ESTUÁRIOS DE RIOS, ESSES MAL AMADOS - PARTE I

A maior parte das pessoas que pesca, …não tem barco.
Logo, se quiser pescar terá de o fazer apeado, a partir de terra. E, numa sequência de raciocínio lógico, irá procurar conseguir peixes no local mais próximo de sua casa, para evitar gastos.
Isso significa ir pescar perto das cidades, ou nas cidades com rio ou mar por perto, onde muita gente vai, gente que partilha das mesmas dificuldades.
Os resultados finais espelham sempre a exiguidade de oportunidades reais de pesca, os sítios mais conhecidos sofrem um massacre diário, e tal não ajuda a conseguir fazer nada de …memorável.
Na verdade, é difícil conseguir peixe onde ele não existe, ou onde esse escasso peixe está absolutamente saturado das propostas que lhe são feitas.
Bom mesmo seria ter uma embarcação e poder sair para fora, mas as limitações financeiras obrigam a algum realismo, e ter barco é uma despesa permanente.


A Ponte Vasco da Gama, sob uma perspectiva pouco acessível a todos. O Tejo ainda tem vida, mas cada vez menos….e há boas razões para isso.


O nível seguinte é o das pessoas que, embora tendo barco, ainda assim ele é pequeno, inseguro, não apresenta condições de navegabilidade suficientes para garantir segurança que permita fazer pesca no exterior, em mar aberto.
Quer a nível profissional, quer em termos de pesca de lazer, a estes dois níveis, esta é uma realidade que existe e não vem mal ao mundo por isso, as coisas são o que são.
Para uns, os profissionais, ou ex-profissionais, as reformas são baixas, pouco mais permitem que sobreviver, e assim sendo há muito quem procure complementar a sua pensão mensal com mais qualquer coisa que venha nas redes.
Mas se para isso apenas dispõem de pequenas barcas de madeira, quantas vezes a remos, ou um pequeno barco de fibra, com motor de baixa cavalagem, então a sua autonomia é sempre curta.

Já num enquadramento diferente, o da pesca recreativa, devemos ter em conta todos aqueles que, por limitações de vária ordem, não possuem embarcações com suficiente robustez para enfrentar as ondas e necessitam de águas mais calmas para poderem exercer a sua paixão, a pesca à linha.
Há mesmo quem, por não saber nadar, tenha um receio absoluto de se ver rodeado de mar, quem tenha pavor de sentir-se longe de terra.
Uns e outros têm as suas limitações, e temos de ser capazes de as entender. E respeitar.


Dentro dos estuários, a exagerada proximidade com o ser humano levanta questões de difícil resolução para os peixes.


Posto isto, e repito, respeitando as limitações das pessoas que vivem da pesca ou gostam de pesca mas não podem ir mais longe, ainda assim há que ter presente o facto de estarmos a tratar de um ambiente marinho sensível e de grande interesse estratégico em termos de criação de peixe.
Confesso não gostar de ver tanta gente a pescar num local que deveria antes de mais ser entendido como uma maternidade de peixe. Os estuários são isso.
E é precisamente aí que reside o busílis da questão.
Aquilo que encontramos numa maternidade é o expectável num local com essas características: alguns peixes adultos que ali pretendem reproduzir-se, e muitos outros, a maioria, ainda juvenis.
Estes, pequenos peixes em trânsito para idade e tamanho de adultos, futuramente passíveis de serem pescados por todos nós ao longo da costa, mas que ao momento, não passam de projectos de peixes grandes.
Uns e outros, pelas razões apresentadas, deveriam ser deixados em paz, a reproduzir ou a cumprir o seu necessário estágio de crescimento.
Dir-me-ão que se guardam os grandes, lançam-se fora os pequenos e o assunto está resolvido. Antes assim fosse…
Na verdade, tudo o que possa engolir um anzol tem grandes probabilidades de interessar a alguém, por pequeno que seja. O critério vigente é este: “se não dá para grelhar dá para fritar”…
E é aqui que começam os problemas.


A qualidade das águas é tremendamente baixa, pese embora aqueles que comem os peixes aqui capturados sejam capazes de jurar que não...


Dificilmente alguém conseguirá conciliar uma pesca responsável e séria com um espaço que serve de maternidade. Não liga.
Confesso o meu desapontamento, sobretudo pela eficácia das suas artes, para com todos aqueles que fazem da pesca com rede dentro dos estuários a sua forma única de exercer a actividade de pesca profissional.
Não me agrada, nem um pouco, que se lancem redes num ambiente que deveria ser, por todos nós, por toda a comunidade que vive da pesca e para a pesca, respeitado ao máximo, ao limite.
Também é verdade que são publicados vídeos de muito mau gosto, em que pseudo pescadores lúdicos fazem autênticos massacres de robalos e douradas juvenis nos nossos estuários. Incomoda-me a imagem que fica de quem pesca à linha.
Os pescadores de linha são directamente responsáveis por uma imagem negativa que se criou na comunidade civil ao longo de muitos anos.
O facto de estarem ali, próximos de quem passa, visíveis, leva quem percebe os excessos a julgar que todos os pescadores são idênticos.
A imagem do pescador lúdico, criada por quem se passeia à beira rio, está bem longe de corresponder ao que fazemos na realidade. Se tiverem o cuidado de indagar junto de pessoas alheias ao fenómeno da pesca, a ideia que têm formada é a de uns pachorrentos cidadãos que passam horas a olhar para uma cana, e que na melhor das hipóteses poderão pescar uma bota velha.
Este estereótipo não nos afecta, porquanto apenas melindra o nosso orgulho próprio. E os pescadores aguentam isso. Não nos mata que nos rotulem de gente paciente, que apenas gasta tempo a olhar o mar.
Mas há muito boa gente que vai mais longe, e procura razões para que se proíba o acto de pesca. São aqueles que participam em todas as manifestações de ruas das nossas cidades, sem saber ao menos qual o tema do dia.
Gritam palavras de ordem, insurgem-se contra tudo e contra todos, …porque sim.
Essas pessoas não têm dificuldades em criticar todos aqueles que apresentam um balde de pequenos peixes mortos.
Tomam a nuvem por Juno e metem na mesma caixa aqueles que pescam em mar aberto a exemplares adultos e os que procuram peixe juvenil dentro dos estuários.
Há muito a fazer e seguramente passa por muito mais fiscalização. Não é aceitável que se pesquem robalos de 15 cm para fritar. Esses que o fazem terão de ser responsabilizados por um crime ambiental de tamanha envergadura.
Esses robalinhos são património nacional, são os nossos futuros grandes robalos!


Os estuários são maternidades e é forçoso que esses espaços sejam respeitados.


Ter a limitação de ser forçado a pescar num estuário não desobriga quem o faz de ser responsável.
A todos esses, aos que encolhem os ombros e assinam por baixo autênticos massacres de indefesos peixes, deixo uma mensagem clara de repúdio!
Aqueles que o fazem não estão a ajudar a que todos os outros tenham de nós pescadores uma imagem …digna.
Assassinos de peixes, é essa a imagem que têm de nós. Acham-nos uns desumanos carniceiros, gente sem piedade de um pobre peixe juvenil.
Afirmam que a todos os pescadores lúdicos as questões ambientais são indiferentes e não é isso que acontece, nem por perto. A amostra está errada, as pessoas que criticam veem a árvore mas não a floresta.
Nós queremos saber da qualidade das águas, da quantidade de vida que existe, e se pudermos ajudar a natureza, …ajudamos.
Os estuários são unidades ímpares de criação de peixe juvenil pelas condições naturais que oferecem a todas as espécies que ali se dirigem para largar as suas esperanças.
Se pensarmos bem, tendo nós a possibilidade de desenharmos um espaço de desova e criação de peixe, não faríamos nada de diferente daquilo que são as chegadas de água ao mar.
Têm tudo!
Águas ricas em zoo e fitoplâncton, logo alimento em abundância, baixios e escolhos protectores da incursão desabrida de grandes predadores, zonas com protecção e abrigo dos grandes temporais do mar aberto, etc.
Teoricamente, um estuário é uma zona segura, um lugar perfeito para se nascer e iniciar o primeiro ciclo de vida. Peixes, cefalópodes, moluscos, todos têm ali o seu espaço. Ou deviam ter….


Todas as fotos aplicadas neste artigo são da autoria do meu amigo Paulo Martins. Obrigado Paulo!


Olhando ao que se passa, quer em termos de pressão de pesca profissional quer da própria pesca lúdica, aquilo que ressalta à vista é a incrível sorte que um peixe tem de ter para não ser vítima de uma das inúmeras armadilhas que lhe lançam ao caminho.
Se à primeira vista se pode pensar que as redes são o maior problema, chamo a atenção de que eventualmente estarão já a considerar o fim de linha, a parte final, o producto acabado do estuário, e não o seu princípio.
Falemos de algo que mata sem contemplações enquanto os peixes que tanto amamos não têm a capacidade para se defenderem: a poluição.

Os grandes centros urbanos, localizados sobretudo em zonas costeiras, não deixam demasiado espaço livre para as gentes da pesca e o mais natural é que se acabe por pescar em zonas vulneráveis aos efeitos da poluição.
Se não sou capaz de convencer as pessoas a não pescarem dentro dos estuários, sou pelo menos capaz de lhes explicar que não o devem fazer, por razões que se prendem com a sua saúde.
É certo e sabido que a maior parte das pessoas come os peixes que pesca. E não o deviam fazer, se pescado dentro daqueles espaços.
Pese as movimentações de enormes fluxos de água, (as marés fazem entrar e sair a cada seis horas um horror de milhões de metros cúbicos), ainda assim muita da água que sai será alguma água que já entrou anteriormente.
O espaço em que nos situamos não fica limpo por completo a cada ciclo de maré. Convém lembrar que não é de hoje que são vertidos poluentes tóxicos nos rios, essa prática vem de longe, é uma prática continuada e diária.
Não temos a considerar apenas os resíduos industriais, e outros, lançados directamente ao rio. Lembrem-se que a poluição atmosférica própria das grandes cidades e centros industriais vai ter de cair algum dia, que não seja por efeito das chuvas. E cai nos solos, nos afluentes dos rios, e…nos rios.
Tudo vai parar ao mar, e já se sabe, a distância entre as zonas de descarga de resíduos industriais e de pesca nunca pode ser muita.
Enquanto centros de grande concentração de pessoas, as cidades são, também por isso, grandes produtores de lixos. Esse facto não “casa” com as necessidades de salubridade que os peixes necessitam quando juvenis, com muito poucas resistências físicas a químicos.
No próximo número vou falar-vos de razões para não se comer peixe capturado dentro de um estuário.



Vítor Ganchinho



😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo e deixe o seu comentário.

Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال