ESTUÁRIOS DE RIOS - O QUE ESCONDEM AS SUAS ÁGUAS? - PARTE II

Podemos comer os peixes que capturamos dentro dos nossos estuários?
Serão as águas dos estuários seguras do ponto de vista químico para os nossos peixes? Que o não são em termos de segurança contra redes, amostras, iscos de pescadores de linha, isso sabemos que não.
Mas podem ou não afectar a nossa saúde?! Matam-nos de imediato ou…vão-nos matando?....
Tomemos como exemplo o Douro. Um estudo do CIIMAR calculou que a quantidade de partículas de plástico existentes no estuário é superior ao número de larvas de peixes que ali habitam.
Pode imaginar-se o que é a vida de um peixe rodeado de poluição que a ele lhe chega sob a forma de micro-plásticos, os quais ingere, os quais estão presentes nos seus alimentos, suspensos na água em que se move.
Mas o que são estes micro-plásticos, e de que forma podem afectar a nossa saúde?
Microplásticos são polímeros sintéticos com tamanhos variados entre 1 µm e 5 mm, podendo a sua origem ser primária, ou seja, corresponder aos plásticos fabricados já em tamanhos reduzidos, imaginem as purpurinas, por exemplo. Ou podem ser de origem secundária, e aí encontramos tudo aquilo que é plástico de maiores dimensões, mas que se fragmenta ao longo do tempo e fica mais pequeno. O caso dos sacos plásticos.
A grande questão é que, de uma ou outra forma, eles estão em todo o lado, espalham-se como um cancro, e já não temos locais isentos deles. Foram identificados microplásticos na superfície da água em concentrações médias de 0,08 ± 0,09 MP.m-3, na coluna de água com 7,36 ± 7,96 MP.m-3 e nos sedimentos marinhos com 62,96 ± 61,75 MP.kg-1 de sedimento seco. Estão em todo o lado!
As principais fontes possíveis de microplásticos poderão ser relativas a descargas de águas residuais domésticas, (as fibras soltas das lavagens de roupa…por exemplo, é algo de que nunca nos lembramos), atividades de pesca, (redes perdidas no fundo), turismo marítimo, (largada de embalagens de utilização única no mar) e detritos largados por embarcações locais, (sabemos que os nossos marítimos, se tiverem algo incómodo em mãos, lixo, …lançam borda fora).


Os nossos estuários são infelizmente enormes depósitos de poluentes.


Não fica por aqui…
Tentem imaginar que são tripulantes de uma grande embarcação, que passa por algum dos nossos portos.
Algumas dezenas de pessoas a bordo geram uma quantidade apreciável de detritos, numa base diária. Deveriam guardá-los e proceder à sua descarga em aterros, ao acostar. Acham que o fazem ou….largam borda fora na primeira oportunidade?
Se a matéria será decomposta de forma natural, já os macroplásticos irão sofrer deformações mecânicas, por outras palavras vão sendo “limados” pela erosão, abrasão, e um dia serão microplásticos.
Neste processo, efeitos físico-químicos irão ocorrer, (foto oxidação, temperatura, corrosão), e mesmo biológicos (há microrganismos vivos que degradam plásticos), de forma a reduzir a forma e tamanho destes produtos.
Os ultravioletas do sol participam, fragmentando o plástico, dando-lhe novos tamanhos e formas, até que se pulverizam na água do mar. E nessa fase, em tamanho micro, entram facilmente na circulação sanguínea dos peixes, e posteriormente no nosso corpo.
Foram detectados microplásticos no leite de amamentação humano….
Quando a sua densidade é suficiente para os levar para o fundo, e devido às baixas temperaturas, indisponibilidade de luz e níveis mais baixos de oxigénio, tendem a permanecer intactos por muito mais tempo em comparação com os que permaneceram à superfície.
A degradação dos plásticos e micro-plásticos é mais intensa quando se encontram em zonas de forte turbulência.




Os dados de concentrações de microplásticos revelados representam problemas não só para as larvas de peixe, mas também para toda a comunidade humana e para todas as zonas que dependem do estuário, ou seja, as zonas costeiras próximas, adjacentes.
Estudos indicam que a produção mundial de plástico tem vindo a aumentar desde 1950, tendo sido produzidas cerca de 359 milhões de toneladas só no ano de 2018.
Existem, esbarramos a cada passo com eles e mesmo com algum esforço de contenção da nossa parte, a verdade é que todos os utilizamos. Mesmo sabendo serem os responsáveis por grande parte dos nossos problemas de sustentabilidade, e uma ameaça cada vez maior.
Não são no entanto a única ameaça.
O esgoto doméstico, além de causar problemas de eutrofização, contamina os lençóis freáticos, cada vez mais escassos, (chove cada vez menos…) e aumenta a probabilidade de ocorrência de doenças.
Quando largamos pesticidas (bactericidas, fungicidas, algicidas, inseticidas e herbicidas) nas culturas, não queremos nem saber que um dia chegarão ao mar, através do transporte directo pela água das chuvas, ou de qualquer outra forma.
A sua alta persistência no ambiente e o grande potencial de bioacumulação, elegem-nos como portadores de efeitos subletais a longo prazo.
Também a indústria não ajuda a termos águas puras e limpas. Enviam para os rios e daí para o mar, muitos metais pesados. Assim como os pesticidas, os metais pesados são considerados poluentes conservativos, persistentes, elementos que não desaparecem.
As concentrações de metais pesados são sempre maiores nas águas costeiras que nas águas oceânicas abertas. Os valores aumentam drasticamente quanto mais perto se está da desembocadura dos rios. Sim, precisamente onde as pessoas vão pescar...
Os metais pesados apresentam efeitos subletais e causam anormalidades de crescimento. O aparecimento de doenças degenerativas são observados principalmente em crianças recém nascidas, residentes em cidades costeiras com grande desenvolvimento urbano. Adivinhem porquê. 
Os esgotos contêm, além das fezes humanas, restos de alimentos, sabões e detergentes vários, sendo considerados o principal fator poluente das águas em regiões densamente povoadas.


Reparem na concentração de matéria em suspensão. Isto não é água limpa, e nem teria de o ser, caso não existissem aqui elementos químicos nocivos.


Os esgotos não tratados são responsáveis pela grande entrada de nutrientes, principalmente nitrogênio e fósforo, nos ecossistemas costeiros.
Isso tem como principal consequência a proliferação de fitoplâncton, o qual, em excesso, irá ocasionar uma grande mortandade na fauna local.
Este processo é denominado de eutrofização. Conhecemo-lo sobretudo da afectação das nossas águas interiores, vejam o caso das lagoas das nossas ilhas dos Açores, verdes por estarem completamente tapadas de algas.
Há por vezes detalhes que participam activamente neste processo de reprodução hiperactiva de algas, com os quais nem sonhamos. Dou-vos um exemplo: os efluentes térmicos, vulgo águas quentes.
Muitas indústrias utilizam a água do mar para o resfriamento das suas máquinas, como centrais termoeléctricas, fábricas de pasta de papel, etc. Em Setúbal temos disso.
Apesar de estas águas não entrarem em contato com nenhum poluente, nenhuma toxina, o simples aumento da temperatura da água quando despejada no mar pode alterar significativamente o ecossistema marinho ao seu redor.
O grau de impacto sobre o ambiente marinho e seus organismos depende diretamente da quantidade de água a ser despejada, mas não esqueçamos que esta se trata de uma prática repetida, não ocasional.
O principal efeito deste tipo de poluição é o de ocasionar mudanças drásticas na proliferação de microalgas por criação de condições ideais para a sua reprodução.
O aumento da temperatura pode ocasionar também o aumento da perigosidade de alguns poluentes químicos, ocasionando uma nova série de problemas, em cadeia. Por exemplo a proliferação de microrganismos tóxicos, bactérias e vírus, que ficarão ligados a matéria orgânica, a qual irá por sua vez servir de alimento a seres vivos. Os problemas sobem em cadeia, e cada vez mais graves. 


Em mar aberto, a agitação marítima favorece a oxigenação das águas, algo que não acontece em espaços mais restritos, de raras turbulências.


Os nossos estuários prestam-nos um serviço que nunca poderíamos pagar. Não só criam elevadas quantidades de alevins fornecendo-lhes alimento e protecção, como ainda nos ajudam a conter os excessos humanos.
A sua capacidade de depuração de toxinas é enorme, eles são os responsáveis por complexos processos físicos e bioquímicos que ali ocorrem e nos salvam de maiores desastres ecológicos. As lamas são sorvedouros de químicos tóxicos, as águas espalham por grandes extensões as escorrências que, quando concentradas, seriam fatais para qualquer ser vivo.
Muito devemos aos estuários. E tratamo-los tão mal, …enviando-lhes de forma crónica, sistemática, os metais pesados, pesticidas, toda a sorte de poluentes de origem industrial, agrícola e urbana.
Para quem acha que não faz mal comer os peixes capturados em estuário, pois digo-vos que muitos deles têm altas concentrações de metaloides, por exemplo …arsénio. Um veneno….
São conhecidos usos de compostos arsenicais na agricultura, através de pesticidas e herbicidas, no fabrico de ligas metálicas (chumbo e chumbo + antimónio) para chumbos de caça, baterias, na electrónica (semicondutores), na indústria de vidro, na pecuária (aditivos alimentares), na indústria naval, como algicida, (sim, o anti-fooling aplicado nos cascos dos barcos…).
O arsénio no estuário do Tejo, é um caso de contaminação crónica, resultante principalmente das emissões devidas ao processamento de arsenopirite no complexo da QUIMIGAL, situado na margem Sul do estuário, no Barreiro.
Esta actividade cessou em 1987, após 36 anos de funcionamento, tendo sido estimada uma emissão média de 700 toneladas de arsénio por ano. Elementos que chegaram ao estuário, por descarga directa, deposição atmosférica ou pelas escorrências nas zonas circundantes.
São 25.200 toneladas de arsénio, ora bolas!!
Querem mais produtos químicos que garantidamente existem em abundância nas águas dos estuários? Aí vão alguns:
Peróxido de hidrogénio, cloreto de zinco, DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), etileno acetato de vinil, ferro, ácido clorídrico, polietileno de alta densidade, hidróxido de potássio, polietileno de baixa densidade, hidróxido de sódio, poliamida, poliacrilato, PCBs (bifenis policlorados), etc, etc.




Uma das questões que se colocam é esta: são os estuários que criam peixes para povoar as pedras lá fora, ou são as águas abertas do largo que enviam parte dos seus peixes para o interior dos estuários?!
Poderá haver quem não se incomode em tentar perceber isto, mas a diferença é enorme. Tratamos de contaminantes que passam de peixes para peixes.
À partida, a entrada de reprodutores limpos e saudáveis nos estuários seria o cenário mais natural. Os peixes adultos sabem bem que as condições de procriação que aqueles espaços oferecem são ímpares.
E, repetimos, em condições normais, o processo de nascimento e crescimento dos alevins seria potenciado pelo facto de terem alimento e segurança que nunca poderão ter em mar aberto.
Mas...o espaço em que nascem já está contaminado. Já tem uma cruz a negro por cima. 

Tenho a perfeita noção de que este é um tema incómodo, sei que muita gente preferia não ler isto e não saber, mas não estamos cá para tratar de temas simpáticos, estamos para trazer a este espaço assuntos que devem ser do conhecimento geral.
A seguir, cada um fará a sua opção, a qual pode perfeitamente passar por continuar a comer peixe capturado nos estuários. 
Alegremente.



Vítor Ganchinho



😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo e deixe o seu comentário.

Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال