Termina com esta frase uma das obras literárias do alemão Fritz Heinemann.
“A sorte protege os audazes” é de tal forma uma frase forte que viria a ser adoptada como lema pelos nossos bravos militares do Corpo de Comandos.
Perde-se no tempo este “Fortis fortuna adiuvat", o qual viria a dar origem ao “a sorte protege os audazes” de hoje.
No caso dos Comandos, e porque amiúde se veem em situações de apuros, em missões de combate de vida ou morte, defendendo a Pátria, percebo facilmente que se agarrem desesperadamente a estas questões de “ter sorte”.
Acreditar nisso sempre lhes dará algum conforto espiritual enquanto tentam escapar às balas, morteiros e granadas. É um alívio saber que no fim de tudo há a sorte.
A sorte que nos protege, nos ajuda a escapar vivos ou pouco estropiados, a sorte que nos permite regressar à base com a maior parte dos nossos braços e pernas de origem.
No meu caso, é muito pior.
Eu, Vitor Ganchinho, poucas ou nenhumas possibilidades terei de escapar ileso deste sarilho em que me meti.
Se, por enorme bambúrrio de sorte, sair a respirar e incólume das mãos dos meus leitores, escrevendo algo interessante, (mas forçosamente romanceado), logo de seguida serei fatalmente atacado e massacrado pelo protagonista da história, que não me perdoará o adulterar dos acontecimentos.
Em suma, se as hipóteses de sucesso literário são rasteiras, mas existem, já as de sobrevivência às explosões e estilhaços que vão saltar de Benguela em caso de falha minha, roçam o …quase zero.
Explico-vos porquê: acontece que aceitei o desafio de escrever sobre a captura de um peixe em Benguela, Angola.
Sem estar no local, sem ter visto nada, sem saber muito mais que cada um daqueles que faz o favor de me ler.
Pior que tudo: sei que o Luís Ramos vai estar atento, vai ler estas linhas…. e será impiedoso, não vai deixar passar nada que não esteja de acordo com o figurino. Uma palavra errada e vão saltar bombas marca Zenaq!
Preciso de algo mais que sorte. Necessito sim de um raro golpe de asa que me permita escrever algo bom, mas sem falhar em nada do pouco que ele me disse ter acontecido.
Luís Ramos com um mero feito com material ligeiro. |
Francamente nem sei por onde começar.
Há momentos na vida em que todos nós precisamos ser um comando da Amadora. Porque isso nos traz um aporte extra de coragem, de resistência, força e robustez. E porque pelo menos eles têm um lema a que se agarrar quando deslocados para terras longínquas onde vão combater.
O meu combate começa e acaba em Angola, numa zona de pesca que desconheço tanto quantos os comandos desconheciam as matas onde iam lutar pela nação.
Mas sei que se é em Angola …não pode ser fácil. Angola é tudo menos fácil.
As enormes garoupas negras que saem do mar, numa base diária, provam não estarmos a tratar de pescas para meninos.
Há poucas semanas, uma delas veio à superfície e levada ao fim do dia pelo Luís à báscula, já desidratada pelo sol, pesou 69 kgs, o que ajuda a perceber a dimensão dos oponentes que ali existem.
Os equipamentos de jigging utilizados são normalmente robustos, profissionais, muito técnicos, que não pesados. Ninguém suporta pescar com canas pesadas quando submetido ao abafado calor angolano.
Já aqui vos disse, referindo-me à pesca que fazemos aos pargos, que não faz falta equipamento demasiado pesado, tem sim de ter qualidade, ser de construção cuidada.
Em Angola, longe de tudo o que é possibilidade de compra e assistência, só os melhores equipamentos garantem resultados.
Para o Luís, um profissional da pesca, o assunto não tem discussão: se é Zenaq, ou Shimano, isso garante fiabilidade.
Os fabricantes japoneses cuidam muito do factor qualidade, e o preço das canas é aquele que corresponder ao custo do seu desenvolvimento, investigação e produção.
Sem concessões a nada mais que produzir o melhor que se sabe e é tecnologicamente possível. A este nível, o preço é o que menos interessa, até porque o primeiro lote de peixe capturado já paga a cana.
Neste caso, uma cana Zenaq Fokeeto FB 60-1, uma linha PE 1, algo a rondar as 18 libras de resistência, (sim eu sei que entendem melhor se vos disser que é um multi 0.13mm, resistência à volta de 8 kgs…) e um baixo de linha 30 libras, (para os mais distraídos algo como um diâmetro 0.47mm), trouxeram acima este magnífico peixe.
Um jig CB-One de 130 gramas liquidou este mero. |
Independentemente da espécie, um peixe que tem o dobro do peso que a linha suporta pode sempre romper. Não esqueçam que não tratamos de dados matemáticos directos, de peixe com x peso, e linha que suporta x peso. Há toda uma dinâmica de força, de pressão, que certamente excede em muito os valores mencionados. Um peixe de 15 kgs não faz …15 kgs de força.
Nestes casos, ter ou não ter sorte não será decisivo. Mais vale ter boas mãos, ser capaz de manter o sangue frio e saber esperar o momento certo para pressionar o peixe. Por outras palavras, em vez do “a sorte protege os audazes”, mais vale que a pessoa se chame Luís Ramos.
Não tenho a menor dúvida que a maior parte daqueles que me leem vão pescar robalos ou pargos com equipamentos mais robustos. Porque acham que estarão “de menos” se a linha não for um PE 2 ou mesmo 3. Com essas linhas, o Luís faz peixes, numa base quase diária, de 30 a 50 kgs. E que me conste, ele não coleciona trevos de 4 folhas, nem usa amuletos da sorte no seu barco “Incrível”. A sorte, para ele, são as suas mãos, e um conhecimento milimétrico do seu equipamento de pesca. Em rigor, ter a percepção exacta da quantidade de força que pode fazer, antes de partir.
Mas perguntem-lhe quantos peixes perdeu, quantas linhas romperam, quantos leaders vieram acima sem o jig, até ser capaz de fazer aquilo que faz hoje.
Não é sorte, é saber. E muita consciência das reais possibilidades técnicas, sensibilidade para a função, e saber ...esperar o seu momento.
O provérbio inglês com o significado mais indicado que conheço é este: "Slow and steady wins the race".
E perguntam vocês: o que quer dizer isto? Podem traduzir por: “os melhores resultados chegam através de esforços calmos, consistentes e persistentes”.
Os peixes puxam muito, são fortes, mas …cansam-se.
Não vou referir a profundidade de captura, a qual conheço mas não é conveniente referir por razões de identificação da sua zona de pesca.
Digo-vos no entanto que não foi a mais natural para este Epinephelus marginatus , normalmente a viver e a caçar algumas dezenas de metros mais acima.
Preferem estar em fundos de 20 a 30 metros, e por vezes até na cota dos 10 metros, mas…
Na circunstância este mero terá sido capturado bem abaixo disso, e tal facto só por si já seria motivo de reportagem. Mas não fica por aqui.
Passados instantes do mero dar entrada no barco, algo se passou que viria a rebentar com a escala da bizarria: o mero cuspiu uma pata de uma ave palmípede!
Como pode isto acontecer?!!
O Luís fotografou algo que não podia acontecer: um mero vomitou uma pata de um pássaro! |
Não perca na próxima publicação: o estranho mistério do peixe que engoliu uma pata de pato.
Vítor Ganchinho
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Como sempre está excelente grande amigo. Os meus parabéns por mais um texto fantástico 😃👏👏👏. Fico aguardar pelo segundo e tenho a certeza que me vou rir e divertir como nunca..🤣 Aquele abraço
ResponderEliminarOi Luis! Eu não estaria assim tão seguro de vai haver grande divertimento a ler a segunda parte....
EliminarVamos falar de assassinatos, de um serial killer perigoso, de peixe comprado em Peniche, etc....
Sinceramente, tenho receio de que este segundo artigo seja a minha desgraça, e a razão para nunca mais pisar solo angolano.
E eu que já tinhas as malas feitas!
Logo agora que até comprei uns conjuntos de canas e carretos para estrear aí....
Ora bolas!
Vai sair na sexta-feira, e vai ser a minha desgraça. Tenho tanta certeza disso que aproveito e despeço-me já da malta toda do Lobito....
Abraço Luis!
Vitor
😂😂😂😂
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