Quando pescamos fora, em mar aberto, parece-nos tudo demasiado grande, demasiado amplo para que um peixe possa ter a veleidade de conseguir estabelecer pontos de referência, no fundo para que possa saber onde está.
Tentamos imaginar-nos a nós próprios a nadar longe da costa, sem ver o fundo, sem ver terra. E isso é tão estranho e assustador para nós que não hesitamos em considerar ser algo de ….”ruim”.
Daí até extrapolarmos que os pobres peixes sentirão o mesmo, que se sentem desorientados, vai um passo.
Não se nos afigura ser possível que um ser tão “limitado e simples” quanto um peixe possa saber ler na água o suficiente para poder retornar várias vezes ao mesmo local. Que pontos de referência pode ter? Que caminho segue?
Parece-nos pois que nem se coloca a possibilidade de haver um único peixe que possa “morar” num determinado local e a ele consiga voltar um ano depois.
E todavia….
Os robalos sentem o mar como se fossem capazes de lhe identificar os caminhos. E na verdade são capazes!... |
O robalo é um peixe que não só volta às suas zonas habituais de alimentação, como o faz de forma extremamente precisa.
Como se tivesse uma memória fotográfica capaz de o levar por profundidades, entradas de água com determinadas características, correntes conhecidas, cheiros e cambiantes de productos orgânicos diluídos na água.
E será só isso? Terão eles qualquer outro mecanismo que os impele a nadar numa determinada direcção?
Nós não somos capazes de o fazer, mas eles sim. E fazem-no com precisão milimétrica.
Provar isto acima descrito poderia ser encarado como pura especulação não fosse a incrível ajuda da tecnologia humana ser capaz de o provar.
Marcações feitas com etiquetas em robalos capturados no ambiente selvagem permitiram seguir via electrónica os seus passos, e perceber assim as suas migrações sazonais. E, espanto dos espantos, eles visitam amiúde os mesmos lugares costeiros.
As saídas dos estuários, as posteriores entradas, os períodos de desova perfeitamente marcados nos mapas de acompanhamento permitem afirmar que os robalos adultos migram segundo padrões bem definidos.
Ou seja, os mesmos peixes nos mesmos locais, o que quer dizer que existem reais possibilidades de aprendizagem, de formatação de comportamentos de acordo com a necessidade de escapar a repetidas armadilhas humanas.
Ainda assim, alguns dos técnicos que contactei para obter informações sobre este tema garantiram-me possuir dados que confirmam a captura de diversos robalos mais que uma vez. Isso permitiu-lhes a sua medição, e renovar o tag de marcação.
A tarefa pode ser facilitada por se saber exactamente onde está o bicho, mas ainda assim falta a colaboração dele, em morder uma isca artificial. Mas consegue-se.
Depois de libertados, nenhum deles se afastou em demasia do local onde se encontrava. O que quer dizer que estão ali por convicção, não saem, sabendo que naquele momento do ano é ali que devem permanecer, ainda que com uma experiência tão traumática quanto uma ferragem num anzol.
Este fenómeno de orientação e retorno, (a capacidade de um animal navegar em direção a um local pré-determinado) não será um exclusivo dos robalos, e é conhecido inclusive em mamíferos marinhos, tartarugas, tubarões, e até …lagostas.
Muitas espécies de peixes da nossa costa têm com eles este “acessório” de série, ou seja, são bússolas vivas que conseguem detectar o campo magnético da Terra, e assim perceber a sua localização, altitude e direcção de deslocação.
Lembro para os menos atentos que este campo magnético, aquilo que faz girar as nossas bússolas, é resultado do movimento de rotação do núcleo líquido de ferro e níquel existente no interior da Terra.
Os mecanismos de detecção magnética continuam a ser investigados e não há ainda consenso, mas poucas dúvidas subsistem quanto à sua existência.
É um facto que os peixes saem dos estuários, vão a alto mar, passam meses em áreas longínquas, e voltam aos mesmos locais de caça dentro das bacias de águas salobras.
Isso está bem longe de ser uma vantagem para os nossos robalos. Conhecidos os seus percursos, sabendo prevê-los, sabemos também esperá-los e armadilhar o seu caminho, quer através da colocação de redes, quer com pesca à linha dirigida.
Fossemos nós gente consciente e poderíamos marcar algumas centenas de robalos, seguir os seus percursos, controlar as migrações e estabelecer a partir daí um projecto de protecção da espécie.
Nomeadamente através do estabelecimento de um defeso rigoroso nos locais devidos.
Mais uma vez a ciência, aquilo que nos permite seguir o comportamento anual de um robalo adulto, tanto pode ser utilizada para ajudar à delapidação da espécie, como para a proteger.
Conhecendo eu relativamente bem o perfil do pescador português, aposto as fichas todas na opção: “pesque-se o bicho!”...
Vítor Ganchinho
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