguma diferença do vento que sopra do mar para dentro? Ou é tudo…vento?
Se as águas estão muito frias, ou muito quentes, isso é indiferente?
Chegamos ao local ainda no crepúsculo. Já se vê algo, percebemos onde cai a amostra, mas o sol ainda não nasceu no horizonte, ou por contra, já é tarde, temos sol bem alto sobre as nossas cabeças. É igual?
Podem os robalos estar sempre onde esperamos? Com que níveis de certezas podemos trabalhar as nossas decisões?
Robalo fêmea de 4 kgs, feito a bordo do meu barco Sprint por um amigo, com jig de 20 gramas. |
Parece-me incontestável que as marés desempenham um papel importante na localização dos nossos predadores de eleição. Desde logo porque a presença ou ausência de água em pesqueiros de muito baixa profundidade modula a possibilidade de eles estarem, ou não, nos locais onde os procuramos.
Um exemplo prático: à saída da barra de Setúbal, o Sado costuma dar uns robalos, nas horas e nos momentos de maré certos. Aos primeiros alvores do dia, com a maré a encher, eles estão lá. E estão a caçar.
Falamos da enseada de água formada junto ao pilar branco com listas verdes que se encontra à esquerda de quem sai do rio. Bem cedo, ao raiar do dia, os peixes entram com a maré. Esta sobe na zona uns dois a três metros e isso chega e sobra, são os necessários e suficientes para os peixes entrarem naquele spot.
Quando vaza, ….e sem água quase nenhuma (fica a seco em marés grandes), podem lá estar? Claro que não. A realidade física da ausência de água impede-os de ficar por ali.
Temos assim que o comportamento dos peixes é regulado pelo momento, pelo fluxo e refluxo das marés. Eles entram ou saem em função de terem mais ou menos água disponível.
Assim sendo, imaginemos que temos hoje às 6 horas da manhã uma perfeita combinação de alvorecer com um período de maré já alta que nos facilita a vida quando queremos encontrar robalos a comer. Mas a cada dia que passa, e por avanço consecutivo da hora da maré, teremos essa preia mar mais para a frente, até chegarmos a um ponto em que, no mesmo local, à mesma hora, já temos uma arreliadora vazante! Que não nos serve para nada. Pescamos zero.
Ou seja, não adianta pensar “se hoje isto está perfeito, então passo a vir cá todos os dias a esta hora e pesco sempre!”….
Lamento, não é assim.
Gostava de vos facilitar a vida, dizendo-vos que 2+2 são sempre 4, mas nem isso posso fazer. Notem que a progressão de marés e consequentes coeficientes não é linear, muda, avança todos os dias, repetindo-se a ciclos mensais, grosso modo.
Aquilo que pode jogar a nosso favor, leia-se um pesqueiro ideal, é termos um sítio onde a quantidade de água nunca é demasiado pouca na vazante, leia-se uma profundidade mínima suficiente, e que na enchente tenha alguns obstáculos rochosos que possam travar a marcha das águas, ou seja, que deem protecção aos peixes que procuramos. Vamos ver este detalhe mais à frente neste trabalho, mas deixo-vos já aqui uma pista: quando as correntes são muito fortes, e caso não existam escapatórias por perto, os peixes afundam, colam-se ao fundo, onde, por efeito de atrito, a água abranda um pouco a sua marcha, torna-se mais lenta e por isso, mais suportável. Isso já acontece em fundos simples, de areia. Também ocorre que possa existir um pequeno escolho, uma pedra de 15 cm de altura e isso já dá protecção suficiente a um robalo de grande porte. Falamos sempre de dispêndio de energia…e da sua poupança.
Infelizmente quando aí estão, colados ao fundo, não nos facilitam a vida porque nós não podemos lançar a roçar no fundo. Ficamos sem as amostras no primeiro ponto de relevo e prisão que encontrarmos, se não se tratar de areia apenas.
Quando isso acontece, areia e nada mais, fundo liso, aquilo que podemos procurar é imitar o comportamento das galeotas, um curioso peixinho longilíneo que tem como principal estratégia de sobrevivência o facto de se conseguir enterrar na areia.
Os robalos adoram galeotas, e ficam desvairados quando sentem que estão por ali. Pesca-se então a rocegar o fundo, com amostras macias compridas, tubulares, preferencialmente com vinis equipados com cabeçotes de chumbo, do tipo Sandeel Slug, da Savage.
Robalo de 3 kgs, feito com jig de 20 gramas, a bordo do Sprint, por um amigo finlandês. |
Consideremos um outro aspecto: as marés não são todas iguais. Temos coeficientes maiores e menores, em função de forças gravitacionais, da maior ou menor proximidade que o nosso planeta apresenta relativamente ao sol, o astro rei, e a lua.
Também do facto de estarem ambos alinhados a puxar para o mesmo lado, ou por oposição, um de um lado e outro do outro, anulando assim as suas forças. As correntes são mais fracas ou mais fortes, dependendo destas combinações de posicionamento.
O sol tem uma massa infinitamente superior à da lua, e por isso a sua capacidade de atração é superior. Mas está mais longe. A lua, embora muito mais pequena, está todavia bem mais próxima, e por isso mesmo, a sua influência faz-se sentir de forma mais vincada. E, meus amigos, são estas duas “bolas” que comandam a movimentação das águas, e por consequência a actuação dos nossos peixes, por mais que vos custe acreditar.
Enquanto seres humanos, é-nos difícil aceitar que isso possa ser assim. Há de resto uma infinidade de detalhes que nos escapam por teimarmos em pensar estes fenómenos à luz daquilo que é a nossa lógica de raciocínio humano.
São demasiadas realidades a considerar, para quem pretende apenas lançar amostras e recolher peixes.
Vejamos algumas das coisas que podem “estragar-nos” a nossa pesca, e que não dependem em nada da nossa vontade, do nosso empenho:
- Por termos uma lua grande, as massas de água oceânicas sofrem uma deslocação massiva, há um aumento significativo de amplitude de maré, sobe mais alto e desce mais baixo, no mesmo período de tempo, e com isso, as correntes são muito mais fortes.
Isso exige mais de nós e dos nossos equipamentos.
- Ao termos correntes fortes, temos obrigatoriamente uma maior velocidade de deslocação do nosso barco, ou, para quem pesca de terra, uma passagem mais rápida da amostra de um ponto a outro, montante / jusante do nosso lançamento.
Este factor influencia entre outras coisas o peso das amostras, a sua forma e volume, e até os diâmetros das linhas com que podemos pescar. Muda tudo.
- Um outro efeito que deriva das luas grandes é a maior ou menor quantidade de água nos nossos pesqueiros. Se isso pode ser algo negligenciado por quem pesca de barco, com mais mobilidade e capacidade de adaptação, não pode sê-lo para quem pesca apeado, mais limitado.
Este factor induz também a uma presença mais longa ou mais curta do robalo na zona de caça, consoante o ponto de maré.
Estarão mais tempo a caçar quando têm mais água nas condições certas para o fazer. Decidem quando entram e quando saem em função do sentido de segurança que forçosamente os acompanha.
Isso é algo que fazem naturalmente, porque conhecem as regras desde que nasceram. Devem ler aqui algo como “encontrar comida, mas em segurança”.
Se os peixes sabem bem melhor que nós quando devem entrar e sair da sua zona de caça, … infelizmente com as pessoas já nem é tanto assim, continua a haver mortes absurdas por se arriscar demais na rebentação.
- Podemos considerar que a variação de quantidade de comida disponível em função da quantidade de água ser maior ou menor será eventualmente desprezível, porventura poderá até ser quase a mesma, mas as condições de segurança e também de caça para o robalo não serão as mesmas quando tem pouca água no pesqueiro.
Novamente faço referência à saída do Sado, e à constatação de que, sem água, dificilmente conseguiremos ferrar peixes naquele local. Logo, de pouco vale irmos lá num momento em que a maré está baixa, eles não podem estar lá.
Mais que isso, convém também pensarmos que, sobretudo no Verão, a meio do dia vamos ter a zona apinhada de barcos e gente que ali vai passar algumas horas de praia. Faz sentido ir lançar amostras nesse local?
Vai estar absolutamente deserto de peixe… mas não o estava durante a noite e o raiar do dia.
O autor com mais um peixe feito com jig, na circunstância um Little Jack de 40 gr. |
Vamos no número a seguir ver um detalhe que considero da maior importância: qual a evolução da força e velocidade da corrente, em função do avançar da hora da maré.
Penso que é algo a não perder, e por isso vos convido a ler a próxima publicação.
Vítor Ganchinho
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