ÀS VOLTAS COM AS LINHAS MULTIFILAMENTO

Ao que parece, ainda ficaram algumas dúvidas relativamente a linhas multifilamento, os ditos “trançados”. 
São pequenos detalhes, a eterna questão portuguesa de apenas saber ler os diâmetros se expressos em milímetros, qual o melhor fio, quais os piores, a forma de fabricação, etc. 
Recebi alguns contactos e, pese embora não tenham sido feitos no local devido, o blog, entendo que devo responder, e não deixar assim um espaço vazio por preencher. 
Vamos pois dedicar mais um dia à questão “linhas”, um tema que é forçoso visitar assiduamente, ou não fossem elas a trazer-nos o peixe às nossas mãos. 

As linhas e sempre as linhas.
Sargo veado, Diplodus cervinus, que pesquei com um filete de cavala.

 
Os multi PE são feitos numa matéria chamada de polietileno, um plástico de alto peso específico, (pesado porque o elemento agrega em si uma grande densidade de moléculas), muito resistente à tracção, tornando-o perfeito para a confecção de fios ultrafinos, e daí para a sua junção sob a forma de uma “trança”. 
As linhas trançadas são feitas pegando em várias fibras de polietileno, entrelaçando-as entre si de forma a criar uma única linha de pesca. Como?
O polietileno passa por um processo denominado de “fiação em gel” para criar fibras resistentes, esticadas e orientadas na direção natural da fibra, criando dessa forma um producto excepcionalmente forte à rotura. 
Sim, bem mais forte que os nylons ou que os fluorocarbonos, as outras linhas disponíveis no mercado. 
A produção desta linha trançada PE (Polietileno) não é algo tecnicamente complicado, mas se considerarmos a sua execução, é algo moroso. E daí o seu elevado custo por bobine.  
O processo de fabrico implica alguma estrutura física, instalações com alguma dimensão, máquinas de fiagem, bobinadoras, mas isso nada tem de extraordinário para nós, portugueses. 
Portugal é um país onde produzir vestuário é algo comum, e para isso são necessários fios. De muitos e diferentes tipos. 
E sabemos trabalhar fios, ou não fosse a lã das nossas ovelhas a matéria prima de lusas camisolas, bem quentinhas. 
Ou seja, eventualmente poderíamos ter sido nós a ter a ideia de produzir linhas multifilamento para a pesca. Mas infelizmente não fomos. 
Os japoneses, país de grandes criadores mas ao mesmo tempo uma nação com uma tremenda possibilidade tecnológica de desenvolver ideias, (tal como os italianos e a sua sede de produzir design e moda…) aproveitou a oportunidade para chamar a si a responsabilidade de equipar o mundo com um acessório que, quer queiramos ou não, veio mudar a pesca conforme a conhecíamos até aí. 
Passo-vos um filme de como são produzidas as linhas, para que fiquem com uma ideia de como é morosa a sua produção. 



Digo-vos que em determinados ambientes, rudes até onde se pode ser rude, não há linhas que resistam muito tempo…
Foto Carlos Campos


Estas super-linhas, ditas de “multifilamentos”, vieram trazer ao panorama da pesca nacional possibilidades que entendo estarem bem longe de esgotadas. 
É minha opinião que, enquanto pescadores, ainda estamos a aprender a utilizar todo o potencial que trazem para o fenómeno da pesca. A sua ausência de elasticidade bem como a sua resistência à rotura, oferecem-nos dados que não tínhamos até aqui. 
Uma linha não elástica transmite muito mais informação e o PE polietileno, com um índice de elasticidade muito baixo, quase desprezível, dá-nos forçosamente muito mais possibilidades de pesca que o tradicional nylon. 
O resultado prático é evidente: aumenta-nos a sensibilidade, detectamos mais toques e isso coloca-nos …peixe na caixa. 

Este tipo de pedra, coberta por cracas, pode ser autêntica lixa para quem lança uma linha sobre elas.


Qual a metodologia de produção, então?
Na base de tudo, a fibra de polietileno. 
Ao juntar através de uma fiagem cuidada todas estas microfibras, obtemos um fio fino, ainda não a linha conforme a conhecemos, mas sim os elementos prévios que irão dar origem a uma futura linha de pesca. 
Ao tecermos uma determinada quantidade de fios destes entre si, passamos a ter uma trança. E a seguir juntamos conjuntos de tranças até obtermos o diâmetro pretendido. 
Sabemos que podemos ter 4, 8 ou 12 “fios”, e formar assim uma unidade muito compacta, flexível, com um toque mais suave quantos mais fios conseguirmos introduzir na secção de um multifilamento. 
De modo geral, usar mais fios dá origem a uma trança mais redonda e lisa, mais uniforme. “E daí”?, perguntarão os mais cépticos. 
Pois bem, ter uma periferia de linha bem lisa dá-nos algumas vantagens imediatas, as quais podem ajudar, ou não, para o nosso melhor desempenho de pescadores. 
Desde logo a linha fica mais silenciosa a passar nos passadores, e aqui falamos apenas de conforto pessoal e isso não conta, mas também mais fácil de lançar a grandes distâncias, por menor atrito na cana. E isso já conta, para pescar mais. 
 

Este é o ambiente em que os fluorocarbonos se sentem mais à vontade. Uma linha que resista à abrasão é fundamental. 


A seguir, vamos ter de nos preocupar em escolher a linha que mais nos irá favorecer relativamente ao tipo de pesca que praticamos. Se pescamos spinning, uma linha macia ajuda. Se fazemos jigging, uma linha “encerada” com uma cobertura de silicone é de vital importância, para evitar “cabeleiras” sempre indesejáveis. Também por conta da sua consistência, leia-se o número de tranças aplicadas, há linhas que permitem lançamentos mais longos, ou descidas mais rápidas. 
Contrariando a lógica, as linhas de 4 fios afundam mais depressa do que linhas perfeitamente redondas, como as de 12 fios. Perdem no voo se fizermos lançamento de amostras, mas ganham a descer aos abismos, se fizermos jigging. 
À vista desarmada, uma linha de 4 fios é mais áspera, mais rugosa, e podemos sentir isso ao passar os dedos sobre ela. Daí até isso ser uma desvantagem vai uma longa distância. 
Nunca esqueçam que, para um mesmo diâmetro de multifilamento, termos apenas quatro linhas significa que cada fio terá em si mesmo uma maior quantidade de fibras, logo uma superior capacidade de resistir à abrasão, sem partir. Para quem pesca em zonas agrestes, pode ter vantagens optar por 4 fios. 
Convém referir também que se tratam de linhas de menor custo de produção, logo são apresentadas ao mercado por preços mais baixos. A questão preço pode parecer um “não problema” a quem consegue rapidamente amortizar os custos de equipamento com resultados efectivos, com peixe que deixa de ter de comprar no mercado. 
E isso pode ser mensurável, aquilo que se gasta na compra das canas, carretos, linhas, amostras, e a despesa mensal em peixe adquirido para a casa. 
Mas há quem, do outro lado da linha, pouco pesque. E aí, se esse factor se junta a uma situação económica mais débil, faz com que o custo de cada componente do equipamento de pesca tenha de ser muito ponderado. 
Cada euro faz muita diferença a quem tem poucos para gastar, e bem longe estamos de acreditar que o material é tudo. Há muito quem tenha equipamentos topo de gama e não tenha a menor noção daquilo que é a pesca….
 



Mas as linhas de 8 fios também têm as suas vantagens. E muitas!
A “rede” formada por um conjunto superior de fios trançados obriga a uma confecção mais apertada, mais junta. Isso quer dizer que essa linha terá menos propensão a reter água no seu interior. 
Parece-me evidente, mas refiro-o aqui de novo: se os espaços vazios entre fios são menores, a quantidade de água que entra no interior é menor. 
Poderão pensar que se trata apenas de um pormenor, mas o sucesso da pesca é feito precisamente da junção de uma infinidade de pequenos pormenores. Se em vez de contarmos com a ajuda da linha passarmos a ter de lutar contra ela, os resultados vão reflectir isso.  
A linha de 8 fios é de facto a mais vendida, não porque seja a melhor, mas porque se situa a meio termo entre a linha de inferior qualidade, 4 fios, e a linha de 12 fios, bastante mais cara. 
Assim, os PE de 8 tranças generalizaram-se e são de longe os mais vendidos. 
E já agora, a talhe de foice, aí vai mais informação: estas linhas são naturalmente mais flexíveis, mais macias. Para quem faz algum tipo de pesca em que a rigidez excessiva é prejudicial, o caso das disciplinas de lançamento, spinning por exemplo, o facto de poder contar com uma linha mais macia ajuda imenso.
O óbice é que, ao demorarem mais tempo a tecer, são por sua vez naturalmente mais caras. 

Linha termicamente fundida
Um outro tipo de linha multifilamento que podemos adquirir não é sequer um trançado, mas sim uma junção de fibras de polietileno as quais são apenas fundidas. 
Isto é feito entrelaçando as fibras de polietileno e aquecendo-as a uma temperatura que faz com que essas fibras derretam e se fundam umas com as outras. São as ditas linhas “fusionadas”, as quais têm simpatizantes, ainda assim. 
Este processo de fusão é muito mais rápido do que produzir a trança e cria uma linha que normalmente é mais rígida do que esta, mas normalmente mais econômica. Trabalhos há que até beneficiam desta rigidez acrescida, nomeadamente o jigging. 
 


O que é isso de 0, …tantos de diâmetro nas linhas multi?!…
Porque estamos habituados ao sistema métrico na aquisição de linhas de nylon, (0.30, …0.50mm de diâmetro por exemplo), custa-nos a largar essa “bitola” de aferimento de diâmetro. 
Não sabemos funcionar de outra forma que não a de transformarmos a medida de diâmetro original, o PE, em milímetros.
Por mais que se explique que a medida em milímetros de uma substância maleável não pode ter qualquer rigor, as pessoas insistem em levar a água ao seu moinho, exigindo uma medida milimétrica, europeia. 
Se tomarmos nas mãos uma linha multifilamento e um aparelho de medida, por exemplo um paquímetro, a medida de diâmetro que iremos obter será a correspondente à pressão exercida. Será 0.24mm, ou, se apertaremos mais, 0.20mm, ou, se apertarmos ainda mais, …0.18mm.
As fibras irão perder a sua forma cilíndrica, e vão esmagar até ficarem todas em linha, com a consequente redução da medida do seu diâmetro. 
A complicar ainda mais as coisas, o sistema de classificação das linhas não é padronizado, e é até algo confuso. Há produtores japoneses que seguem um padrão tido como o mais consensual, mas outros não. 
Se nos viramos para as fábricas chinesas, não será estranho que nos apresentem no seu site imagens de fábricas que nem são as suas, e que façam aquilo que é mais corrente: apregoem bombásticas resistências para um determinado diâmetro de linha, que afinal, bem medido, vem a revelar-se o dobro daquilo que pensávamos estar a encomendar. Mal por mal, recorrer a quem tem um respeitável passado de produtor, e que, por isso mesmo, já deu provas de capacidade. Há marcas, a Daiwa, a Shimano, menos propensas a arriscar o seu nome em troca de umas pífias vendas pontuais de um producto adulterado. 
Num mercado pouco regulado, estranho seria que algo fosse produzido de acordo com um padrão único. E isso faz com que o consumidor/ pescador fique com poucos elementos de análise credíveis. E, à falta deles, …inventa-os. 
Há quem tente transformar a medida PE em libras, multiplicando por 10, ou seja, uma linha PE3 seria hipoteticamente um 30 libras. Mas vai-se a ver, e pouco tem a ver com isso. 
Outros dirão que afinal é uma medida de diâmetro, ou seja, PE2 = 0,24 mm. E de facto não é, não se assemelha sequer. 
Uma outra tese diz que a medida PE tem a ver com uma medida de peso de fio no Japão. Os japoneses têm sistemas métricos milenares, e pouco ou nada podemos fazer quanto à necessidade de os convencer a trabalhar num sistema de medição que não é o seu. 
Eles entendem o PE2, o PE4, conseguem visualizar qual o diâmetro de uma linha a partir desses dados, e isso basta-lhes. Nunca esqueçam que o mercado interno japonês tem um potencial de 130 milhões de pescadores, …eles não precisam de mais para venderem muito e serem muito felizes. 
Vamos ter de ser nós a adaptarmo-nos, por muito que custe…




Vítor Ganchinho



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