TEMPO DE SAFIOS!!

Já choveu, já fez vento e as primeiras ondas altas chegaram finalmente à nossa costa.
Os primeiros borrifos de chuvas de Outono são o tiro de partida para algumas espécies iniciarem um evolutivo processo fisiológico o qual, após alguns meses, irá terminar na concretização do seu ciclo reprodutivo.
Muitos peixes entendem-nas como uma evidência clara de que a época estival acabou. Adeus Verão, adeus águas calmas, olá temporais e dias difíceis!
Sabem também que vêm aí águas mais frias, com o consequente aumento do consumo energético.
São estes sinais de instabilidade que irão despoletar a corrida ao armamento, leia-se uma alimentação reforçada, uma maior procura de gorduras, proteínas, aminoácidos e energia extra que permita vantagens reprodutivas e a posterior capacidade de sobrevivência em tempos difíceis.
Falamos das douradas, (sobejamente já tratadas aqui nas páginas do blog), de robalos, de sargos, mas também de outros peixes e cefalópodes que entendem os dias mais curtos, com tempo minguado de luz, como o momento certo para mudar algo na sua rotina de vida.
Vem aí um novo ciclo e a natureza prepara-o com requintes de malvadez. Muitos seres vivos vão morrer agora.


Carlos Campos com mais um bicho de respeito.


Os safios são um dos peixes que mais irão contribuir para essa matança. São verdadeiras máquinas de matar!
Quando juvenis, com poucos centímetros, são alimento de peixes que os atacam sem piedade, mas assim que crescem o suficiente, deixam de ter predadores naturais.
Estão extremamente bem adaptados ao mundo em que vivem, são fortes, e porque caçam a coberto do escuro breu da noite, têm vantagens sobre incautos peixes que repousam junto ao fundo.
Eles já estão aí. Há safios na costa todo o ano, todos os santos dias, mas quando chega a esta altura recebemos a visita dos grandes colossos que habitualmente se deixam ficar mais abaixo, em cotas superiores a 100/ 200 metros.
Este é um momento de “abram alas”, os grandes safios chegaram e querem comer.
Chegam aos baixios muito antes dos outros, preparam o campo de batalha, estudam-no, e esperam. Todo o tempo que passam a rondar os mais ínfimos recantos irá servir-lhes para somar vantagens quando o momento certo chegar.
A sua preocupação não é propriamente reproduzir, (apenas o fazem uma única vez durante os seus cerca de 10 anos de maturidade sexual, entre os 5 a 15 anos de vida, largando as fêmeas uma quantidade de óvulos que varia entre 3 a 8 milhões de ovos), mas porque se avizinha o período do ano de maior abundância alimentar. Vão ganhar peso como o não poderão fazer em qualquer outra altura do ano. Eles já chegaram e estão a preparar-se para a sua festa anual.
A dada altura, já conhecem bem todas as possíveis tocas de polvos que vale a pena visitar. Os seus amigos polvos chegam sempre com um atraso de três ou quatro semanas.
A sua movimentação vai sempre no sentido de não se afastarem muito do buraco que lhes serve de refugio, e por isso o posicionamento estratégico é importante.
Conheço pedras que são autênticos barris de pólvora! São sítios de pedra, ilhados, com arcadas perfeitas para polvos, mas com três ou quatro buracos do tipo “tubo”, suficientes para aconchegarem os safios, que aí se posicionam. O safio sabe que os polvos precisam daqueles recantos cobertos na rocha para depositarem as fitas de óvulos, os futuros “polvinhos”.
Esperam que os polvos cheguem, atacam-nos à chegada à pedra, desprotegidos, e esperam pelo …próximo.
Tudo lhes serve: pequenos polvos de 1 kg são comidos vivos, ou se não conseguirem melhor, um tentáculo aqui e outro ali. Já os vi fazer esse trabalho dezenas de vezes, atacarem um polvo que se protege como pode,
colocando pedras à frente, mantendo-as firmes como rocha, no sentido de não dar um ponto firme de prisão para as mandibulas do safio. Mas acabam por conseguir morder e a partir daí, o predador roda vertiginosamente sobre si próprio, acabando por cortar o tentáculo. Já aqui publiquei fotos de polvos desses, meio comidos, com falta de um ou vários tentáculos. Trabalho de safio….




Quando chegamos a esta altura do ano, sentimos a diferença.
É muito comum que quem faz pesca vertical comece, em finais de Setembro, após os primeiros temporais conforme anteriormente referido, a notar um acréscimo de safios nos pesqueiros que visita. Não são difíceis de ferrar, e muito menos de prever. Fazem-se anunciar assim que chegam junto do barco, por um motivo claro: os outros peixes reduzem enormemente a actividade.
Se estamos a puxar peixes a bom ritmo, a ter toques poucos segundos depois de as iscas chegarem ao fundo, e de repente tudo pára, …temos safio.
A cada instante, esbarramos com aquele típico abanar da ponteira da cana. Não é um pequeno e nervoso peixe que belisca e tenta fugir dali, não é um peixe que aboca e sai do pesqueiro levando a baixada na boca. Nada disso.
Esses nós conhecemo-los bem porque estamos habituados a essas correrias.
É alguém muito seguro de si, que morde e fica no local. E por isso, a linha não corre, apenas dá sinais de que algo estranho se passa lá em baixo.
Se estivermos muito atentos ao comportamento do peixe miúdo, choupas, carapaus, etc, quase podemos prever o momento em que vão picar.
Basta sermos um pouco mais pacientes, dar-lhes mais alguns segundos e eles acabarão inevitavelmente por engolir a nossa isca. Acabam mesmo por se ferrar sozinhos.
Nem são demasiado esquisitos, mas se quiserem ir ao encontro das suas preferências, pois enviem sardinha. Adoram. Não havendo, pois seja, também são apreciadores de cavala.
E de tudo o que se coma: lulas, chocos, tentáculos de polvo, tripas de peixe, etc, etc.


Este é o figurino ideal. Tentem imaginar este buraco submerso a alguns metros de água, não necessariamente muitos. Conheço buracos de safio a pouco mais de um metro de fundo na vazante. Desde que tenha espaço interior para acomodar um safio, vai tê-lo.


Trata-se de um peixe que nem é particularmente difícil de subir ao barco. Os primeiros metros poderão ser críticos, é necessário evitar a todo o custo deixar entrar no seu buraco, mas se o conseguirmos o problema está quase resolvido.
Cada metro de linha que recolhemos para cima é um metro que o safio fica mais longe do fundo.
Não é inabitual que, quando temos exemplares com alguns quilos de peso mais generosos, o peixe consiga apontar para baixo e leve alguma linha.
Se estamos com ele a meia água, não há que hesitar, é deixar ir. Ao fim de alguns segundos estará de novo a parar, a ficar expectante, sem conseguir entender o que se passa.
Recolher um safio até à superfície nem é complicado. O que passa a sê-lo são precisamente os últimos metros, quando o safio vê o barco e dá tudo por tudo para se libertar.
Aí, temos a considerar a resistência em carga da linha, que deverá ser a suficiente, mas muito mais importante que isso, a sua resistência à abrasão. Os dentes dos safios são pequenos, mas são muitos e provocam um efeito no nosso estralho idêntico a …lixa.
Por isso mesmo é importante não pescar com nylons, porque inevitavelmente rompem, mas sim com fluorocarbonos.
Não esqueçam que estamos a pescar vertical e os safios não são o único objectivo. Assim sendo, caso estejamos demasiado grossos, outros possíveis peixes irão retrair-se, mas se estivermos demasiado finos, um safio irá cortar. Por isso mesmo devemos procurar balizar entre o máximo que pode ser tolerado por um bom pargo, uma dourada, e o mínimo que nos garanta a captura dos ditos safios.
Na minha opinião, se queremos estar completamente seguros de que não há problema, a opção deverá rondar linhas de diâmetros mínimo de 0.57 a um máximo de 0.70mm.
Mais que isso não se me afigura necessário, desde que tenhamos um mínimo de experiência neste tipo de pesca.

Vejam as linhas que utilizo:


Referência/EAN: 4513498094841
Marca: Morris
Modelo: Varivas Hard Top
Comprimento: 80m
Diâmetro: #12 - 0.570mm
Cor: Aqua Green
Tipo: Fio Fluorcarbono
Preço: 14.10€



Referência/EAN: 4550133213854
Marca: Daiwa
Modelo: Saltiga Xlink
Ref.: 07363760
Comprimento: 30m
PE: #18 (60lb-27.2kg)
Diâmetro: 0.700mm
Cor: Natural
Tipo: Fio Fluorcarbono
Preço: 30.90€


Manter a calma e não cometer erros é fundamental para que o safio chegue à superfície. Aquilo que há a evitar é mesmo bloquear a embraiagem pois vamos ter períodos em que o peixe consegue virar a cabeça para baixo e é certo e sabido que irá lançar-se direito ao fundo.
Aproveita o seu peso e força para tentar romper a linha. Sabemos que fará isso durante breves segundos, pelo que aquilo que temos a fazer não é mais que deixar ir, e manter alguma pressão. Se tudo correr bem, ao fim de alguns segundos estará de novo a “enrolar”, a debater-se a meia água sem outra intenção que não a de roçar os dentes naquele estranho fio que lhe limita os movimentos.
Há pessoas que utilizam estralhos em cabo de aço, há pessoas que utilizam diâmetros de linha absurdos, mas a meu ver, parece-me que as medidas descritas acima chegam e sobram se tivermos mãos para trabalhar o peixe.
Caso se esteja a pescar com carretos eléctricos, não esqueçam que nenhuma linha suporta a pressão de uma subida vertiginosa a alta velocidade. Nestes casos é sempre de optar por fazer uma subida lenta, a enrolar a linha à mão, sem recorrer ao mecanismo eléctrico. De outra forma, só mesmo com linha…” muito forte”….




A meu ver, a fase crítica desta captura ocorre precisamente quando deveria ser mais fácil: já com o safio à superfície.
Vamos assistir certamente a um derradeiro esforço assim que os seus olhos vejam o barco. Não subestimem, um safio pode perfeitamente nadar para trás, e vai usar de toda a sua força para impedir a entrada dentro da embarcação. É o momento de mostrarmos a nossa determinação, e aí não há muito a fazer que não seja uma demostração absoluta de força. Se o tamanho da peça for curto, um xalavar serve, desde que tenhamos um copo de rede com profundidade suficiente.
No caso de um safio com mais de 1,5 mt, parece-me avisado optar por um gancho de recuperação, afiado na ponta para cravar no corpo do bicho.
Já vi tantos safios escaparem de dentro de xalavares, e inclusive romperem a linha e afundarem de vez que nem tento a operação.
Um gancho em aço inox ajuda-nos a recolher o animal e a depositar no barco.




Os nossos trabalhos ainda não terminaram.
Primeiro que tudo há a garantir a segurança de todos os que estão na proximidade, dando espaço a quem irá neutralizar o safio. Nunca esqueçam que eles mordem!
As dentadas de safio são dolorosas, a pressão das suas mandíbulas é algo de notável, e pior que isso, os seus dentes curtos mas abrasivos não casam bem com a nossa pele frágil.
Mais que isso, podem provocar-nos infecções, se não desinfectarmos de imediato a ferida.
Cuidado pois a matar o bicho, operação que pode ser feita com uma faca pontiaguda de lâmina grossa, forte. Não tentem fazê-lo com facas finas, porque vão quebrar a lamina e arranjar outros problemas.
O ponto a procurar é o cérebro, evidentemente.
Aconselho não considerar que o safio está morto a partir do preciso momento em que cravamos a faca, porque muita gente já foi mordida bem depois disso.
Garanto-vos que a cabeça decepada de um safio, descolada por completo do corpo, pode fazer ainda algum mal. Eles ainda conseguem morder durante alguns minutos, não lhes metam os dedos na boca...


Para a maior parte das pessoas não é um peixe que se procure em exclusivo, mas se surge, pois bem, tem utilidade.


Vejo-os como um mal menor. Quantas vezes são eles os únicos peixes de tamanho que nos alegram o dia….
Não se procuram em exclusivo, mas se aparecem, …porque não?!
De manhã bem cedo, ao entardecer, ou durante todo o dia se tivermos céu nublado, teremos grandes possibilidades de ser “encontrados” por uma destas cobras.
E se pescamos em zonas mais fundas, abaixo dos 50 metros, com pedra partida por baixo, as possibilidades aumentam em flecha e aí, todo o dia é dia de safios.
Deixam de ter dias e horas… são uma fatalidade.



Vítor Ganchinho



😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo e deixe o seu comentário.

2 Comentários

  1. Emanuel Cordeiro24 outubro, 2023

    Boa tarde Vítor,

    Ao ler este artigo fez lembrar precisamente os ensinamentos do meu pai na pesca ao safio e moreia.

    Ele dizia que a partir de outubro era altura dos safios grandes encostarem.
    No nosso caso, pescavamos nas falésias e chegamos a tirar safios de mais de 10 kg com o argolão.

    No entanto, para o meu pai altura certa era sempre de noite quando não havia lua.

    Muitos parabéns pelo seu blog.

    Abraço.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Emanuel Cordeiro!
      Outubro é um terrível mês para sermos encontrados pelos safios.
      Na verdade eles chegam antes, em Setembro já estão a subir, a ocupar os postos de caça.
      Nas pedras mais baixas, (e chega a haver safios em buracos que ficam a meio metro abaixo da linha de maré vazia), os safios encontram muita comida. Estão normalmente de estômago cheio, são um peixe muito bem sucedido, com muitos recursos em termos de armamento. Eles têm uma capacidade de detectar odores anormal, porque vivem disso.

      Recordo-me de um safio de estimação que tinha marcado num buraco a três metros de fundo, na Arrábida, que alimentei durante meses. Mostrei-o a um amigo que dias depois foi lá e matou-o,....tinha 18 kgs. Fiquei desolado.

      Para os safios, de facto não haver lua ajuda, mas eles são muito agressivos e na verdade entram de toda a maneira e feitio. Nos dias nublados, e porque a luz entra em menor quantidade, prolongam a actividade nocturna durante muito mais tempo.

      Uma sardinha, uma cavala, um tentáculo de polvo, .....e haja força no braço.

      É pescar!


      Abraço
      Vitor

      Eliminar
Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال