Fenómenos não visíveis
Tentar explicar, de forma simples, fenómenos relacionados com um conjunto de forças invisíveis aos olhos, tais como a gravidade, impulsão, pressão hiperbárica, será tudo menos fácil.
Já seria difícil explicar coisas hoje em dia tão banais quanto o funcionamento das radiações electromagnéticas dos vulgares comandos de televisão, ou comandos de portas de carros, portões de casa, alarmes, etc.
Se dissermos às pessoas que os raios infravermelhos são radiações electromagnéticas com comprimentos de onda entre 700 e 50.000 nm, elas dirão que sim, talvez, mas pese embora as utilizem todos os dias, não sabem como elas fazem acionar mecanismos, e por fim, no limite, são mesmo capazes de dizer que não existem. Porque não são visíveis aos nossos olhos.
Passa-se o mesmo com forças invisíveis como a gravidade ou a impulsão da água do mar.
Embora se tratem de forças sempre presentes num banal acto de pesca, o primeiro obstáculo é conseguir fazer entender, sobretudo a quem tem uma idade mais avançada, mas que pesca, o quanto pode ser interessante levantar um pouco o véu sobre dados reais, físicos, que conhecemos bem por senti-los na prática, mas não sabemos explicar na teoria.
Os nossos lusos pescadores sabem que ao soltar a linha, a sua chumbada cai para o fundo. Sobre isso e como fazer isso, sabem tudo.
A seguir, poderiam relacionar tal facto com a força da gravidade. De facto, podiam, mas não o fazem, pois isso já é ir muito além do “necessário”. Não é visível, logo são …”teorias”…
Temos vindo, ao longo desta série de artigos, a tentar explicar a forma como cada uma destas forças pode, ou não, influenciar o nosso desempenho de pesca.
Se entendermos o fenómeno, podemos inclusive tentar tirar partido de elementos tão simples como o peso da chumbada, o diâmetro da linha, e assim conseguir melhorar os nossos resultados. E isso já são dados concretos de utilização.
Que ninguém tenha dúvidas de que devemos pescar sempre com o mínimo de chumbo, e com o diâmetro de linha mais fino possível. As capturas aumentam de imediato.
Mas para isso, seria bom que previamente todos pudessem entender o que se passa, saber as razões pelas quais a linha faz as tais…”curvas”.
A gravidade, a pressão hiperbárica e a impulsão existem.
Quando tratamos de actuar sobre um ambiente marinho cuja pressão é muito superior à atmosfera em que vivemos, há que ter isso em conta.
Da mesma forma, a densidade da água do mar é bastante superior à da água doce e por isso é útil perceber de que forma a força de impulsão vertical se manifesta sobre qualquer tipo de aparato que tentemos enviar para o fundo.
Não é indiferente a relação entre volume, peso e forma. Por isso temos tanto cuidado a escolher os jigs, ou aqueles que pescam “pica-pica” fazem tanta questão de utilizar chumbadas mais hidro dinâmicas. Fazemo-lo porque a aplicação da força de impulsão a isso nos obriga. Jigs ou chumbadas mais largas e curtas, vulgo “bolas”, descem mais lentamente que “torpedos”, ou chumbos tubulares, os quais ao caírem verticais oferecem uma face mínima, logo menos resistência à força de impulsão. E por consequência mais velocidade de queda.
É importante perceber que estamos permanentemente a encontrar estratégias de vencer forças naturais. Gravidade versus impulsão.
Sabemos que a força de gravidade aplicada irá fazer com que um chumbo mais pesado desça de forma mais rápida que um mais leve. Isso é do senso comum, e é facilmente verificado por todos os pescadores no mar.
Nada é tão simples de entender como isto: “filho, se há aguagem, metemos-lhe mais chumbo”…é o que dizem os nossos pescadores mais antigos.
Independentemente de estarmos a pescar jigging ou a fazer pesca vertical, também sabemos que a forma mais longilínea do peso que enviamos ao fundo permite encurtar o tempo de trajecto.
Falta-nos ainda referir que a linha é algo que nos liga à amostra/ chumbo, que oferece resistência e por isso trava a sua descida, e por isso mesmo o seu diâmetro tem uma influência decisiva no sucesso ou insucesso da nossa pesca.
É bom que isso fique claro porque isso conduz-nos às razões pelas quais as linhas mais grossas formam os ditos “seios” ou curvas tão pronunciadas.
Na circunstância, falamos de ter na água uma metragem de linha que supera em metros a distância que vai da ponta da nossa cana ao fundo. Podemos em alguns casos extremos estar a tratar de mais de uma ou duas dezenas de metros de linha a mais.
Algumas pessoas pura e simplesmente não conseguem ter qualquer controle sobre este facto, e por isso não conseguem detectar as picadas dos peixes. Pode mesmo acontecer que a sua isca/ amostra nem chegue ao fundo.
Tem a ver com forças laterais, a corrente de maré, mas também com a dita força de impulsão, aplicada à secção da linha que temos dentro de água que não esteja rigorosamente na vertical. Com correntes laterais fortes e linhas grossas pode ser virtualmente impossível pescar.
Há sempre a alternativa de carregar mais chumbo. Sim, é verdade que dessa forma conseguimos atingir o fundo, mas a troco de quê?....
Pois, de um peso que nos impede de sermos rápidos a ferrar. E isso significa perder muitos peixes.
Resolve-se facilmente: linha mais fina, menos pressão sobre ela.
Se a força de impulsão vertical aplicada sobre a linha é menor, se a força lateral da corrente (ou vários planos de correntes no mesmo local, conforme vimos nos números anteriores...) tem menos apoios, então isso permite pescar mais vertical. Na gíria diz-se “pescar com a pesca menos espiada”.
A ajudar, o facto de a linha mais fina ser mais leve e ao mesmo tempo oferecer menos resistência à deslocação até ao fundo, isso também joga a nosso favor pois a velocidade de saída do carreto aumenta.
Dessa forma chegamos ao fundo mais depressa. Por consequência, não necessitamos de tanto chumbo para vencer a resistência da água. Podemos até utilizar jigs mais leves, mais reactivos.
Menos necessidade de chumbo significa mais rapidez de ferragem, e no fim, inevitavelmente, isso traduz-se em mais peixe pescado. Está tudo ligado!!
A gaivota flutua porque a força de impulsão existe. |
Trata-se de uma matéria de alguma complexidade para quem é pouco dado a leituras, reconheço-o. Por isso mesmo, foi feita nos dois últimos números uma descrição aligeirada, sem pretensões de ir demasiado ao detalhe, sobre aquilo que se passa no meio líquido, o meio em que se move a amostra que lançamos ao mar, e algumas das forças em actuação na água do mar.
Considerando todos os dados disponíveis, e acertando na hora, local e técnica correcta, podemos maximizar a utilização e eficácia dos nossos iscos, vinis ou jigs.
Em paralelo, parece-me agora oportuno estabelecer uma ligação entre a profundidade a que pescamos e a capacidade física do peixe que irá actuar sobre ele, a essa profundidade.
Eu vejo muita gente a fazer jigging, ou a imitar aqueles que o fazem, e não são poucas as vezes que me interrogo sobre as reais chances que essas pessoas têm verdadeiramente de ferrar um peixe.
Não se trata de equipamentos, porque esses podem adquirir-se, não se trata de barcos, porque em rigor desde que nos permitam estar estáveis sobre o cardume, servem.
Trata-se sim de conseguir entender as condicionantes em que o peixe vive, e aquilo que ele teria de ser, um super-peixe, para conseguir atacar o nosso jig.
É um facto que a maior parte das pessoas não pensa, nem quer pensar, naquilo que está a ser pedido a um peixe quando se espera dele um comportamento agressivo. Queremos um ataque, uma mordida forte, uma ferragem bem sucedida, e isso basta-nos.
A forma como pescam exige que o outro ser, aquele que está do outro lado da linha, seja capaz de fazer o pino, escrever uma carta e tocar piano ao mesmo tempo.
Sim, exigimos demasiado aos peixes! Queremos deles …tudo.
Mais que isso, queremo-los sempre disponíveis e às nossas ordens. Que venha a terreiro aquele que acha não ter direito a estar num pesqueiro em que os peixes comem tudo o que lhes lança, todo o dia, a qualquer hora, desde que chega à pesca até que decide partir.
Os peixes não podem ser isso, porque nada pode ser isso.
Por absurdo, seria exigir a alguém que fosse capaz de comer ininterruptamente 24 horas sobre 24 horas. Na natureza isso não existe, porque não pode existir.
Vamos a seguir falar sobre os ditos “ciclos de alimentação”.
Deixamos isso para o próximo número.
Vítor Ganchinho
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