TER CONDIÇÕES PARA SAIR À PESCA

O Inverno está aí, com a sua força, o seu ímpeto, e as suas dificuldades. 
Nada que nos desanime.
Se é verdade que todos os portugueses nascidos neste pequeno rectângulo sabem bem o que significa calor, sol, e pesca fácil, nada nos impede porém de disfrutar de pesca em dias mais cinzentos, porque os peixes estão sempre lá. 
Eles não podem escolher, enfrentam as dificuldades como nós o fazemos na nossa vida pessoal. 
Uns dias melhores que outros, alguns com mais brilho e luz, outros com um pouco mais de chuva e vento.
Ainda assim, o nosso clima favorece-nos, dá-nos muitos dias de pesca, ao contrário de muitos outros países em que a opção quase sempre é a de ficar em casa.
Europeus como os finlandeses, os dinamarqueses, os suecos, sofrem agruras para conseguirem pescar algumas horas. Têm gêlo, têm neve, querem sair de casa e não podem.
Não é o nosso caso. 
Saímos para o exterior porque temos condições para isso. 
E por isso mesmo desenvolvemos muitas técnicas de pesca que se adaptam melhor ao Verão que ao Inverno rigoroso. Não quer dizer que não existam portugueses bons a pescar em condições difíceis, com muito vento, correntes e ondas altas, mas se olharmos ao grosso da coluna, as pessoas preferem pescar em dias calmos, de águas paradas, sem vento nem correntes.
Os peixes bons não têm necessariamente de nos aparecer em dias de sol e água limpa. Pelo contrário...


Dois pequenos atuns sarrajões a bater no mesmo jig Little Jack. Voracidade a mais...


É muito mais natural que nos surjam bons peixes quando os procuramos em condições de mar difíceis. É mais fácil ao peixe encontrar alimento em dias de fortes correntes que em dias de mar parado.
A actividade do peixe é bastante superior em dias de mar formado, porque para eles isso significa mais oportunidades de obter alimento.
Torna-se é mais incómodo para todos nós, os que gostam de vida fácil, de águas lisas, mas isso são detalhes que não incomodam quem pesca bem.
Sobre este assunto tenho uma opinião formada há muitos anos.
A linha que separa os bons pescadores de outros menos afortunados é sempre ténue, difusa, e nem sempre se expressa no balde ao fim de um dia de pesca.
Antes se manifesta por um acumulado e uma consistência de resultados que, esses sim, quando se comparam por períodos de meses, anos, e não de dias, já são reveladores de algo.


Não são os mares calmos que fazem os bons marinheiros. Também o ficar em terra não faz bons pescadores...


Ainda assim, tenho para mim que há gente que pesca bem mais em terra que …no mar.
Sendo a pesca um campo fértil de acontecimentos, também o é em termos de ficção, de mentiras descaradas. Não há contenção nenhuma, é peixe atrás de peixe!
A dada altura já não encaixa a pesca que sabemos ser possível, no relato que dela é feito por alguns “artistas” da nossa praça. Mas porque não? 
Que importa isso quando o objectivo é enaltecer um bom dia de pesca?
Chega a ser pecado ouvir dizer das centenas de quilos de peixe hipoteticamente pescado por pessoas que sabemos nunca terem vivido um dia de pesca a um décimo daquilo que apregoam.
A mentira faz parte dos quadros de pesca pintados por muitos dos nossos colegas. Os padres estão no ramo de negócio dos pecados, vivem disso, logo é bom que haja muitos, e muita gente a confessar-se.

A ser verdade, teríamos no país verdadeiros prodígios da pesca. Temos alguns, gente muito boa a pescar, mas não temos tantos quanto aqueles que surgem nas redes sociais.




Ocorre-me que as reuniões de pescadores, mesmo as que são feitas nos bares e tabernas deste país, deveriam realizar-se sempre a uma mesa redonda.
Isso garantiria desde logo a não existência de hierarquias, de gente que sabe mais que outros, gente que se senta à cabeceira da mesa.
Na pesca não se sabe mais, está-se há mais ou menos tempo, porque na verdade é o tempo e a experiência que moldam o conhecimento da maior parte dos pescadores nacionais.
É a passagem pelas situações de pesca que faz os pescadores. Aprendemos por experiência, já que a pesca não se estuda na escola. O saber de pesca não é algo mensurável a metro, ou a quilo.
Há pessoas, e penso ser o meu caso, que conseguem dedicar mais do seu tempo, da sua vida, ao fenómeno da pesca, e por isso têm mais oportunidades de acumular dados que outras.
Armazenam, por força do tempo despendido em pesca, em tempo de mar, mais conhecimento que outros que não saem, têm outras ocupações, e por isso não têm a mesma possibilidade de obter experiência.
Mas venha o primeiro que nunca teve dias maus, dias de penúria…


Alguns dias convidam mais a ficar em casa. Mas nestes dias também se pesca, os peixes não vão embora, não têm medo da água.


Se alguma diferença existe entre pescadores, ela advém do sentido de observação e do interesse que a pesca desperta em cada um deles.
Conheço pessoas com menos apetência para se questionarem sobre o que pode estar a acontecer do outro lado da sua linha de pesca. Não sabem, não têm interesse nenhum nisso, não querem saber.
Pescar como todos os outros basta-lhes.
Não conseguem ver um comboio à frente dos olhos porque lhes basta ver uma carruagem de cada vez. E tão pouco lhes interessa tentar inventar um novo estilo de pesca, ou sequer experimentar algo que pode hipoteticamente resultar porque isso obriga a ...pensar.
E que tal limitarmo-nos menos!?
Sabemos que, por mais longe que nos levem as nossas experiências de pesca, teremos sempre um caminho de volta ao que já conhecemos.
Certo?



Vítor Ganchinho



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